Esta é a coluna que eu nunca quis escrever.
Ao longo de vários meses, recebi centenas de e-mails de leitores de ambos os lados do conflito entre israelenses e palestinos queixando-se da cobertura feita pelo New York Times. E embora o e-mail seja uma forma fria de se comunicar, a fúria desses leitores praticamente fazia a tela do monitor pegar fogo.
O Times é parcial, acusam ambos os lados. Não se sabe muito bem como, a chefe da sucursal do jornal em Jerusalém, Jodi Rudoren, é – na visão desses críticos – ferozmente anti-israelense e uma ferramenta do governo de Israel.
Há uma organização, Camera, que paga por um enormecartaz do outro lado da rua do prédio do Times para acusar o jornal de atacar constantemente Israel. E websites pró-palestinos, como The Electronic Intifada, chegaram a divulgar, em detalhes, a maneira pela qual – segundo eles – o Times deixa de fazer justiça a um povo proscrito. Muitos leitores me puniram por não ter aderido à luta, representando sua posição. Procurei uma maneira de escrever alguma coisa útil e produtiva, em meio a toda essa emoção e crítica, mas – até agora – fui adiando.
Porém, com a sangrenta guerra que ocorreu [nos últimos meses] na Faixa de Gaza e suas consequências, assim como o terrível ataque a uma sinagoga em Jerusalém na semana passada [18/11], as posições parecem mais consolidadas do que nunca e as críticas ao Times, mais duras do que nunca. Senti-me na obrigação de abordar algumas das questões de que mais ouvi falar, de consultar um editor responsável do Times e de fazer algumas recomendações. (Esta coluna é restrita à cobertura jornalística e não leva em consideração opiniões como os editoriais e as colunas da seção de Opinião.)
Um “retrato profundamente desonesto”
Uma das acusações mais frequentes, de ambos os lados, é de que o contexto é insuficiente em relação à cobertura jornalística. Por exemplo, Yumi Schleifer escreveu-me para protestar contra uma ilustração de página inteira dos alvos em Gaza atingidos pela artilharia israelense, denunciando uma atitude “claramente destinada a mostrar Israel como o vilão”. O leitor queixava-se da ausência de uma “ilustração mostrando as áreas populacionais em Israel atingidas pelo Hamas, assim como os numerosos assentamentos israelenses que foram atingidos por mísseis e morteiros ao longo de muitos anos”, ou mostrando as forças militares do Hamas, suas armas, seus túneis.
Sylvie Horvath reclamou de uma atitude anti-israelense na frase seguinte, devido à falta de contexto: “É o ataque de Israel à Faixa de Gaza que está provocando a grande maioria da carnificina no conflito, inclusive a morte de 42 soldados do lado de Israel.” Segundo ela, uma construção mais justa teria incluído a frase “devido aos contínuos mísseis disparados pelo Hamas sobre comunidades pacíficas israelenses”.
Para alguns leitores, também falta o contexto histórico. Argumentam que o jornal deveria destacar, por exemplo, que Israel é a única democracia no Oriente Médio, como gostam de descrever, e está cercado por países hostis na região. Uma leitora, Stella Teger, denunciou que Israel é sempre mostrado, injustamente, como o agressor: “Qual foi o lado que jurou aniquilar o outro?”
Leila Walsh, de Jersey City, tem uma versão do mesmo problema, mas da direção oposta. Ela destaca a insuficiência, por parte do Times, “em explicar o contexto básico da questão de Gaza” e queixa-se de um “retrato profundamente desonesto de simetria entre o sofrimento e a vitimização que esconde a realidade e ofusca os crimes de guerra de Israel e a cumplicidade norte-americana”.
Os repórteres que cobrem as matérias
Muitos leitores dizem-me que acham ofensivo o Times publicar fotografias que parecem equiparar acontecimentos desiguais, como se o jornal tivesse medo de simplesmente divulgar a notícia sem um esforço de equilíbrio. Perguntei a Joseph Kahn, editor de notícias internacionais, o que achava dessa queixa.
“Ouço essa crítica muitas vezes”, disse ele. Porém, afirmou, por trás dela há “pessoas que são muito bem informadas e prontas para desconstruir nossas matérias com base em seus conhecimentos”. Segundo ele, o Times não recebe esse tipo de queixa dos leitores que querem simplesmente compreender a situação. “Querem que sejamos partidários. E nós não somos partidários. Decididamente, não somos.” Segundo ele, se for o caso de contar toda a história do conflito partindo de uma opinião partidária, “nós erramos o tempo todo”.
