Janio de Freitas ensina que um jornal tem todo o direito de tomar partido, o que ele não pode é se fingir de neutro.
Alguns veículos de comunicação no Brasil seguem à risca o postulado e têm publicado a sua versão do real, alinhando-se claramente a favor ou contra os que estão no comando. Já a Folha, como observa João Sayad, preferiu agir como fórum. É uma escolha acertada, a de promover a circulação de ideias, livre de partidarismo.
A liberdade de expressão tem sofrido reveses na América Latina. Seja por ações diretas do governo, ou através de mecanismos econômicos, alguns jornais enfrentam dificuldades nos países vizinhos.
A falta de uma oposição consistente, isenta da corrupção que corrói o sistema eleitoral e com representatividade no Congresso, levou a imprensa a assumir o posto. Não à toa, ela tem sido tratada como a inimiga número um do Planalto.
Na Folha, tenho encontrado opiniões divergentes, vindas de decanos, filósofos, matemáticos, artistas e jornalistas. Rogério Cezar de Cerqueira Leite choca, ao comparar a eloquência de Marina aos dons espantosos de um “idiot savant”, mas é rebatido por Marcelo Coelho, para quem a crença religiosa da candidata preocupa menos do que a sua falta de base para governar.
No primeiro caderno encontram-se articulistas do calibre de Elio Gaspari, Janio de Freitas e Clóvis Rossi, dotados de humor e gramática refinada, capazes de formar ilações que vão além do senso comum.
Gregorio Duvivier é tachado de esquerda caviar, termo eternizado por Rodrigo Constantino, e responde que muda de opinião conforme o psicotrópico. Luiz Felipe Pondé e Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony e Michel Laub, uns mais à esquerda, outros mais à direita, ou à direita da esquerda, ou à esquerda da esquerda, revezam-se democraticamente, sem que o jornal imponha uma direção ao leitor.
Hélio Schwartsman –que abriu os trabalhos do “Ombudsman por um dia” de maneira exemplar, citando Kant e a fenomenologia para explicar que a verdade não existe– levanta a lebre de que os que desejam moderar os plenos poderes do PT deveriam votar em Dilma, para que o partido não ponha a culpa da recessão inevitável na conta de terceiros.
Crítica e autocrítica
A diversidade de opiniões abranda o peso da suposta verdade que toda palavra impressa carrega.
Como leitora, e eleitora, persigo os ensaios sobre política, economia, ciência, cotidiano e até esporte. Curiosamente, e aqui vai a minha reflexão como ombudsman por um dia, a “Ilustrada” me chama a atenção quando aborda assuntos que poderiam estar em outros cadernos que não o de cultura.
Os anúncios de página inteira estampados na capa da “Ilustrada” me incomodam imensamente. Muitas vezes associei a manchete a respeito de um filme, um livro ou uma exposição às meninas moças vestidas de Prada, Gucci e Dior. Arte e consumo espremidos como uma coisa só. Um esvaziamento mercantil que traduz a encruzilhada em que vive a própria cultura.
A “Ilustrada” é eficiente na agenda, mas não faz com a parte que lhe cabe no latifúndio o mesmo que a Folha tem feito com a política, a ciência e a economia.
A coluna de TV procura barrar a hegemonia da Globo, mas discute pouco as consequências do atropelo midiático das novas tecnologias. O debate sobre a dependência geral das leis de incentivo não ultrapassa o nível do mama nas tetas, assim como não se reflete sobre a barreira que separa o popular do elitista, o famoso do anônimo, o artista do oportunista.
A crucificação do site de poesia de Maria Bethânia me pareceu emblemática. O jornal teve a força de enterrar um projeto idôneo, ao publicar o valor de captação na “Primeira Página” como se fosse escândalo, e não fez o mesmo com outras discrepâncias bem mais relevantes.
Nenhum candidato tem agenda para a cultura. Ela é dependente e descartável, quando ligada ao gosto fino da elite branca, ou assistencialista, quando voltada para as comunidades carentes. E nem eu mesma, que sou atriz e escrevo para a “Ilustrada”, tenho saídas para resolver a questão.
Fica aqui a crítica, que é também autocrítica. Como diz Oscar Wilde, toda crítica é uma autobiografia.
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Fernanda Torres, 49, é atriz e escritora. Ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes em 1986. Colunista da Folha, escreveu o romance “Fim” e o livro de crônicas “Sete Anos”