Há 25 anos, no dia de hoje, a Folha se tornava o primeiro jornal brasileiro a publicar uma coluna cuja missão era criticar o próprio jornal –da perspectiva de seus leitores.
A iniciativa teve origem na Suécia, em 1809 –onde surgiu o termo ombudsman, palavra que significa “representante do cidadão”. A princípio, esse profissional tinha a função de receber reclamações contra o governo.
Aos poucos começaram a ser criados ombudsmans em empresas, hospitais e universidades. A imprensa adotou a ideia em 1967, quando um jornal de Kentucky nomeou seu defensor dos leitores. Hoje esse mecanismo é empregado por diários de 27 países.
Na Folha, o ombudsman tem mandato de um ano, renovável por até três anos. Ele não pode ser demitido no exercício de seu trabalho e tem estabilidade de seis meses depois de deixar o cargo.
Essa garantia tem por finalidade preservar sua independência em relação à direção da empresa, para que possa criticar o jornal sem receios.
A importância do cargo pode ser aferida pelas dezenas de “Erramos” publicados mensalmente pela Folha. A despeito disso, poucos veículos se animam a nomear um crítico do próprio jornal.
No Brasil, além da Folha, só o jornal “O Povo”, de Fortaleza, tem um profissional filiado à Organização de Ombudsmans de Notícias. Entre as emissoras de TV, a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) possui uma ouvidora.
A atual ombudsman da Folha, Vera Guimarães Martins, acredita que a longevidade da instituição “é realmente um fato a ser celebrado. No cenário atual de queda de receita e corte de despesas enfrentados pelos jornais, muitas empresas acabam optando pela eliminação do cargo”.
Ela lamenta, porém, que a ideia tenha se tornado “quase uma marca específica daFolha, parte do projeto editorial do jornal, e não do jornalismo, como deveria ser”.
A mesma opinião é compartilhada pelo primeiro ombudsman, Caio Túlio Costa – hoje sócio da MVL Comunicação e coordenador da área digital da campanha de Marina Silva: “Para a imprensa, foi uma belíssima lição. Mas foi uma lição muito dura, porque a função não ganhou o coração da imprensa brasileira”.
Para a Folha, o resultado foi muito positivo, pois aprimorou “os mecanismos tradicionais de ouvir o outro lado” e o próprio jornalismo. “O jornal passou a se conhecer melhor e passou a conhecer melhor o seu leitorado”, diz Caio Túlio: “E aFolha conseguiu fazer uma instituição respeitada, seja na escolha dos profissionais, seja na independência que deu a eles”.
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Instituição fortalece a democracia, diz ONO
Ombudsman da Empresa de Radiodifusão Pública da Estônia e presidente da Organização de Ombudsmans de Notícias (ONO), Tarmu Tammerk destaca como a Folha ”começou a instituição tão cedo após a restauração da democracia”. Em seu país, foram necessários 15 anos. “Ter ombudsman ajuda a erguer uma democracia mais forte, porque fortalece a imprensa como fiscal do poder”, diz.
Qual é o efeito desta longevidade da prática do ombudsman, para a Folha e a imprensa brasileira?
Tarmu Tammerk – É muito saudável para o jornal e a imprensa em geral. Significa que há uma tradição. Os leitores podem se sentir seguros. Ter ombudsman por bastante tempo é marca de qualidade.
É uma instituição estabelecida ou segue ameaçada pelas dificuldades da imprensa?
T.T. – Os problemas financeiros, é claro, causam problemas para a instituição do ombudsman. Em alguns lugares, postos foram suprimidos, mas em outros novos ombudsmans foram nomeados. Alguns novos surgiram, por exemplo, na Alemanha. Em Mianmar, depois de restaurada a democracia, o primeiro ombudsman foi nomeado.
Qual é o maior desafio do ombudsman na era digital?
