Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O delicado limite entre notícia e opinião

Rachel Swarns se sente à vontade para usar a palavra “eu” em sua coluna semanal, The Working Life. Porém, como repórter veterana que fez a transição para colunista há cerca de um ano, prefere contar as histórias de outras pessoas, e não suas.

A maior resposta que recebeu por parte dos leitores desde que sua coluna começou, disse-me ela, foi depois que escreveu sobre uma mulher que trabalhava em três armazéns da Dunkin’ Donuts, no norte do estado de Nova Jérsei, e morreu em seu carro, aparentemente enquanto cochilava. “Não era sobre mim – retratava uma vida de trabalho de uma maneira que comoveu uma porção de gente”, disse-me Rachel Swarns.

A maneira pela qual os colunistas deveriam fazer seu trabalho, assim como o quanto de suas opiniões pessoais – inclusive o uso da primeira pessoa – deve constar das páginas de notícias é um tópico muito discutido no Times. Também é algo que ouço dos leitores, inclusive de alguns que não gostam de encontrar opiniões quando pensam que irão encontrar apenas notícias.

Paul Marx, de Towson, estado de Maryland, diz o seguinte: “Os leitores esperam que as opiniões estejam nas páginas editoriais e de opinião. Eles não esperam que um jornal que é um paradigma de jornalismo de primeira categoria permita que opiniões se misturem com reportagens.”

Andrew Rosenthal, responsável pelas páginas de opinião do Times – o que inclui editoriais escritos pela equipe do jornal, os textos dos colunistas, como Thomas Friedman e Gail Collins, e contribuições enviadas para as páginas editoriais e de opinião –, acha que deveria haver uma separação mais cuidadosa entre notícia e opinião. “Acho que se ultrapassa uma linha importante quando surgem nas páginas do noticiário textos na primeira pessoa, opiniões claras ou defesa de valores, tanto no jornal impresso quanto online”, disse ele. “E isso às vezes acontece.”

O mundo online apresenta novos desafios

E parece acontecer cada vez mais, ultimamente. O uso da primeira pessoa não é incomum e os colunistas oferecem suas opiniões constantemente. Mesmo as matérias jornalísticas às vezes incluem “vozes” estranhas, como numa frase de abertura de uma matéria sobre um tigre siberiano: “Viril, astuto e com um apetite infindável para carne vermelha, Kuzya, um tigre siberiano de 23 meses, poderia ser considerado a mascote perfeita para o presidente Vladimir V. Putin.” Michael O’Reilly, de Manila, escreveu-me sobre o assunto. “Este tipo de lead divertido poderia funcionar bem na seção de entretenimento”, disse, “mas no meio de uma notícia parece fora de lugar.”

Os editores de primeiro escalão do Times disseram-me que, na realidade, às vezes há espaço para “sugestões”, personalidades e mesmo para opinião nas páginas de notícias. E, segundo eles, nada há de novo nisso. Colunistas da área metropolitana e de esportes vêm dando suas opiniões há anos; as resenhas de arte estão repletas de opiniões; os textos de análise do noticiário sintetizam e tiram conclusões implícitas; e as matérias escritas na primeira pessoa – como um artigo de primeira página enviado de Havana por William Neuman – juntam-se a tudo isso. “Acreditamos energicamente numa linha que separa nossa redação de nossa opinião”, disse Susan Chira, subeditora-executiva. (A ideia por trás dessa separação é de que as posições editoriais do jornal e as opiniões de seus colunistas não deveriam influenciar as matérias jornalísticas, que deveriam ser escritas de modo imparcial.) Susan Chira estabelece uma diferença entre uma “sugestão”, que seria aceitável numa matéria ou numa coluna, e a defesa de uma posição, que seria ir longe demais. Essa diferença pode ser difícil de precisar ou de legislar, disse ela, mas, parafraseando as famosas palavras de um juiz da Suprema Corte sobre pornografia, “sei o que é quando vejo”.

O mundo do jornalismo online, que é a forma pela qual cada vez mais leitores acham artigos do Times, apresenta novos desafios, principalmente na maneira pela qual são catalogadas ou apresentadas matérias opinativas. As velhas maneiras de identificar um texto como uma coluna, inclusive com o uso de logotipos como “Big City” ou “The Working Life”, assim como dicas tipográficas, podem ter funcionado bem – ou talvez não – nos jornais impressos, mas certamente perderam sua eficácia no mundo digital.

No mundo da leitura digital o “comentário” é necessário

Este assunto veio à tona recentemente quando muitos leitores ficaram consternados com uma coluna “Sports of The Times” sobre uma acusação de estupro contra o jogador de futebol americano Jameis Winston, do time da Universidade da Flórida. Para alguns deles, parecia tratar-se de uma matéria jornalística (e realmente continha informações que não haviam sido relatadas antes na reportagem do Times) até tornar-se um texto energicamente opinativo. “Há uma necessidade muito legítima de que decifremos como um comentário aparece online”, disse Tom Bodkin, diretor criativo do jornal. “Temos que melhorar esse tipo de trabalho.” Segundo ele, a coluna sobre o jogador sugere que isso deverá ocorrer em breve.

Agora, quando repórteres e editores saíram de trás de suas máscaras para assumir personalidades nas redes sociais, essas distinções podem parecer sem sentido. Não acho que sejam. Na medida em que o Times luta para apresentar as notícias de maneira imparcial, ele deve proteger sua reputação por fazê-lo.

Sim, há um espaço para comentários, para opiniões críticas, para análise e interpretação. Na realidade, isso é parte do rico menu que o Times apresenta, ainda mais importante neste momento em que há tantas fontes para notícias de última hora. O uso da primeira pessoa pode ter seu espaço, como teve recentemente no blog de Tara Parker-Pope, ou em colunas pessoais.

Mas os leitores deveriam saber o que recebem. Não deveriam se sentir confusos – ou enganados – quando subitamente aparece uma opinião naquilo que eles julgavam ser apenas uma notícia. No mundo desagregado da leitura digital, onde os leitores encontram matérias sem o contexto da página de jornal, algum tipo de “comentário” não é apenas útil. É necessário.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times