A Folha lançou na última segunda (15) o especial multimídia “Crise da Água”. Foi a terceira incursão do jornal na série “Tudo Sobre”, de reportagens pensadas para o digital.
Como os dois anteriores, traz conteúdo relevante e uma profusão de informações que chega a impressionar. Também como os anteriores, é aquele tipo de projeto que confere prestígio e prêmios ao jornal, além de satisfação profissional aos autores, mas cujo destino é ser integralmente conhecido por poucos.
O problema não é de qualidade, mas de extensão. “Crise da Água” traz três grandes reportagens sobre os recursos hídricos em São Paulo (“Gente Demais”), na região Norte (“Água Demais”) e no Nordeste (“Água de Menos”). O ponto, para usar o mesmo achado esperto dos títulos, é que tem Texto Demais para um leitorado que dispõe de Estímulos Demais e Tempo de Menos.
O grande volume de informação faz parte do conceito de reportagem digital, que integra vídeos, galerias de fotos e gráficos interativos.
A matriz foi “Snow Fall”, uma longa narrativa sobre uma avalanche em uma estação de esqui dos EUA, publicada em dezembro de 2012 pelo “The New York Times”. Foi uma inovação que ganhou fama, um prêmio Pulitzer e muitos seguidores.
A Folha foi um deles, mas os três projetos já produzidos pelo jornal compõem um perfil diferente. A história da avalanche que matou três pessoas é uma narrativa na primeira acepção da palavra, com acontecimentos encadeados e um relato com veia literária. Pode empolgar como livro de aventura.
Nenhum dos projetos da Folha cabe no figurino. Eles discutem temas. “Belo Monte” é uma longa reportagem sobre a usina; “50 anos da Ditadura”, idem, sobre o golpe militar. “Crise da Água” é um três em um. Não há dúvida sobre o valor jornalístico, mas elas estão mais próximas de um livro didático do que de um relato que segura o leitor. Sua vocação é virar fonte de consulta, não de desfrute. Nada de errado se for essa a intenção. Duvido.
O excesso de conteúdo é efeito colateral irônico de uma vantagem que o digital tem sobre o impresso: na internet, o espaço não tem fim. Daí para exagerar na dose é um pulo.
Qualquer uma das reportagens da “Crise da Água” tem fôlego para brilhar sozinha. Poderiam ter saído separadas, como série, ou ao mesmo tempo, mas com capítulos para facilitar o acesso a cada uma de forma independente. No modelo escolhido, o leitor é forçado a ler tudo ou a ir descendo telas e mais telas para encontrar o que procura. É a senha para desistir ou adiar para quando sobrar “um tempinho”.
Um sistema em duas versões
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de SP enviou longa carta à ombudsman contestando o conteúdo da notícia que deu origem à manchete de terça (16), “Alckmin maquia programa de combate ao crime na TV”.
A reportagem tratava do descompasso entre o funcionamento real do sistema de segurança Detecta (que auxilia na investigação de crimes) e o que estava sendo divulgado no horário eleitoral do candidato tucano a governador.
Os repórteres relatavam que muitas das ferramentas descritas na TV não estavam em operação, como a capacidade de identificar cenas suspeitas, e apontavam falhas no principal banco de dados do Detecta, o RDO (que registra os boletins de ocorrência).
Entre outras contestações, o Estado afirma que o RDO é só um dos vários bancos de dados utilizados e que os repórteres se equivocam nas atribuições do sistema.
Segundo a carta, o registro de ocorrências em endereço inexistente, um dos problemas apontados na reportagem, é explicado pelo predomínio de furtos (80% dos casos), situação em que a própria vítima não sabe precisar o local.
A secretaria diz que o Detecta já trouxe ganhos práticos, embora reconheça que está em fase de implantação. A íntegra pode ser lida na página da ombudsman no site.
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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo