“A correcção de erros nas notícias publicadas na edição para a Internet obriga a procedimentos distintos dos que são utilizados no jornal impresso e o jornalismo on line requer, pelas características próprias do meio, cuidados suplementares na defesa do rigor informativo. A frequência com que surgem informações erradas nas notícias da edição electrónica — suscitando um número de queixas dos leitores que é hoje bastante superior ao dos que reclamam contra erros semelhantes na edição impressa — sugere que tais procedimentos e cuidados são demasiadas vezes esquecidos, ou não estão suficientemente assimilados, por quem redige ou edita os textos do Público Online.
No papel, tudo é mais simples. Uma vez dada à estampa uma informação errónea, não é possível reparar a falha na edição já distribuída; o erro irá sobreviver nas estantes das hemerotecas e outros arquivos de imprensa. Mesmo as edições digitalizadas hoje existentes não alteram este quadro, pois são meras reproduções do que foi impresso em determinada data. Para o leitor comum, porém, um jornal diário nasce e morre no mesmo dia. Daí a importância que deve ser dada à correcção dos erros numa edição subsequente, seja em espaço próprio criado para esse fim (como ‘O PÚBLICO Errou’) ou, em casos de certa gravidade, num lugar de maior destaque.
Uma vez detectado, qualquer erro deve por norma ser corrigido na edição seguinte. Se assim não acontecer (como de facto nem sempre acontece), deve ser reconhecido e explicado em momento posterior, de acordo com critérios de relevância. Esta prática não permite uma reparação integral — haverá sempre leitores que deram crédito a uma informação errónea em determinada edição e não viram depois a correcção —, mas é o mínimo devido aos compradores fiéis do jornal e ao respeito pelo rigor noticioso.
O processo é necessariamente diferente numa edição on line em que as informações continuam acessíveis a qualquer leitor muito para lá da data de publicação e podem ser corrigidas a qualquer momento. A natureza do meio é dinâmica: as notícias podem ser modificadas ou actualizadas. Permanecem ‘vivas’ e podem ser consultadas em qualquer data posterior. E isto é verdade mesmo nos casos em que são eliminadas ou substituídas, pois podem voltar a ser encontradas através dos motores de pesquisa da Internet. Uma vez publicado, qualquer erro informativo poderá permanecer no espaço virtual, de acesso fácil e imediato, continuando a enganar quem com ele depare, o que aliás levanta novos e sérios problemas — que ficarão para outra crónica — no plano da ética e deontologia jornalísticas.
Para o que hoje importa, retenha-se que um jornal de qualidade tem o dever de corrigir, logo que possível, todos os erros que sejam detectados na sua edição on line. E de assinalar claramente essas correcções, por respeito aos leitores que tenham tomado conhecimento da notícia numa forma anterior e errada. Sendo o cumprimento de ambas essas obrigações tecnicamente viável, e livre de constrangimentos de espaço ou de tempo, nenhum erro detectado, seja qual for o seu grau de importância, deve ficar por corrigir. A interactividade proporcionada pela rede multiplica, aliás, a capacidade de detecção de falhas, já que permite à redacção do jornal beneficiar da cooperação dos leitores que alertam para eventuais erros, nomeadamente através das caixas de comentários às notícias.
A reforçar a importância do controlo de qualidade no noticiário on line está o facto já referido de a frequência de erros ser aí francamente superior à que ocorre no jornal impresso. Vários motivos o explicam, a começar pela velocidade na publicação dos textos — o que se compreende no quadro de informação imediata proporcionada pela Internet, mas não autoriza que sejam dispensados os filtros editoriais que garantam o rigor noticioso. No universo da informação quase instantânea em que a rede global de comunicação mergulhou o jornalismo, perde muito do seu sentido a tradicional preocupação pela notícia em primeira mão. O objectivo de informar depressa não pode sacrificar o dever de informar bem: é este que permite afirmar uma marca de qualidade e justificar a preferências dos leitores que a procuram.
Há motivos para temer que muitos jornalistas e editores desvalorizem os erros no noticiário para a Internet face aos que ocorrem no papel — seja porque não foram impressos e seriam assim menos visíveis (uma ideia insustentável face aos actuais índices de procura das edições on line), seja porque podem ser corrigidos na própria peça original, o que é verdade, mas não deve fazer esquecer que entretanto foi divulgada — durante minutos, horas, dias ou meses — uma informação errónea, que em muitos casos poderia ter sido evitada pelo cumprimento de regras básicas do jornalismo e da edição.