Até algo aparentemente objetivo, como o número de mortos, pode tornar-se polêmico, como ocorreu com o gráfico permanentemente atualizado do verão passado, que parecia equiparar os mísseis lançados de Gaza – que pouco afetaram Israel – com os ataques feitos por Israel em Gaza, de efeito devastador. Patrick Connors escreveu, no site Mondoweiss: “A amostra destes números, que implica uma quase paridade, insinua um esforço desesperado do New York Times para fornecer uma contrapartida aos únicos outros números no artigo ‘Os números em Gaza e Israel’ [The Toll in Gaza and Israel], que mostram uma disparidade assombrosa entre o número de mortes de palestinos e israelenses.” Em relação a esse ponto de simetria, Joseph Khan disse que é verdade que os editores do Times ficaram sensibilizados pelas queixas de que só mostram o sofrimento dos palestinos e, às vezes, fazem um esforço para equilibrá-lo. “Em parte, isso resulta de décadas de um escrutínio muito intenso de ambos os lados”, disse ele. Ele reconheceu que “uma linha de crítica separada” poderia resultar em tentar representar ambos os lados visualmente ou de outras maneiras. E não vê problema algum nisso: “Ao omitirmos a simetria, não fazemos necessariamente um desserviço ao leitor.”
Um outro tema sobre o qual ouço dizer que o Times é parcial refere-se aos repórteres que cobrem as matérias. Esse é um assunto que já foi abordado por meus antecessores. Um deles, Daniel Okrent, queria um repórter que ficasse na Cisjordânia, para se contrapor ao que considerava uma cobertura centrada em Israel, feita pela sucursal do jornal em Jerusalém e suas equipes, mergulhadas na vida israelense. Outro, Clark Hoyt, pediu que o antecessor de Jodi Rudoren na chefia da sucursal, Ethan Bronner, fosse substituído porque seu filho se alistara no Exército israelense, o que para Hoyt parecia um conflito de interesses. (Os editores do Times não acataram nenhuma dessas recomendações.)
Israel é um dos mais importantes aliados dos EUA
A questão de quem cobre o Oriente Médio pode ser espinhosa para o Times. Alguns leitores se opuseram à contratação de Fares Akram pelo Times como colaborador porque ele já teve uma foto de Yasser Arafat em seu perfil no Facebook. (Akram deixou o Times e atualmente trabalha para a Associated Press.) Outros leitores opuseram-se a algumas das atividades da família de Isabel Kershner, que é contratada pelo jornal e cujo filho começou seu treinamento no Exército israelense e cujo marido já trabalhou para um think tank israelense.
Anos atrás, o jornal fazia o que podia para não contratar judeus para sua equipe na sucursal de Jerusalém; oportunamente, isso deixou de ser o caso há décadas. No momento, o Times não tem pessoas de língua materna árabe na sucursal. Isso é uma deficiência – e Joseph Kahn está tentando resolvê-la.
Depois há outra questão: estaria o Times, e outras organizações jornalísticas, simplesmente exagerando em relação ao conflito? Matti Friedman, ex-correspondente da Associated Press em Israel, discutiu essa ideia em profundidade num artigo para a revista Tablet, em agosto. Disse que os principais jornais dão demasiada atenção a Israel devido a “uma obsessão hostil com judeus” e que o fazem com uma narrativa inalterável e injusta. “Israel não é uma ideia, um símbolo do bem ou do mal, ou uma prova decisiva para opiniões liberais em jantares sociais”, escreveu. “É um pequeno país situado num lugar assustador do mundo que está ficando cada vez mais assustador.”
Por que o Times dá tanto destaque a Israel, em particular ao conflito com os palestinos, quando há tantos lugares perigosos e tanta carnificina no mundo?
Um dos motivos, com certeza, é que Israel é um dos mais importantes aliados dos Estados Unidos – ao qual estes forneceram no ano passado 3 bilhões de dólares [cerca de R$ 7,8 bilhões] em ajuda militar – e suas atividades são de grande interesse dos leitores do Times. Nem toda a atenção dada pelo jornal a Israel trata, ou deveria tratar, do conflito com os palestinos.
Acusações de parcialidade vêm de ambos os lados
“Não acho que a cobertura do assunto seja exagerada”, disse-me Joseph Kahn quando lhe perguntei sobre essa crítica. “Acompanhamos a ampla experiência que temos sobre aquilo a que as pessoas prestam atenção. Cobrimos aquilo que é de maior relevância para nossos leitores e para a situação internacional. Não estamos tentando jogar isso na cara das pessoas. Estamos refletindo o profundo interesse que existe na questão.”
Não é incomum que leitores critiquem aspectos da mesma matéria a partir de pontos de vista distintos. Por exemplo, um dos mais importantes artigos sobre a guerra em Gaza foi a respeito dos quatro meninos palestinos mortos na praia por bombas israelenses. Muitos leitores criticaram a mudança feita na manchete do artigo, de uma abordagem dura, na primeira versão, online, para uma muito mais branda – algumas pessoas disseram “eufemística” – na matéria impressa. A primeira versão dizia: “Quatro meninos são mortos enquanto brincavam na praia de Gaza”; foi mudada para: “Meninos são levados à praia de Gaza e para o centro do conflito do Oriente Médio”.
