“O protesto de um leitor levou-me na semana passada a referir neste espaço um erro que afectou a habitual tabela em que o jornal apresenta a classificação do principal campeonato de futebol. No passado dia 3, o Benfica aparecia em primeiro lugar nessa lista, quando, de acordo com as regras da Liga de Futebol, o lugar pertencia por direito ao FC Porto, apesar da igualdade pontual entre os dois clubes. Em resposta a esse leitor (anónimo) e para esclarecimento de todos os interessados, citei a explicação que me foi remetida por Nuno Sousa, editor do Desporto, acerca das regras em vigor para ordenar a classificação: ‘O primeiro critério de desempate [entre clubes que lideram a classificação com igual número de pontos] passa pela diferença entre golos marcados e sofridos’. Sendo este parâmetro actualmente favorável aos portistas, ficava esclarecido que a tabela em questão apresentava de facto um erro, aliás corrigido na edição seguinte.
Nem todos se terão apercebido dessa correcção, pois continuei a receber queixas sobre o assunto. O leitor Fernando Cardeira, por exemplo, fala de ‘clubismo’ e sustenta que ‘não é tão inócuo como parece’ anunciar que um clube ‘é o primeiro do campeonato, quando na verdade não é’. Deixando de lado o processo de intenção, que nada justifica face à clara admissão do erro e à sua correcção, vejo-me no entanto obrigado, em nome da clareza, a regressar ao tema. Os caminhos do futebol são sinuosos e as suas regras podem confundir os menos versados na matéria.
O caso é que o autor da primeira reclamação escrevera (e eu citei): ‘Quem está em primeiro lugar é o FCPorto e, se (…) a prova tivesse terminado, seria ele o campeão’. ‘Tem razão o leitor anónimo, a tabela estava errada’, concluí então. Não será bem assim, ‘o leitor anónimo só tem metade da razão’ — sustenta por seu lado José Teixeira, em mensagem que me fez chegar. ‘De facto’, argumenta este outro leitor, ‘o Porto é o actual líder do campeonato, por ter melhor diferença de golos do que o Benfica. Mas a frase ‘se o campeonato acabasse hoje, o Porto seria campeão’ é falsa. É que a Liga definiu um critério de desempate para o decorrer da prova (a diferença de golos global) e outro para o fim do campeonato (o confronto directo). Neste caso, a vantagem é do Benfica, porque marcou dois golos no Dragão. Portanto (…), se o campeonato acabasse hoje, o Benfica era campeão’. José Teixeira considera que ‘seria útil os leitores do Público serem informados sobre esta nuance’.
Claro que poderá objectar-se que também a sua frase ‘se o campeonato acabasse hoje, o Benfica era campeão’ não é realmente rigorosa, já que não faz sentido invocar o critério de desempate que privilegia o confronto directo antes de esse confronto directo estar concluído — e os dois clubes ainda voltarão a defrontar-se na segunda volta da Liga. Parece-me pois aconselhável, nesta polémica entre leitores, evitar argumentos falaciosos sobre quem ‘seria’ campeão ‘hoje’. Mas, para que todos possam escrutinar com rigor o acerto das tabelas classificativas, acolho a sugestão deste leitor e passo a transcrever uma explicação detalhada das regras em vigor, que devo ao editor Nuno Sousa.
Passo a citar: ‘[Desde] Junho de 2011, o Regulamento de Competições da Liga (…) passou a contemplar dois critérios de desempate distintos, em função da fase em que se encontra o campeonato: um para a 30.ª e última jornada, outro para as 29 restantes. Assim, durante o decurso da competição, e de acordo com o ponto 3 do artigo 13.º, os clubes que somarem os mesmos pontos serão desempatados em função dos seguintes critérios, segundo ordem de prioridade: maior diferença entre o número de golos marcados e sofridos nos jogos realizados (…); maior número de vitórias (…); maior número de golos marcados (…). É à luz destas premissas que o FC Porto lidera actualmente o campeonato: embora some os mesmos 17 pontos que o Benfica, tem uma diferença de golos mais favorável (12 contra 11)’.
‘Porém’, continua Nuno Sousa,’no final da prova, para efeitos de classificação final, os critérios alteram-se. Passam a valer, à luz do ponto 1 do mesmo artigo, os seguintes parâmetros, por ordem de prioridade: número de pontos alcançados pelos clubes empatados, nos jogos que entre si realizaram; maior diferença entre o número de golos marcados e sofridos pelos clubes empatados, nos jogos que realizaram entre si; maior número de golos marcados no campo do adversário, nos jogos que realizaram entre si. Caso, mesmo assim, se mantenha a igualdade, recorre-se de seguida aos três critérios aplicados durante as 29 primeiras jornadas. O que significa que, se a Liga terminasse agora, seria o Benfica campeão e não o FCPorto, já que tem dois golos marcados no campo do adversário (terceiro critério de desempate do ponto 1, já que nos dois primeiros volta a registar-se um empate), contra zero do campeão nacional ‘.
