Uma das tarefas da ombudsman é tentar dar transparência ao trabalho da Redação, desvelando para o leitor os problemas, dilemas e (sobretudo) erros embutidos no ofício de “espremer vidas complicadas em manchetes simples”, na definição precisa da música “Cedars of Lebanon”, do U2. No ofício, espremem-se também decisões complicadas.
No fim de semana passado, o noticiário nacional foi mesmerizado pelo vazamento de parte dos depoimentos que Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, vem concedendo num processo de delação premiada que corre em segredo na Justiça Federal do Paraná.
Além da unanimidade das manchetes, havia conformidade na origem: a fonte era a reportagem “O delator entrega os nomes”, publicada na revista “Veja” que chegou às bancas no sábado (6).
Segundo a revista, o ex-diretor havia envolvido três governadores, seis senadores, um ministro e pelo menos 25 deputados federais em um esquema de corrupção na Petrobras. O texto só revelava 12 dos nomes. Não havia, ao menos no material publicado, documentos que comprovassem acesso ao depoimento. A “Veja” relatava que obteve detalhes de parte significativa das declarações e deixava claro que eram informações “off the record”, ou seja, de fonte mantida em sigilo.
Para evitar mal-entendidos: o “off” é instrumento comum e pode render informações seguras quando jornalista e fonte desenvolvem relação de confiança mútua. Cabe ao veículo, que conhece seu profissional e a identidade da fonte, avaliar o grau de confiabilidade e bancar a publicação, o que a “Veja” fez.
Também é normal que um furo de reportagem como esse seja replicado pelos meios de comunicação.
É raro, porém, que grandes escândalos sejam revelados com base apenas em fontes não identificadas, sobretudo quando envolvem acusações nominais, sujeitas a processos de injúria e difamação. E mais raro ainda que notícia obtida nessas condições ganhe todas as manchetes.
O fato não escapou a alguns leitores. “É um absurdo que um jornal desse porte publique na manchete uma notícia de tal importância cuja única fonte é a Veja', a partir de reportagem, como o próprio jornal assinala, sem detalhes ou documentos”, escreveu uma leitora.
A ressalva, aliás, torna o episódio mais curioso. O texto da Folha teve o cuidado de registrar a falta de provas documentais. Na terça (9), o principal editorial recomendava cautela e apontava as fragilidades das informações. Ainda assim, foi manchete. Por quê?
Responde a Secretaria de Redação: “O que a revista “Veja” publicou se aproximava de informações que nossos repórteres haviam recebido e tentavam confirmar. O jornal tinha as linhas gerais da apuração, mas sem detalhes. Preferiu, assim, atribuir a informação sobre os nomes de alguns implicados à revista, que deu o furo.”
A Folha poderia, como costuma fazer, publicar a história com destaque e chamada na “Primeira Página” sem dar-lhe o peso de uma manchete em cinco colunas. Seria o reconhecimento da importância do furo, mas também das dificuldades de comprovação vivenciadas pelos seus profissionais. Preferiu um procedimento, digamos, pouco ortodoxo.
Mas o imbróglio da Petrobras comporta outras heterodoxias. A primeira, já apontada e que interessa discutir aqui: todos os grandes jornais tiveram o mesmo comportamento. (A segunda: não se ouviram ameaças de processos por parte dos políticos nominalmente acusados.)
A explicação para o mimetismo dos jornais depende do interlocutor. Há quem enxergue no vazamento uma conspiração para prejudicar as candidaturas à Presidência de Dilma Rousseff e de Marina Silva e para beneficiar o tucano Aécio Neves –o que, convenhamos, não corria o menor risco de dar certo, como se pôde ver pelas últimas pesquisas.
Creio mais na dinâmica jornalística. Nas Redações, reina a convicção de que a delação de Costa deve detonar um escândalo de grandes proporções, com potencial para pautar a política nos próximos anos.
Nenhum veículo quer ficar à margem ou parecer irrelevante em cobertura desse calibre. Todos querem um naco do mérito. Como jornalista, conheço bem a luta pelo protagonismo noticioso –é ela, afinal, que garante a sobrevivência dos meios.
Mas minha avaliação é que faltou cautela. Se, como disse o editorial, a pilhagem da Petrobras é plausível, o malogro de investigações potencialmente explosivas como esta costuma ser ainda mais plausível.
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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo