Será a luta entre as editoras tradicionais e a Amazon “o fim do mundo tal qual o conhecemos”, nas palavras da antiga música da banda REM?
Um agente literário proeminente declara que “se a Amazon não for detida, vamos enfrentar o fim da cultura literária nos Estados Unidos”. Um famoso autor menciona “censura” e diz que autores estão “desaparecendo”. Embora esta seja uma disputa comercial, ela está sendo tratada como uma batalha pela alma da cultura americana.
O pano de fundo: a Amazon quer baixar o preço dos e-books e, pelo que dizem, aumentar sua parte na receita. Uma editora de renome, a Hachette, foi de encontro a tal decisão. Em reação, a Amazon (que controla cerca de metade das vendas totais de livros nos Estados Unidos) atrasou a entrega de alguns livros publicados pela Hachette aos clientes, dificultou para que os títulos da editora fossem encontrados e parou de aceitar encomendas de pré-venda.
Muitos leitores reclamaram a mim, alegando que o The Times está demonizando a Amazon e se posicionando a favor das editoras e dos autores que as apoiam. Um escritor favorável à Amazon acusa o jornal de vomitar panfletagem e chegou a pedir por “intervenção” a um editor no Twitter. Um leitor, Michael Harris, escreveu que o The Times e David Streitfeld, repórter de tecnologia que cobre os assuntos ligados à Amazon, como membros da imprensa tradicional, “não hesitam em colocar a Amazon / [e seu fundador Jeff] Bezos em um patamar diferente do que colocam o capital tradicional / as publicações tradicionais / a grande imprensa”.
“Panfletagem” é um exagero, e Streitfeld apresentou uma argumentação sólida. Mas é verdade que o meio literário recebeu uma grande quantidade de empatia. Autores, incluindo Douglas Preston e Philip Roth, ofereceram sua fidelidade à denúncia contra a Amazon. Mas a Amazon em si (assim como os escritores que dizem que os editores tradicionais têm ignorado seu trabalho, sendo que a Amazon viabilizou o acesso deles aos leitores) é representada com menos coerência e vigor. E não ajuda o fato de a Amazon geralmente não comentar polêmicas desse tipo. (Uma exceção digna foi o artigo de Streitfeld na seção Sunday Business, publicado em 13/7/14.)
“Carta de amor”
É mais fácil encontrar defensores da Amazon e fãs fora das páginas do The Times. O escritor de tecnologia Mathew Ingram, por exemplo, escreveuque, embora a sabedoria convencional diga que a Amazon é “um monopólio agressivo e possivelmente ilegal que visa eliminar as editoras, e que o seu comportamento é ruim para os escritores, e provavelmente para os consumidores também” o oposto é verdadeiro.
“A entrada da Amazon no mercado editorial e de distribuição de livros”, diz ele, “tem sido nada senão um benefício para os consumidores — pois significou tanto preços mais baixos quanto mais opções de títulos —, e indiscutivelmente isso é bom para os autores também.”
Em alguns artigos do The Times, a posição Amazon é resumida em poucas frases, e então retorna aos temores e ataques da oposição.
Vejamos um artigo intitulado “Literary Lions Unite in Protest Over Amazon’s E-Book Tactics“ [ “Feras da Literatura se unem para protestar contra táticas de comercialização de e-books na Amazon”], manchete do caderno de negócios, o qual reproduziu a previsão do poderoso agente Andrew Wylie profetizando a morte da cultura literária, o texto relatou que muitos autores — dos quais nem todos são publicado pela Hachette — desejam que o Departamento de Justiça investigue a Amazon por táticas ilegais de monopólio. Mas a dúvida é semeada apenas ao final do texto: “Se um caso viável poderia ser montado contra a Amazon, é uma questão de debate entre os estudiosos antitruste. Um esforço anterior da Hachette para chamar a atenção dos reguladores do governo não foi a lugar nenhum.”
No artigo em questão, sua autora, Ursula K. Le Guin, ofereceu mais sobre os perigos da Amazon. “Estamos falando de censura: dificultar deliberadamente a compra de um livro, ‘desaparecer’ com determinado escritor.”
Mas Barry Eisler — que escreve best-sellers de suspense e abandonou a publicação tradicional para um negócio lucrativo com a Amazon— salienta que a remoção de botões de pré-venda e o retardo de envio de livros dificilmente equivale a “desaparecer” com um autor ou censurá-lo. Pelo contrário, diz ele, a plataforma de autopublicação da Amazon ajuda a muitos escritores, os quais de outra forma nunca conseguiriam ir de encontro ao seu público.
“É bom usar de tais citações, mas elas devem ser acompanhadas de pensamento crítico”, disse-me Eisler. “A pressão não está sendo aferida”.
Em agosto de 2014 também foi publicado um artigo na primeira páginacriticando um anúncio publicitário de página inteira da Amazon, artigo este assinado por 900 autores. Considerando que anúncios publicitários normalmente não se tornam notícia de capa, alguns comentaristas também se opuseram à aparente demissão de Streitfeld, apresentando uma petiçãoem protesto com cerca de 8 mil assinaturas. Ele a descreveu como uma “carta de amor desmedido” à Amazon.
Pedi a Streitfeld e à sua editora, Suzanne Spector, para responder às acusações. Ambos me disseram que vinham se esforçando para ser justos com ambos os lados.
Questionamento crítico
Streitfeld diz que seus textos foram guiados por um valor: noticiabilidade. Quando autores renomados se unem contra o maior vendedor de livros do país, diz ele, “simplesmente é uma ótima reportagem, ponto final”. E ele diz que 900 assinaturas deles significam muito mais do que “uma petição que qualquer pessoa pode assinar na Internet”. Tratá-los como iguais seria falsa equivalência, disse ele.
Quanto ao próprio ponto de vista, ele declarou: “Não estou do lado de ninguém. Enxergo meu papel como o de alguém responsável por abrir a discussão”.
Eis minha opinião: é importante lembrar que esta é uma história de perturbação digitais, não entre o bem e o mal. As figuras renomadas a quem o The Times deu voz na edição, embora respeitadas e renomadas, devem ter suas declarações submetidas a análise crítica, e o mesmo vale para as atitudes da Amazon. O The Times reservou muita tinta para um lado e — ao escolher a pauta, seu tom e exposição —, ajudou a retratar o varejista como um valentão matador da Literatura em vez de uma figura empresarial obstinada.
Eu gostaria de ver uma exploração menos emotiva das questões econômicas; e um questionamento mais crítico das declarações de grandes nomes do ramo editorial; além de uma representação mais maciça daqueles que consideram a Amazon uma bênção, e não uma praga, para a cultura dos amantes de livros.
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Margaret Sullivané ombudsman do jornalThe New York Times