Acresce que não basta corrigir, é necessário assinalar e explicar a correcção. Veja-se o caso apontado pelo leitor Bruno Pedro, que deparou com um título em que se anunciava que ‘Portugal é o país no qual os europeus menos confiam’. Achou que esse título era ‘enganador’, ou fruto de ‘equívoco’, dado que na própria notícia se afirmava que ‘Portugal é o país menos confiável para efeitos comerciais, depois de Grécia, Espanha e Itália’. Tratava-se de um despacho da agência Lusa, que citava um estudo realizado por iniciativa de uma universidade holandesa, e o problema não estava no título, mas na frase que o contradizia e confundiu outros leitores. Escrevera-se ‘depois de’ onde se deveria ter escrito ‘seguindo-se’.
Neste caso, o erro foi detectado e corrigido, mas não foi assinalado. Ainda hoje não se encontra na notícia, marcada como tendo sido publicada às 18h41 de 26 de Setembro, qualquer menção de que tenha sido alterada. Note-se que o primeiro comentário de um leitor alertando para a contradição entre título e texto é das 19h15 do mesmo dia e permanece em linha, tendo-se tornado incompreensível por se referir a algo que, a partir de momento não conhecido, deixou de estar na notícia comentada. Ou seja, o erro não foi corrigido e explicado; foi corrigido e ocultado. E teria sido evitado se a diligência simples de consultar o estudo original citado pela Lusa tivesse sido efectuada, não depois das chamadas de atenção dos leitores, mas antes da publicação, como seria aliás de esperar face à relevância noticiosa da conclusão plasmada no título, especialmente no actual quadro de crise nacional e europeia.
Outro caso: no passado dia 3, numa notícia publicada às 07h54, dizia-se que uma avaria obrigara a regressar ao aeroporto da Portela um avião (um’ Fokker 100″, segundo se escreveu) que na véspera descolara de Lisboa com destino a Amesterdão. A peça foi ilustrada com a imagem de um aparelho da TAP. Às 10h31, o leitor Luís Pereira explicava que ‘a TAP não tem Fokker 100″, acrescentando que, a ser esse o modelo do avião avariado, lhe parecia abusivo ilustrar o incidente com a imagem de ‘um Airbus A320 daTAP’. Devido ao alerta de um outro leitor, a referência ao modelo do aparelho viria depois a ser retirada, mencionando-se que a notícia fora ‘actualizada às 11h13’, mas sem se explicar porquê, sem se assumir o motivo da alteração e mantendo-se (até hoje) a mesma imagem a ilustrar a peça. Ou seja, também neste caso o erro foi ocultado (actualizar é coisa diferente de corrigir), tornando mais uma vez incompreensíveis comentários que se mantêm on line, provocados por uma ou mais passagens entretanto desaparecidas da notícia.
Neste caso, nem terá havido verdadeira vontade de corrigir, pois não se confirmou o modelo do avião avariado. Além disso, afirmava-se na peça — e reafirmou-se numa outra, às 13h37 — que o avião envolvido neste incidente passara ‘duas horas a sobrevoar o Atlântico para descarregar combustível’ antes de aterrar na Portela, sem que tenha havido a preocupação de verificar a pertinência do comentário de outro leitor, que alertava para o facto de aviões como o que fora referido não ‘descarregarem combustível’, tendo, isso sim, numa situação como a descrita, de o consumir ‘para diminuir o peso à aterragem’. Aliás, se os comentários dos leitores fossem devidamente valorizados enquanto instrumentos de possível correcção de erros, não permaneceria ainda hoje em linha o título disparatado dessa segunda notícia, segundo o qual ‘Aterragens de emergência ou regressos ao destino [sic] ‘são frequentes’’.
Erros menores, dir-se-á. Mas demasiado frequentes, sugerindo que o Público Online não estará a beneficiar da atenção ou dos meios necessários a uma competente vigilância editorial. As notícias oriundas de outros meios de informação têm de ser verificadas. A correcção dos erros detectados é uma obrigação. Sinalizar e explicar as alterações aos textos é um dever de lealdade para com os leitores e uma condição para evitar confundi-los.
O coordenador da edição on line, Sérgio Gomes, que me ajudou a compreender os passos concretos da produção destas notícias, explica quais são as orientações em vigor: ‘Sempre que uma notícia é corrigida, modificada, actualizada ou substituída, a regra é assinalar sempre o tipo de intervenção e o dia e hora a que aconteceu. Por outro lado, a regra é também detalhar o mais possível a alteração operada, dando conta do que foi publicado antes e depois dessa alteração’.
É essa a boa doutrina. Apesar de serem visíveis progressos recentes, está longe de ser cumprida com rigor. Creio que isso terá de passar pela compreensão generalizada de que um erro não o é menos por ser lido num ecrã e não numa folha de papel.