T.T. – A velocidade se tornou mais importante. Leitores que usam mídia social esperam que você reaja imediatamente, à noite, nos fins de semana. Mas o ombudsman deve manter o foco nas prioridades. Se há um grande erro, deve intervir para que não se multiplique. Outras coisas podem esperar. E as pessoas criticam o jornal mais facilmente, em mídia social, mas essa crítica é fragmentada. Você precisa do ombudsman para mostrar sistematicamente os valores do jornal, como a mídia funciona.
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Ombudsmans da Folha
>> (1989-1991) CAIO TÚLIO COSTA – Principal polêmica: Criticou o colunista Paulo Francis por ser “preconceituoso” e “vulgar”. Francis classificou os comentários de “fuleiros” e “insolentes”. Por determinação da direção do jornal, a polêmica se encerrou em 25/2/1990. No final do ano, Francis deixou a Folha.
>> (1991-1993 e 1997) MARIO VITOR SANTOS – Principal polêmica: Em 1993, criticou o projeto “Folhão”. Em 1997, questionou as motivações do delator do esquema de compra de votos para aprovar a emenda da reeleição de FHC. Foi contestado pelo então secretário de Redação Josias de Souza.
>> (1993-1994) JUNIA NOGUEIRA DE SÁ – Principal polêmica: Em 1994, durante a campanha presidencial, afirmou que a Folha tinha simpatia por Fernando Henrique Cardoso. A editora de Política, Paula Cesarino Costa, e o diretor da Sucursal de Brasília, Josias de Souza, listaram diversas reportagens críticas a FHC.
>> (1994-1997) MARCELO LEITE – Principal polêmica: Criticou a cobertura da Folha sobre política em 1996. Em resposta, Gilberto Dimenstein retrucou que o ombudsman não estava “acima de suspeitas”. Leite lamentou as suspeitas levantadas pelo colega, que vestiu a carapuça de “governista’’.
>> (1998-2001) RENATA LO PRETE – Principal polêmica: Apontou distorções no noticiário sobre o MST e problemas nas reportagens sobre o dinheiro utilizado pelo movimento. Criticou o jornal por não ter esclarecido que seus repórteres utilizaram carro e motorista do Incra para levantar dados.
>> (2001-2004) BERNARDO AJZENBERG – Principal polêmica: Criticou o jornal por beneficiar a campanha do tucano José Serra e por “forçar a barra” contra o governador Zeca do PT. O editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, retrucou que antes o ombudsman acusava o jornal de ser leniente com o PT.
>> (2004-2007) MARCELO BERABA – Principal polêmica: Questionou o jornal por não ter discutido a indenização pleiteada pelo colunista Carlos Heitor Cony, perseguido pela ditadura. Cony justificou o pedido pelas dificuldades enfrentadas por sua família e disse que não fixou o valor da reparação.
>> (2007-2008) MÁRIO MAGALHÃES – Principal polêmica: Discordou da decisão do jornal de não mais divulgar na internet as críticas diárias que o ombudsman faz ao jornal. Por causa do impasse, seu mandato não foi renovado. O jornal argumentou que a crítica vinha sendo utilizada pela concorrência.
>> (2008-2010) CARLOS EDUARDO L. DA SILVA – Principal polêmica: Criticou a reportagem que divulgou uma suposta ficha criminal de Dilma Rousseff da época da ditadura militar. O jornal reconheceu os erros no texto “Autenticidade da ficha de Dilma não é provada”, mas o ombudsman julgou a correção insuficiente.
>> (2010-2014) SUZANA SINGER – Principal polêmica: Afirmou que o jornal corria o risco de reproduzir a “polarização estéril” da internet ao contratar Demétrio Magnoli e o “rottweiler” Reinaldo Azevedo. Demétrio chamou-a de “censora de opinião” e pediu que ela recuperasse “a compostura”.
>> (2014-) VERA GUIMARÃES MARTINS – Principal polêmica: Tem criticado a cobertura da eleição presidencial. Contestou os critérios usados no cálculo da variação patrimonial dos candidatos e o excesso de reportagens sobre Marina. A direção do jornal retrucou que o tratamento dado aos candidatos é o mesmo.