No fim da tarde da última sexta-feira, fui alertada por um leitor, via email, para o teor do editorial do dia com o título “Pelo humanismo e contra o populismo”. O texto do O POVO se posiciona contra a aprovação da lei pelo Congresso Nacional que classifica o “feminicídio” – assassinato de mulheres por questão de gênero – como crime hediondo. O assunto já vinha sendo tema de debate interno na Redação.
O leitor criticou os argumentos, apresentados pelo jornal, que citam a Carta Magna do Brasil para se posicionar contra a aprovação. “A Constituição realmente diz que todos são iguais perante a lei, mas o editorial esquece, entretanto, que a lei não deve ser igual para todos, sob pena de ser uma lei injusta”. Ele lembra que idosos, crianças, índios são grupos vulneráveis e, por isso, a legislação os trata diferentemente em vários aspectos. “Devem ser tratados ‘desigualmente em razão de suas desigualdades’, na velha lição de Rui Barbosa”, aponta.
O leitor tem toda razão. O editorial é infeliz e parece desconhecer a realidade de mortes de mulheres por maridos ou companheiros publicada rotineiramente em matérias nas páginas do O POVO. Se esta opinião do jornal tivesse sido posta em qualquer dia do ano seria inadequada. Na véspera do Dia da Mulher, ficou parecendo provocação.
De comentários e intolerância
Ler os comentários das matérias publicadas no Portal e nas redes sociais do Grupo de Comunicação O POVO tem sido um dos exercícios a que me impus após assumir a função de ombudsman. Não sei, caro leitor, se você já parou para lê-los. Se tiver paciência, irá reparar como os internautas se comportam e verá agressividade e ódio mesclados a um tanto de criatividade.
É como se, tendo um ponto de vista, as pessoas não pudessem mais ouvir, ler ou enxergar nada além daquilo que defendem, nem muito menos conviver com o contraditório. Pela qualidade das observações publicadas, dá para dizer que está faltando solidariedade, sobrando egoísmo e havendo excesso de má-educação no mundo virtual.
No meio de alguns comentários que contribuem para o debate, pincei palavrões, xingamentos, intolerância e falta de respeito (não os publico aqui, por considerá-los inadequados). Isso ocorre, especialmente, nas matérias envolvendo algum tipo de polêmica e revela um mundo que parecia estar escondido em salas e alcovas das famílias de bem.
Tem saída?
Como é trabalhar e ter de administrar um mundo de intolerância todos os dias nas redes sociais? Enviei solicitação à editora-executiva do Portal O POVO Online, Juliana Matos Brito, para saber como a Redação lida com o leitor que é agressivo, mas ao mesmo tempo se manifesta, opina e participa. Segundo ela, as equipes do O POVO Online e redes sociais estão sempre atentas aos comentários inadequados. Os mais agressivos ou indevidos são ocultados no Facebook e bloqueados no O POVO Online. “No Facebook, onde temos uma forma de relacionamento mais ágil com o leitor, buscamos sempre responder os comentários, principalmente os que nos questionam algo. Acreditamos que essa é uma forma de explicar algumas postagens e de estreitar o relacionamento com o leitor”.
Para tentar qualificar os comentários, a editora-executiva explica que vêm mudanças por ai. “Nossa equipe de desenvolvimento do Portal está estudando uma nova forma de publicação de comentários no O POVO Online, onde essa análise de comentários indevidos seja mais efetiva. Essa ferramenta deverá ser lançada em breve. Isso porque nos incomoda a forma agressiva, gratuita e desnecessária, com que muitos leitores se comportam. E não interessa ao portal disseminar tanta raiva em nossas páginas”. Ela lembra que hoje, ao abrir uma matéria para fazer alguma observação, o leitor já tem acesso às normas de comentários do Portal, que pode descartar “textos recebidos que contenham ataques pessoais, difamação, calúnia, ameaça, discriminação e demais crimes previstos em lei”. Além disso, o leitor fica sabendo, que “a responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores”.
O tempo e a qualificação
Participação dos leitores é tendência que veio para ficar. Cada vez mais eles vão querer ser protagonistas do mundo da informação. Mas ainda me arrepio quando vejo tanto ódio destilado em muitas das observações que leio. E não somente no Portal O POVO Online. Colocar em funcionamento uma ferramenta que possa bloquear os mais inadequados é muito bem-vinda hoje. Sinto que com o tempo, quando a superexposição na internet já não for uma novidade, os comentários tenderão a ficar mais qualificados.
“Erramos”
Publico abaixo gráfico sobre os “Erramos” de janeiro e fevereiro, a partir de levantamento preparado pelo Banco de Dados do O POVO. Dá para perceber que a quantidade de reparos passa longe dos equívocos encontrados no jornal. Mas, cabe à Redação decidir o que é necessário corrigir ou não.
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Tânia Alves é ombudsman do jornalO Povo