Quando Helene Cooper, correspondente do Times no Pentágono, fez uma recente viagem de trabalho à Libéria, ela sentia-se razoavelmente preparada para avaliar os efeitos do vírus ebola no país da África Ocidental onde cresceu. “Achava que estava preparada”, lembrou quando falamos por telefone na semana passada. “Já cobri guerras e você se prepara com um escudo emocional.”
Mas quando Helene Cooper teve que enfrentar a chegada de um menino de nove anos de idade, numa ambulância, a uma unidade de triagem na Libéria – e quando ouviu a equipe médica perguntar ao menino quantas pessoas da casa onde morava já haviam morrido –, o tal escudo não serviu para nada. A criança já havia perdido a mãe e o pai para a doença implacável e ela própria estava nitidamente morrendo. “Foi aí que eu o perdi”, disse ela.
Este é o sexto mês em que o Times vem cobrindo a propagação do ebola. Veja aqui uma prova da intensidade do esforço: desde o mês de julho, foram publicadas mais de 70 matérias de primeira página sobre o ebola, com créditos de quase três dúzias de jornalistas do Times. Ao longo do ano, o jornal produziu mais de 350 artigos sobre o ebola. “É como se a mobilização fosse para cobrir uma guerra – a urgência, a amplitude, o número de mortos e a coordenação necessária”, disse Greg Winter, editor da página internacional que trata de matérias da África. Ele disse que também poderia comparar a experiência à de um desastre natural, como um tsunami, mas com uma diferença importante. “Quando é um desastre natural, ele destrói e depois vai se acalmando. Neste caso, ele continua destruindo.”
Abrangência da cobertura
A cobertura também é incomum na medida em que tantos setores do Times foram envolvidos – editorias de mundo, de administração, cidade, nacional, ciência, seções investigativas e a sucursal de Washington. Há também um componente importante que é o gráfico Ebola Facts, frequentemente atualizado; até agora, já acumulou 3,8 milhões de visitas à página. Há ainda o blog Well, combinado com redes sociais, que tem atendido questões e receios dos leitores num sistema de perguntas e respostas em tempo real.
Venho acompanhando o assunto com interesse desde que apareceram as primeiras matérias importantes, no dia 27 de julho. Adam Nossiter enviou da Guiné a reportagem sobre a propagação da doença, que na ocasião já matara 600 pessoas (atualmente, o número é de mais de 6 mil). Foi uma de quatro matérias publicadas na primeira página antes que a Organização Mundial da Saúde declarasse o surto uma emergência internacional.
Como disse Helene Cooper: “Começamos cedo e não paramos mais.”
Achei que os leitores do Times poderiam gostar de conhecer os bastidores daquilo que é necessário para acompanhar, e continuar acompanhando, uma matéria como esta. O jornal utilizou seus incríveis recursos – uma grande equipe, a competência e a experiência na África com questões globais de saúde, assim como a disposição de gastar e continuar gastando – para cobrir o vírus para onde quer que ele vá.
É evidente que o Times não está sozinho nesse esforço; agências de notícias e outras grandes organizações jornalísticas também fizeram um excelente trabalho, mas a abrangência da cobertura feita pelo Times vem sendo notável. Embora alguns leitores tenham se queixado, dizendo que às vezes o Times se deixou levar pela histeria da mídia sobre o ebola, não vi muito disso.
O lado humano da história
É claro que é uma cobertura extraordinariamente cara, tanto em termos de dinheiro quanto de recursos humanos. Os jornalistas do Times vêm entrando e saindo sem parar das regiões infestadas pelo vírus, na África Ocidental – entre eles, Adam Nossiter e seus colegas repórteres Norimitsu Onishi, Sheri Fink e Jeffrey Gettleman, assim como os fotógrafos Samuel Aranda e Daniel Berehulak. Os vídeos de Ben C. Solomon puseram os leitores em cena. Em Nova York, outros repórteres, inclusive os veteranos jornalistas Denise Grady e Donald McNeil, vêm cobrindo intensamente o vírus ebola há meses.
Surgiram alguns desafios sérios e as preocupações com segurança passaram a ser prioritárias. Os editores do Times têm médicos em plantão permanente para os jornalistas que estão na zona do ebola, assim como planos para uma evacuação de emergência, caso algum membro da equipe adoeça. Os jornalistas do Times tornaram-se especialistas, por necessidade, no uso de dispositivos de proteção no trabalho, assim como no monitoramento de sintomas, em seguida.
Celia Dugger – subeditora de Ciência cujos antecedentes como repórter de saúde global e como correspondente do Times na África do Sul representaram uma boa preparação para ajudar na cobertura – ficou impressionada com um aspecto desta história dramática. “É o raro caso em que uma pauta envolvendo o povo mais pobre da Terra fica em primeiro plano em todo o mundo”, disse-me. O papel do Times, para ela, “é tentar contar a história em todas as suas dimensões e conseguir informações precisas”. Para ela, isso não é fácil “numa atmosfera de medo, angústia e desinformação”.
Porém, talvez o mais importante para o jornal seja contar o lado humano da história e isso poucas vezes foi tão comovente como numa matéria de Norimitsu Onishi, no mês passado, sobre uma família liberiana destruída pela doença. Daniel Berehulak trouxe a dor e o luto da família em fotografias que seu editor, David Furst, considerou “devastadoras”.
Este é um momento na história do jornalismo em que muitas das organizações jornalísticas tradicionais vêm sendo forçadas a cortar despesas e mudar de rumo. Na semana passada, muitos dos jornalistas mais respeitados do Times disseram que estavam aceitando planos de demissão voluntária e deixando o jornal, que ainda poderá demitir mais pessoas. Em meio a essa realidade, a cobertura do vírus ebola merece ser reconhecida como um notável exemplo daquilo que o Times deve preservar à medida que segue em frente.
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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times