Uma leitora, Daire MacFadden, acusou o Times de tentar amenizar a atrocidade com a mudança do título: “Como se os fatos desta tragédia não fossem suficientemente tristes, a aparente subserviência que o Times mostrou esta noite me levou ao desespero com o estado das coisas.” Na ocasião, o editor-executivo, Dean Baquet, disse-me que a mudança foi coisa de rotina, à medida que a matéria foi se desenvolvendo e ficando pronta para a edição impressa, onde saiu na primeira página.
Outros leitores se opuseram ao destaque dado ao artigo e às fotos que o acompanhavam. Segundo eles, o Times tentava, uma vez mais, despertar pena dos palestinos. Num comentário – não a esse artigo, mas a outros do mesmo tipo –, o leitor David Bortnicker acusou o Times de ser “um veículo de propaganda do Hamas”.
O que podem fazer os editores e repórteres do Times numa situação em que tantos leitores desconfiam de seus motivos e de seus esforços e na qual acusações de parcialidade e gritos de “Vergonha!” vêm implacavelmente de ambos os lados?
Algumas recomendações
Não acredito na ideia de que se ambos os lados estão angustiados, então o Times deve estar fazendo a coisa certa. Neste caso, isso seria conveniente, mas um jornalismo saudável não é uma questão de se conformar.
Minha impressão pessoal é que o Times faz o que pode para ser justo em sua cobertura e, de uma maneira geral, consegue. O jornal tem uma visão do mundo subjacente à sua cobertura? Sim, a cobertura parece refletir as convicções básicas de que Israel tem o direito de existir e os palestinos merecem seu próprio Estado.
No que se refere à apresentação do tema, ficaria o Times aquém da informação justa em artigos individuais? Com certeza. Na semana passada, por exemplo, uma manchete sobre um menino palestino que foi baleado chamava-o, simplesmente, de “palestino”; não é uma inverdade, mas o jornal deixou de dar um elemento importante para a matéria: a vítima, que foi gravemente ferida, tinha 10 anos de idade.
Embora seja sólida e muitas vezes excelente, a cobertura e o tratamento dado a este tema pleno de tensão pode ser melhorada. Eis aqui algumas recomendações:
1. Uma abrangência maior. Que seja proporcionado o maior contexto histórico e geopolítico possível em artigos individuais nos limites restritos da cobertura jornalística. Que se abranja também, sempre que possível, uma compreensão da região – por exemplo, que a ascensão do Islã radical não é uma questão distante para Israel, mas muito concreta e muito local.
2. Um compromisso maior. Trata-se de encontrar maneiras de ser transparente e direto com os leitores quanto à missão do Times de cobrir esta área. Na edição online do jornal, uma versão do AMA (Ask Me Anything) do Reddit – em que o público pode fazer perguntas para que os autores e editores respondam – poderia ser útil. Isto também poderia ser uma maneira para que os jornalistas possam estar no front com os leitores conhecendo seus antecedentes, divulgando possíveis conflitos de interesse e discutindo a forma pela qual lidariam com os problemas se fossem repórteres ou editores. É importante que os leitores e os críticos saibam que os jornalistas do Times são pessoas sérias, inteligentes e solícitas. E eu poderia divulgar em meu blog um espaço para perguntas e respostas com membros da equipe do Times, da mesma forma que uma vez publiquei a opinião do gestor de comunidades do jornal sobre comentários online. (Tenho consciência de que isso poderia jogar lenha na fogueira.)
3. Diversidade. Fortalecer a cobertura dos palestinos. Eles são mais do que apenas vítimas e suas crenças e governo merecem mais cobertura e um exame mais profundo. Avaliações realistas do que se ensina nas escolas e da maneira pela qual opera o Hamas fariam parte disso. Qual é a ideologia do Hamas? Quais são suas principais crenças e seus princípios operacionais? Como é o dia-a-dia da vida de um palestino? Nunca vi muito sobre isso no Times. Deveria haver na equipe alguém de língua materna árabe capaz de penetrar na sociedade palestina com uma opinião jornalística compreensiva e forte. Achei que a ideia de Daniel Okrent de uma sucursal em Ramallah era boa, mas Joseph Kahn disse-me que, devido a problemas práticos e de despesas, ainda é improvável. Sem isso, a questão da diversidade torna-se um componente ainda mais importante da justiça.
4. Acabar com a busca pela simetria. Nas manchetes, nas fotos lado-a-lado e nas galerias de fotos, às vezes parece que o Times está apavorado. Talvez seja um excesso de sensibilidade, porém isso não reflete o principal valor da opinião jornalística.
O Times nunca irá satisfazer todo mundo com sua cobertura do conflito entre israelenses e palestinos – assim como eu não tenho como satisfazer todo mundo (ou mesmo alguém) com esta coluna. Mas o objetivo não deveria ser esse.
Com a situação tão polarizada e sem a perspectiva visível de uma solução pacífica, tudo o que os jornalistas do Times podem fazer é trabalhar da maneira mais justa e sensata possível, tanto na cobertura quanto num compromisso honesto e aberto com seus leitores.
(Agradeço a ajuda que me deram Jonah Bromwich e Joumana Khatib na pesquisa para preparar esta coluna.)
******
Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times