Em conclusão:
1) As regras serão complexas, mas são estas e o rigor impõe que sejam sempre tidas em conta na elaboração das tabelas classificativas publicadas.
2) É rigoroso escrever que o FC Porto vai à frente do campeonato, pelo menos até à próxima jornada.
3) Não é rigoroso nem faz sentido dizer qual ‘seria’ o campeão ‘se a Liga terminasse agora’, como se lê também na explicação acima citada. Uma regra que se aplica exclusivamente à situação existente no fim da 30ª jornada não pode ser utilizada ao fim de sete jogos, ainda que em sentido virtual, pois a eventualidade considerada não poderá verificar-se.
4) Esperemos pelo fim do campeonato.
Alguém pediu três (ou cinco) anos de prisão?
O futebol doméstico foi esta semana agitado pela notícia de que os incidentes ocorridos em 2009 no final de um jogo entre Benfica e FC Porto no estádio da Luz (o chamado ‘caso do túnel’) transitaram para o universo do direito penal, com o Ministério Público a acusar cinco jogadores do emblema nortenho de agressão a dois elementos da segurança do clube rival.
O PÚBLICO deu essa notícia na edição da passada quarta-feira. No primeiro parágrafo da peça, assinada por Paulo Curado, lia-se que ‘a defesa dos jogadores deverá requerer a abertura da instrução do processo para tentar adiar ou anular um eventual julgamento’. A mesma ideia era condensada no título, embora prescindindo da palavra ‘para’, indicativa de finalidade. Ficou a fórmula ‘…deverão requerer a instrução e adiar o processo…’. E no pós-título afirmava-se: ‘Ministério Público recomenda penas de prisão de três anos para Hulk, Helton, Rodríguez e Fucile e de cinco para Sapunaru, por agressões a dois seguranças no final do clássico de 2009″.
Estas frases desagradaram ao leitor João Victor, que viu na primeira o exemplo de ‘ um lead opinativo, em que [se] afirma peremptoriamente que requerer a abertura da instrução do processo é para tentar adiar ou anular o julgamento’. O que o levou a comentar: ‘Então um cidadão acusado da prática de um crime não têm o direito a requerer a abertura da instrução, primeira fase em que verdadeiramente lhe é dada a oportunidade de se defender?’. Critica, em seguida, que se tenha escrito que ‘o Ministério Público recomenda penas de prisão de três anos (cinco anos no caso de Sapunaru)’, quando, refere, ‘o Ministério Público não recomenda, o Ministério Público acusa e para os crimes que o Ministério Público considera que foram cometidos existem diferentes molduras penais’, sendo que ‘o que a jurisprudência nos diz é que nunca este caso terminará com o cumprimento de penas efectivas, sendo o mais provável a condenação ao pagamento de multas ou, quando muito, a pena suspensa’. Para concluir que ‘isso o PÚBLICO não escreveu, porque dava trabalho averiguar uma coisa dessas ou porque isso impedia o sensacionalismo da notícia’.
Nuno Sousa, editor do Desporto, explica que se pretendeu indicar que o processo irá entrar ‘numa nova fase’, em que caberá a um juiz ‘decidir se o caso segue para julgamento ou se é arquivado’, tendo sido escolhido ‘um título interpretativo, que ajuda a ir mais além, mas que não entra seguramente no domínio da opinião’. Concordo que o título, em si, não é opinativo (requerer a instrução prolonga evidentemente o processo), mas penso que a ênfase colocada na ideia de que os acusados requerem a instrução judicial ‘para tentar adiar ou anular um eventual julgamento’ (como se lê no texto), sem referência ao seu direito a contestar a verdade das acusações, é unilateral e abusiva, legitimando a crítica do leitor.
Quanto à crítica ao uso do verbo ‘recomendar’, o mesmo editor reconhece: ‘Não foi, de facto, a escolha mais feliz. O que o Ministério Público faz é enquadrar os crimes em causa na moldura penal prevista’. Mas acrescenta que ‘o registo ‘opinativo’ que o leitor critica é o mesmo que utiliza (…) para sustentar que é mais provável a condenação ao pagamento de multas ou, quando muito, a pena suspensa’. Por mim, nada tenho a objectar ao ‘registo opinativo’ dos leitores (o PÚBLICO é que tem o dever de evitar esse registo nas peças noticiosas), mas noto que João Victor cita, em abono da sua previsão, ‘o que a jurisprudência nos diz’. Eu não sei o que é que a jurisprudência diz — embora me pareça que, se diz isso, não se afastará muito do senso comum —, mas acho que os leitores do PÚBLICO teriam direito a sabê-lo. E por isso julgo que a peça em questão, sendo razoavelmente equilibrada na descrição dos factos, peca por não ter procurado respostas à mais óbvia das questões. Três anos de prisão ‘recomendados’num caso como este? Porquê? É normal? Há precedentes? O bom jornalismo deve saber antecipar as perguntas ou dúvidas do leitor comum.”