Na segunda-feira passada, dia 2, O POVO publicou matéria, na página 2, Cotidiano, com séria denúncia do drama vivido por pacientes no setor de emergência do Hospital Geral de Fortaleza (HGF). De acordo com a narrativa, foram 10 horas passadas dentro da unidade. A matéria está sem assinatura e não esclarece como a equipe entrou no local. Dos personagens com histórias contadas, apenas duas são identificadas. A leitura do texto remete à questão: até que ponto o repórter pode realizar o seu trabalho, sem se identificar?
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no seu artigo 11, diz que o jornalista não pode divulgar informações “obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”. Saber quando usar o anonimato suscita dúvidas no jornalismo, por isso merece, mais uma vez, ser motivo de debate.
Relevância do assunto
Consultei três ex-ombudsman do O POVO e o editor-executivo do Núcleo Cotidiano, Érico Firmo, sobre a questão. O diretor institucional do O POVO, Plínio Bortolotti, ombudsman por três mandatos (2005/2007) defende que o preceito básico é o jornalista identificar-se quando estiver trabalhando. “Excepcionalmente, ele pode usar outros recursos, como omitir a identificação ou utilizar câmera oculta; isto é, quando o assunto for de relevante interesse público e não houver outro meio de conseguir a informação”.
A jornalista Márcia Gurgel, ombudsman no ano de 1996, concorda com Plínio Bortolotti e também admite o anonimato em casos especiais. “Em princípio, acho que o jornalista deve, sim, identificar-se para obter a informação necessária. Como tudo tem exceção, também entendo – e a TV é mestra em adotar esse tipo de expediente, da câmera oculta, com bons resultados – não descarto a possibilidade de que o jornalista de impresso também o faça, mas, somente, quando a fonte tentar falsear a verdade. Há ocasiões em que o jornalista não consegue mesmo a informação, seja porque a fonte é escorregadia, porque alega ‘ordens superiores’ ou porque tem a perder contando a verdade. No caso do HGF, estranhei a não identificação do repórter e do fotógrafo (provavelmente, um só). Achei o expediente desnecessário. O jornal erra mais do que acerta quando o seu repórter adota o anonimato”.
Já a jornalista Rita Célia Faheina, ombudsman no ano 2009, pondera que a matéria deveria explicar como o repórter ou a repórter conseguiu entrar no hospital para acompanhar o plantão. E diz ser contra o jornalista conseguir informações sem se identificar: “Não sei se é porque nunca tive medo de assinar o que escrevi, embora tenha sido processada por matérias de denúncias, discordo dos ‘repórteres secretos’ do tipo que a TV Globo criou para tentar responder: ‘Onde está o dinheiro que estava aqui?’ Série do programa “Fantástico”.
Por sua vez, Érico Firmo, explicou que o repórter não se identificou, porque, de outro modo, não teria entrada autorizada. “Diante do interesse público em retratar aquela realidade, no momento em que a unidade atravessa, durante a madrugada – que é o rush -, julgamos pertinente que entrasse lá. E o método possibilitou que não houvesse nenhuma ‘maquiagem’ ou interferência no que o ambiente de fato é, o que não seria possível se agendássemos a ida pelos canais oficiais”.
Interesse público
Ter acesso à informação de relevante interesse público é um direito de todo cidadão. Contar o drama de quem busca atendimento no Sistema Único de Saúde é dever dos jornalistas. O cearense precisa saber como se encontram os pacientes internados na emergência do HGF e tomar conhecimento do sofrimento e angústias dos usuários da rede hospitalar. As dificuldades para se conseguir estas informações são muitas. Em oito anos que passei como editora-executiva do Núcleo Cotidiano, em raros momentos, foi possível contar esse tipo de história por meios oficiais. Que o gestor queira mostrar aquilo que é positivo no trabalho dele é perfeitamente compreensível e deve também ser divulgado. Mas, a imprensa, de uma maneira geral, precisa encontrar meios para retratar o mal feito na saúde, mesmo que em algumas ocasiões seja necessário o repórter apurar a matéria sem se identificar. O que não se deve é constranger os pacientes. Além disso, é essencial que o texto explique para o leitor como e em que circunstância ocorreu a apuração do fato.
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Tânia Alvesé ombudsman do jornalO Povo