Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Vera Guimarães Martins

Não foram só as campanhas partidárias que surfaram na onda acusatória nas eleições deste ano. A imprensa navegou como nunca na mesma maré. A busca do furo e do protagonismo jornalístico fez os veículos esgarçarem seus critérios, dando enorme publicidade a acusações que só poderão ser comprovadas no futuro. Se é que o serão.

Com a eclosão da Operação Lava Jato, que apura esquema de lavagem de dinheiro oriundo de corrupção, o jornalismo político foi alimentado por fontes anônimas que relatam declarações dadas por terceiros –no caso, dois delatores pegos com a boca na botija.

(Vale registrar uma exceção notável: a revelação da pista de pouso pavimentada pelo então governador Aécio Neves em terras de parentes, provada, documentada e noticiada pela Folha em julho.)

No mais, o resultado foram manchetes construídas com um fiapo de apuração, baseadas em vazamentos seletivos, feitos a conta-gotas. No poder há 12 anos e profundamente entranhado na Petrobras, o PT levou a pior, mas sobrou denúncia para Eduardo Campos (PSB) e Sérgio Guerra (PSDB), ambos mortos e, portanto, impedidos de se defender.

Não vou dizer que “assim é fácil”, porque sei que não é. Não quero desmerecer o esforço dos repórteres da área, que suam para apurar o conteúdo de depoimentos que deveriam ser secretos. O problema é que a natureza sigilosa da apuração dá a algumas fontes um poder enorme, que não deveria ser concedido a ninguém: o de anonimamente vazar o que lhes convém, sem obrigação de apresentar provas. Basta a presunção de que o criminoso esteja falando a verdade para não perder o prêmio da delação. É assustador.

A mais barulhenta das acusações, vazada às vésperas da votação, foi a declaração do doleiro Alberto Youssef de que Dilma e Lula tinham conhecimento do esquema de corrupção na Petrobras.

“Veja” estourou a história na capa na noite de quinta (23). No dia seguinte, Aécio usou a denúncia no horário político e no debate da TV Globo, Dilma se defendeu com veemência, e o PT foi à Justiça pedindo direito de resposta –justamente atendido, ainda que o ministro que julgou o caso tivesse atuado como advogado do partido em 2010. Para coroar, veio a pantomima da União da Juventude Socialista vandalizando a entrada da editora Abril.

Não havia como não dar. A essa altura, já pouco importava se a revelação tinha consistência ou se não passava de uma frase publicada sem muito contexto. As reações eram fatos a serem noticiados.

A Folha deu manchete para o caso no sábado (“Doleiro acusa Lula e Dilma, que fala em terror eleitoral”), depois de confirmar com duas fontes que o doleiro havia realmente feito a declaração. Atitude tecnicamente correta, mas que não livra o jornal do pecado original, a fragilidade de uma acusação baseada em declaratório sem provas.

A Secretaria de Redação não vê fragilidade e diz que o jornal publica todas as informações que considera relevantes, independentemente do calendário eleitoral.

Mas a falta de fontes claramente identificadas ajuda a fomentar novas versões, também difíceis de comprovar. “O Globo”, que deu o caso na sexta creditando a apuração à “Veja”, divulgou na terça que a frase teria sido acrescentada em novo depoimento, numa espécie de retificação solicitada pela defesa um dia depois. O advogado de Youssef nega e diz que desafia qualquer um a provar a nova convocação.

A Folha também não encontrou nenhuma fonte que confirmasse a teoria. Mais um lance numa partida de jogadores anônimos.

Traçado o cenário, ainda assim, a decisão de publicar ou não as denúncias não é fácil. Sugiro o dilema: você, leitor, publicaria, mesmo com as deficiências aqui expostas, ou preferiria abrir mão, enfrentando suspeitas de ter se omitido para beneficiar este ou aquele candidato?

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo