O jornal deve publicar o aumento da conta de água com o mesmo destaque dado à mordida do IPTU?
Na terça-feira (25), o parentesco nobre fez um desconhecido virar manchete: “Irmão de ex-ministro das Cidades se entrega à PF”. O personagem era Adarico Negromonte Filho, acusado de envolvimento em fraudes da Operação Lava Jato, que investiga corrupção na Petrobras. É irmão de Mário Negromonte, que foi titular da pasta entre janeiro de 2011 e fevereiro de 2012.
Na sexta (28), outros dois irmãos de uma autoridade do primeiro escalão federal tiveram pedido de prisão decretada, mas a notícia rendeu uma notinha seca, em letra pequena, no pé da “Primeira Página” (e bota pé nisso). O título banal, “PF acusa irmãos de ministro da Agricultura de fraude agrária”, acabou minimizando a gravidade da notícia e a similitude dos dois casos.
O ministro, Neri Geller, está em pleno exercício do cargo. Odair e Milton Geller também foram apanhados no contexto de uma operação da PF, a Terra Prometida, que apura esquema de grilagem de terras reservadas à reforma agrária.
O tratamento desigual conferido a histórias com características tão semelhantes se refletia na cobertura interna. Negromonte foi a principal reportagem de “Poder”, ocupando toda a página A4. Os Geller saíram em texto pequeno, no pé da A6. Por que edições tão diferentes?
Erro de avaliação do jornal, reconhece a Secretaria de Redação. Um esquema que toma terras de pequenos agricultores e do qual supostamente fazem parte irmãos do ministro do setor, funcionários do Incra, empresários e fazendeiros certamente merecia maior destaque.
Outro aspecto chamou a atenção. Negromonte é do PP, e Geller, do PMDB. Em nenhuma das notícias, suas filiações partidárias foram destacadas em título ou subtítulo. O lapso seria possível se fossem do PT ou do PSDB? Parte do leitorado dirá que sim, mas vai se dividir quanto à legenda, apontando direções opostas. Eu acho que não.
Contestações e acusações de parcialidade na edição são a maior fonte de reclamações enviadas à ombudsman, mas nenhum leitor se manifestou sobre a exposição desequilibrada que beneficiou o ministro peemedebista. Nem reclamou da falta de destaque, que poupou as duas legendas do desgaste.
Não chega a surpreender. Noticiário desfavorável para siglas que fujam da dobradinha PT-PSDB tem muito menos apelo midiático, e não só para jornais/jornalistas mas também para aquela parcela do leitorado sempre pronta a apontar desnível em notícias que envolvem os dois pivôs do cenário político. O flá-flu deixa todos os lados mais atentos.
Quando tucanos e petistas estão no jogo, as coisas mudam de figura. “Gostaria de entender por que a Folha não dá ao aumento da Sabesp o mesmo tratamento dedicado ao IPTU. Somente aqueles relacionados ao PT merecem o devido destaque?”, escreveu um leitor.
Aqui a cobrança é indevida. Dar às duas notícias o mesmo destaque seria tratar igualmente assuntos com pesos diferentes.
A conta de água subiu 6,5%, índice que segue o diapasão inflacionário. O aumento do IPTU será variável, mas bem mais expressivo: até 15% para residências e até 30% para imóveis comerciais em 2015. Além disso, vai se repetir em 2016 e 2017, com tetos menores (até 10% e até 15%, respectivamente).
Sem juízo de valor e acima de picuinhas partidárias, é indiscutível que esses aumentos reais e sucessivos terão muito mais impacto no bolso dos paulistanos.
Pode-se argumentar que a política da prefeitura é correta, porque houve valorização imobiliária significativa nos últimos anos, e o imposto não sobe desde 2009 –e isso também é irrefutável.
Pode-se arguir que a medida vai promover maior justiça fiscal, porque a taxação será mais onerosa para os imóveis mais caros, outra tese defensável, mas a ser conferida quando chegarem os carnês.
Essas premissas podem até justificar política e administrativamente a mordida mais forte, mas o critério jornalístico deve buscar o interesse do leitorado, incluindo a maioria silenciosa que paga a conta. Para essa, o IPTU é mais notícia.
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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo