Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Vera Guimarães Martins

Um dos assuntos mais espinhosos do jornalismo, o conflito Israel-Palestina é praticamente o único tema de “Mundo” capaz de despertar opiniões e debates acirrados no Brasil. Quando há, como agora, um agravamento das hostilidades, multiplicam-se as pressões sobre a Redação e as reclamações de desequilíbrio na cobertura, brandidas indistintamente pelos dois lados.

Foram muitas nos últimos dias. A charge sobre as crianças mortas, o título sobre o recorde de soldados israelenses mortos, deixando na linha-fina o número muito maior de vítimas em Gaza, a legenda do site que dizia que Israel massacrava palestinos; tudo entra na linha de tiro.

Algumas queixas têm razão, outras não, mas isso pouco importa; a razão é sempre a primeira vítima num longo conflito. Não são um problema da Folha, mas do mundo.

Na média, o jornal tem feito uma cobertura correta, que melhorou sensivelmente a partir de quarta (23), com a chegada do enviado especial, que conhece bem a região.

Qualquer conflito exige cuidado ao ser reportado, mas o de Israel-Palestina tem um complicador: é tão avassaladora a assimetria entre os dois lados que a mera tentativa de tratar o problema com isenção já é intolerável para o leitor engajado –afinal, como é possível ser isento quando uma nação rica e bem armada está lutando contra outra tão proletária e despossuída?

Por esta mesma lógica, é desejável –ou “moralmente justo”– que todos se coloquem a favor do mais fraco. Governos até fazem isso; o noticiário que se quer imparcial não pode cair na armadilha.

Leitores costumam esquecer que jornais não falam para um público ideologicamente homogêneo, até porque isso não existe. Há dissensões e opiniões divergentes em Gaza ou Israel. Cabe à imprensa ser uma fonte de informação minimamente confiável para a maioria.

Num terreno minado por nacionalismos, compaixão e ideologias, fazer isso sem escorregar é quase impossível. Como todo mundo, jornalistas também estão sujeitos aos efeitos das notícias que (re)produzem. Evitar que o subjetivo contamine o trabalho exige uma busca diária pela linguagem mais neutra.

O Instituto da Imprensa Internacional (IPI, na sigla em inglês), organização sediada na Áustria, decidiu traduzir essa dificuldade em um guiazinho chamado “Use With Care: A Reporter’s Glossary of Loaded Language in the Israeli-Palestinian Conflict” (Use com Cuidado: Um Glossário da Linguagem Controversa no Conflito Israelense-Palestino). Trata-se de um manual com os termos mais indicados para reportar o conflito, evitando armadilhas linguísticas que possam incitar o ódio ou perpetuar estereótipos.

Escrito por seis profissionais que atuam na região, o guia trilíngue (inglês, árabe e hebraico) pode ser baixado do site freemedia.at.

Sua leitura é útil não só para jornalistas ou interessados no conflito: os verbetes dão uma mostra de como é fácil cimentar tijolos no muro de incompreensão entre os dois povos. Basta a palavra errada.

O imbróglio do aeroporto

A manchete do último domingo (20), “Minas fez aeroporto em terra de tio de Aécio”, pautou o mundo político e provocou muitas contestações à série de reportagens.

Aécio Neves afirma que não é correto dizer que a obra foi feita na terra de seu tio, já que a área havia sido desapropriada antes da licitação. O argumento está tecnicamente correto: uma vez decretada a desapropriação, o terreno passou a pertencer ao Estado.

Mas isso não é suficiente para invalidar o enunciado; a tecnicalidade não pode sobrepujar o fato de que o aeródromo fica num enclave na fazenda de seu tio.

Acho que a chamada da “Primeira Página” tinha outros problemas. Como observei na crítica interna, a informação de que a área foi desapropriada por um valor que o próprio parente contesta só aparecia no penúltimo parágrafo. A reportagem ainda jogava dúvidas sobre os critérios técnicos para a escolha do local, mas não soube informar quais eram eles.

A página da ombudsman no site publica a íntegra da mensagem enviada pela coligação Muda Brasil, do candidato tucano.

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Leia também o esclarecimento do Ministério da Justiça sobre a reportagem “Ministro atuou junto aos EUA para ajudar Maluf”, publicada na quinta (24).

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo