“Decepção é a palavra que melhor expressa meu sentimento quando abro ‘Esporte’. Já passou da hora de reformular o caderno. Comecem mudando o nome do singular para o plural. Há tantas atrações interessantes e que gostamos de acompanhar no Brasil e no mundo”, escreveu Guilherme Cortezi Buccironi.
O leitor Alexandre Vasconcellos partiu para o dedo no olho: “O caderno é tão incompleto que deveria ser estudada a sua extinção”. Entra Carlos Dranger, para finalizar o ataque: “É um absurdo a baixa qualidade, é só futebol! Por que tanto menosprezo pelos outros esportes?”.
Não é de hoje o incômodo de parte do leitorado com o predomínio do futebol na cobertura esportiva. Nem é privilégio deste jornal; as queixas são velhas conhecidas nas Redações em geral. Se hoje viraram tema desta coluna é porque, por alguma razão, vêm se tornando mais frequentes nos últimos meses.
O caldo da insatisfação pode ter sido engrossado pelo efeito rebote da desilusão pós-Copa ou pela proximidade da Olimpíada de 2016, que adiciona dezenas de modalidades ao foco do leitorado. Só isso, porém, não explica as queixas.
Os leitores têm razão quando apontam muitas lacunas na cobertura de “Esporte”, mas não sei se, dadas as atuais condições, o cenário poderia ser diferente. Na maioria dos dias, o caderno circula com quatro páginas, espaço nem de longe suficiente para dar vazão a um noticiário crescente e cada vez mais diversificado. Nas edições de fim de semana, é comum que o caderno do concorrente circule com o dobro das páginas do da Folha.
Na escassez, a editoria faz jornalismo de ocasião: cobre o surfe quando um brasileiro se cacifa para disputar o título, ou confere destaque à judoca, até então praticamente desconhecida pelo leitor, quando ela fatura uma medalha. Vôlei, o segundo esporte coletivo mais popular no país, aparece pouco, menos até que a natação.
Parte do muito que não cabe no papel vai para o site; parte nem ali, porque, se a internet não tem problemas de espaço, a produção de conteúdo ainda necessita de braços.
Outra razão explica a defasagem criticada. Internet e canais esportivos a cabo ajudaram a popularizar eventos e modalidades que há alguns anos passavam longe do radar local, caso dos campeonatos de futebol europeu, futebol americano, MMA e esportes radicais. No impresso, essa efervescência veio na contramão do encolhimento dos cadernos de esportes –logo eles, que sempre funcionaram como a porta de entrada para o leitor mais jovem.
Na última pesquisa do “Perfil do Leitor” da Folha, em 2011, um quarto dos entrevistados de até 22 anos disseram começar por ele a leitura do jornal. O índice só perde para a “Primeira Página” (38%) e ganha com folga do terceiro lugar, “Poder”, com 11%. Nada indica que o interesse tenha caído. No site, se consideradas as mesmas editorias publicadas no papel, é a terceira mais lida.
Foi esse público jovem que aderiu em massa à plataforma digital e que a Folha corre o risco de perder se não conferir ao tema a importância que merece. Ganhar o jogo pode exigir mudar de campo e de tática.
A Secretaria de Redação afirma que não se pode dizer que faltam outros esportes no caderno. “Entre 1º de janeiro de 2015 e 20 de fevereiro (sexta), publicamos 54 abres de página sobre outros esportes e a organização da Olimpíada. Considerando todo o período, esse número de abres representa 32%, quase um terço do total. Esse movimento vai se acentuar nos próximos meses.”
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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo