“Faz amanhã um ano que ocupei este espaço com algumas reflexões sobre o chamado ranking das escolas, a partir de críticas formuladas por leitores aos critérios seguidos pelo PÚBLICO na elaboração do suplemento anual que dedica a este tema. No texto que então intitulei ‘Rankings das escolas podem ser aperfeiçoados’, estavam em causa duas questões principais: o facto de não serem considerados os resultados da segunda fase dos exames nacionais (o que afectará o rigor de uma classificação que ordena as escolas em função da média dos resultados obtidos pelos seus alunos nessas provas) e as apreciações desfavoráveis que ano após ano têm sido dirigidas à própria natureza destes rankings, acusados por muitos de ignorarem os múltiplos factores que condicionam o desempenho das escolas.
Em relação a ambas, os responsáveis editoriais do PÚBLICO mostraram-se sensíveis às críticas e anunciaram que elas seriam tidas em conta na edição deste ano do suplemento sobre os resultados escolares. Quando este foi publicado, no passado dia 15 de Outubro, os leitores puderam porém verificar que nada fora alterado. Valerá a pena tentar perceber por que motivo não se cumpriram as promessas e intenções anunciadas e o que poderá ou não ser feito para as concretizar no futuro.
Começando pela questão da segunda fase dos exames, os responsáveis pela realização deste trabalho noPÚBLICO garantiam há um ano — e disso dei conta aos leitores nesta página — que no ranking referente ao ano lectivo de 2010/2011 seria já alterada ‘a regra até aqui vigente’, passando a considerar-se os resultados de ambas as fases dos exames do ensino secundário. O que afinal não sucedeu, tendo o processo de classificação das escolas continuado a excluir uma fatia significativa do universo das provas realizadas.
Segundo a explicação que me foi prestada pelo director adjunto Nuno Pacheco e pelos jornalistas envolvidos na elaboração do suplemento, a alteração metodológica anunciada não pôde concretizar-se devido ao facto de a base de dados fornecida à imprensa pelo Ministério da Educação não permitir distinguir, em relação a cada escola, os alunos que foram a exame apenas na segunda fase daqueles que repetiram a prova, procurando melhorar a nota obtida. Ou seja, segundo me comunicaram, ‘torna-se impossível identificar os exames da 1ª e 2ª fase feitos por um mesmo aluno’, e ‘sendo assim, considerar a 2ª fase implicaria, nalguns casos, contar duas notas de um mesmo aluno’, o que levaria ‘a uma distorção da média da escola’. Por isso, e depois de ‘alguns exercícios de simulação’, concluíram que ‘correr o risco de falsear uma média sem critérios claros seria pior do que manter, por ora, a opção [tomada] desde o início’.
Compreende-se a decisão, mas a verdade é que para evitar um factor de distorção das médias se manteve outro já identificado. Em qualquer dos casos, é afectada a qualidade e a objectividade do rankingapresentado. ‘Tendo em conta que o tempo para trabalhar a base de dados era muito curto, face à dimensão da tarefa, não chegámos’ — explicam os membros da equipa que efectuou o trabalho jornalístico — ‘a questionar o ministério sobre a possibilidade de fornecer uma outra base de dados, que nos permitisse chegar a uma única nota para cada aluno’.
Creio que uma boa planificação deveria ter levado a iniciar muito antes, provavelmente logo no início do ano lectivo, as diligências destinadas a garantir a obtenção dos elementos desejados, que podem ser facilmente integrados numa base de dados, sem pôr em causa o anonimato dos alunos — como notam os jornalistas, bastaria para tanto ‘que a cada estudante fosse atribuído um código’. Não se vendo que a administração educativa possa ter qualquer motivo sério para não melhorar neste aspecto o processamento dos resultados, mas conhecendo-se as demoras burocráticas a que pode estar sujeita qualquer pequena alteração de procedimentos, o PÚBLICO deveria insistir desde já num compromisso que responsabilize o ministério e torne possível apresentar em 2012 um ranking das escolas que reflicta de facto todo o universo das provas efectuadas.
E o mesmo poderá dizer-se, por maioria de razão, em relação ao outro objectivo que fora anunciado: o de produzir rankings aperfeiçoados e mais ambiciosos, que permitam aferir o desempenho das escolas através de outros parâmetros que não apenas o dos resultados conseguido pelos seus alunos nos exames. Um tal desígnio exigirá também o acesso a dados que o Ministério da Educação possui ou poderá reunir, mas o seu processamento será necessariamente mais complexo. Trata-se de obter e tratar elementos que permitam adicionar à actual classificação das escolas (pelos resultados conseguidos numa prova nacional única e igual para todos) uma avaliação ordenada da qualidade do trabalho de cada uma, tendo em consideração os vários factores que a condicionam.
Nos últimos anos, o PÚBLICO tem vindo sistematicamente a reconhecer, nos textos de enquadramento editorial dos rankings, a insuficiência da classificação publicada enquanto instrumento adequado a um melhor conhecimento do sistema educativo e à sua análise qualitativa. Tem aceitado, genericamente, que um ranking mais ambicioso e útil deveria recorrer a outros indicadores existentes ou a construir, para tomar em consideração os vários factores — sociais, territoriais ou relativos a recursos, métodos e organização, entre outros — que condicionam os resultados escolares. Tem anunciado repetidamente a vontade de dar corpo a essa forma mais avançada de serviço público, mas a intenção está a transformar-se numa promessa sucessivamente adiada.
Um sintoma da dificuldade em levar à prática essa intenção estará no modo, hoje menos assertivo e mais cauteloso, utilizado para a comunicar aos leitores. Se há um ano Nuno Pacheco escrevia em editorial que ‘[se] impõe dar novo e indispensável salto no conhecimento das nossas escolas’ (e a direcção garantia ir ‘fazer todos os esforços’ para integrar já em 2011 ‘outros indicadores das escolas além dos exames’), este ano a formulação escolhida foi a de afirmar ‘o desejo, que não é utópico, de pôr um dia à disposição da opinião pública um conjunto de dados que enfim permitam construir um ranking à medida dos desejos mais exigentes’.
Em resposta a questões que coloquei, o director adjunto e os jornalistas que participaram na elaboração do suplemento do passado dia 15 explicam a dificuldade: ‘Em primeiro lugar, a prolongada crise política (…). Não chegámos (…) a nenhuma conclusão com o ministério de Isabel Alçada e, com a queda do governo e a mudança de ministro, não houve tempo para programar qualquer trabalho nesse sentido com o novo detentor da pasta, Nuno Crato, acabado de chegar. Ultrapassar o ponto actual obrigaria a que o ministério pusesse à disposição de uma equipa (que podia ser composta por jornalistas, professores ou técnicos de uma ou mais instituições) dados que só existem nos gabinetes da 5 de Outubro e que, devidamente seleccionados e tratados, poderiam permitir leituras múltiplas dos resultados escolares. Para isso, não houve tempo, com muita pena nossa’.
Assegurando que o PÚBLICO irá agora retomar os contactos necessários, advertem: ‘Tal como sucedeu em relação aos resultados dos exames, que só foram divulgados após um braço-de-ferro prolongado e difícil, também os dados complementares poderão levar tempo a desbloquear. Depende, em muito, da vontade do ministro’. Depende, sem dúvida. E não é aceitável, do ponto de vista do direito dos cidadãos à informação, o que refere a equipa de jornalistas: ‘Pedidos feitos ainda em Agosto, nomeadamente dados sócio-económicos da população escolar que pudessem complementar os rankings tradicionais’, não tiveram resposta do ministério.
Convirá notar, contudo, que por mais desejável e útil que seja um encontro de vontades com os responsáveis pela política educativa, o PÚBLICO não honrará as expectativas criadas e os pergaminhos de pioneirismo e inovação neste domínio se se limitar a aguardar pela disponibilidade ou a iniciativa de um ministro. Como defendi há um ano, ‘a escolha e ponderação — que será complexa e sempre polémica — das variáveis que devem integrar um ranking aperfeiçoado’ deve representar uma ‘decisão editorial’ própria do jornal, preferivelmente assumida com o aconselhamento de especialistas, num quadro independente do poder político. Uma vez definido com clareza e rigor o que se pretende — o que ainda não foi feito —, maior será a legitimidade para reclamar o acesso aos dados reclamados. Se a direcção do PÚBLICO quiser prestar esse serviço acrescido aos seus leitores e aos cidadãos em geral em Outubro do próximo ano, não é cedo para deitar mãos à obra.
Uma nota final para explicar porque falo em ‘serviço acrescido’ e não em substituição do’ranking tradicional’. Este continuará a ser indispensável como informação objectiva — a única indiscutivelmente objectiva — sobre os resultados das escolas. Para além de outros efeitos úteis, é hoje uma referência para muitas famílias interessadas em escolher as melhores oportunidades para a aprendizagem dos filhos. Um ‘ranking aperfeiçoado’ — um ou vários — será, em contrapartida, um instrumento muito mais útil para o debate das políticas de educação. E para as próprias escolas e as comunidades em que se inserem reflectirem sobre os caminhos a seguir e as mudanças a efectuar, num processo em que deverá pesar cada vez mais a autonomia de cada estabelecimento de ensino.”