Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

“O jornalismo acostumou-se a obter os assuntos da sua pauta na agenda do poder, dos grupos de interesse que dominam a economia, as finanças e a produção, nas autoridades de plantão, nas instituições consagradas e na chamada sociedade civil organizada. Mas e quando a pauta vem das ruas? Quando surge de movimentos aparentemente desorganizados, sem porta-vozes, sem lideranças reconhecidas, sem estatuto e organização estruturada e autorizada pelos poderes constituídos?

Movimentos como ‘Ocupem Wall Street’ nos Estados Unidos, ‘Indignados’ na Espanha, a ‘Marcha contra a corrupção’ e o ‘Movimento dos sem mídia’ no Brasil, ou ainda a ‘Primavera Árabe’ pegam o jornalismo convencional, praticado pela maioria dos veículos de comunicação, no chamado ‘contra-pé’(1) porque invertem a lógica da origem da pauta.

O jornalista Washington Novaes em seu livro A quem pertence a informação? (2) perguntava: ‘Como o Brasil pode chegar a ser uma sociedade democrática se os interesses de 90 milhões não aparecerem na comunicação?’ As reflexões do autor partem da premissa que ‘a igualdade na oportunidade de acesso à informação é um pressuposto da democracia’.

E quando aqueles que não têm oportunidade resolvem promovê-la?

Nos Estados Unidos a grande imprensa corre atrás do prejuízo

Nos Estados Unidos um centro especializado em pesquisa de mídia constatou que, somente um mês depois de lançado, o movimento Ocupem Wall Street começou a ganhar destaque atingindo 7% da cobertura jornalística nacional de 52 dos maiores veículos do país.

Mas como pautar e cobrir esse tipo de movimento?

‘Eles insistem na divulgação da matéria, ainda que discutam sobre o que, concretamente, essa matéria seria’, escreveu James Rainey, crítico de mídia. Rainey sugeriu que os repórteres resistam ao desejo de se fazerem juízos instantâneos sobre o que representam os protestos: Às vezes, a matéria mais corajosa é a que diz: Nunca vi isto antes. Não tenho certeza de compreender o que significa. Não tenho a menor ideia para onde vai.’

Na Espanha a crise se aprofunda

Para o jornalista Manuel Castells, do jornal La Vangardia da Espanha, ‘Quando milhares de [jovens] indignados, [que ocuparam as praças da Espanha], tiram de foco a ‘crise’ e atacam diretamente o sistema que produz tantos desarranjos, estão sustentando algo importante. Querem dizer que é preciso ir à raiz dos problemas, olhar para suas causas. Porque se elas persistirem, continuarão produzindo as mesmas consequências.’

Não podemos esquecer que a mídia convencional é parte integrante desse ‘sistema que produz tantos desarranjos’. Daí a necessidade dela rever seus métodos, pelo menos depois de atropelada pelos acontecimentos.

O jornalista espanhol conclui seu artigo com a seguinte frase: ‘Até que surgiu a comunicação autônoma e as pessoas, juntas, perderam o medo e se indignaram. Aonde vão? Cada um tem sua ideia, mas há temas em comum. Que os bancos paguem a crise. Controle sobre os políticos. Internet livre. Uma economia da criatividade e um modo de vida sustentável. E, sobretudo, reinventar a democracia, a partir de valores como participação, transparência e prestação de contas aos cidadãos. Porque como dizia um cartaz dos indignados: ‘Não é que estamos em crise. Es que ya no te quiero [o capitalismo e suas instituições]’.’(3)

A Agência Brasil à espera de notícias

A cobertura da Agência Brasil sobre os recentes acontecimentos no mundo e no Brasil foi alvo da crítica do leitor Sergio Cruz: ‘Muitas notícias sobre ‘violência’ na Síria, sempre tendo como fontes (???) as ‘ONGs de direitos humanos’. Isso não é jornalismo. Praticamente nenhuma notícia sobre a violência em Wall Street. Mais de 700 presos num só dia. Por que esse desequilíbrio na informação? Obama e Dilma (???) indignados com a violência na Síria? Parece brincadeira. A Agência Brasil não pode se transformar numa mera retransmissora dos planos de guerra do governo americano. Não é para isso que meu pago meus impostos.’

A Diretoria de Jornalismo – Dijor da EBC respondeu: ‘A Agência Brasil não tem jornalista no exterior cobrindo os conflitos na Síria e os protestos em Wall Street. As matérias que publicamos são de agências públicas parceiras, como a Lusa (Portugal) , BBC (Inglaterra) e Telam (Argentina). Apesar destas dificuldades, não entendemos que haja desequilíbrio na informação do que é publicado por nós’.

Mas Sergio Cruz contestou a resposta e argumentou: ‘Por favor, informem à assessoria de jornalismo que eu discordo deles. Há desequilíbrio sim nas informações da Agência Brasil nos assuntos internacionais. Milhares de pessoas em 1500 cidades protestando ao mesmo tempo nos EUA e apenas uma matéria, e mesmo assim sem ênfase na repressão e na prisão arbitrária de 700 pessoas que protestavam. Ocupação há quase um mês por milhares de pessoas de Wall Street, e nada de informação sobre esse fato inédito. Ao mesmo tempo eu li pelo menos uma dezena de matérias neste órgão sobre uma suposta repressão do governo à manifestantes na Síria. Não acho que essas informações foram confirmadas adequadamente. Eram sempre ‘com informações de ONGs e agências’. Se isso não é desequilíbrio eu não sei o que é. A falta de jornalista no exterior, do meu ponto de vista, não justifica a parcialidade nas informações.’

Sobre a cobertura da situação na Síria, a Ouvidoria fez o seguinte levantamento:

As fontes citadas diretamente nas 8 matérias são relativamente equilibradas. São 8 fontes, 4 delas sírias e 4 internacionais. Das 4 fontes sírias, duas são do governo (o presidente Assad e o ministro dos Negócios Estrangeiros) e duas são da oposição (o Observatório de Direitos Humanos da Síria – a ONG a qual o leitor se referiu na sua demanda). Das 4 fontes internacionais, duas são do governo dos EUA (o porta-voz da Casa Branca e o porta-voz do Departamento de Estado), uma é a Liga Árabe e uma é do governo do Brasil (presidente Dilma). Talvez a cobertura tenha dado um peso excessivo às fontes do governo dos EUA entre as fontes internacionais.

As agência internacionais foram creditadas por uma parte ou todas as informações usadas em 7 das 8 matérias. A Lusa foi a mais usada: 6 vezes, mais da metade. Depois a BBC Brasil: 3 vezes. Finalmente a Telam e a RFI (emissora estatal de rádio da França): uma vez, cada.

Em uma das matérias da ABr há a seguinte ressalva sobre a confiabilidade das informações:

‘A confirmação das informações de forma independente é dificultada pelas autoridades sírias que impedem a entrada de estrangeiros na região. Segundo o governo de Assad, os protestos são gerados por estrangeiros, religiosos radicais e grupos armados’.

Em São Paulo o movimento continua ignorado pela ABr

Em São Paulo o movimento dos indignados (4) ocupa o Vale do Anhangabaú, tradicional palco de protestos nos derradeiros anos da ditadura militar. A Agência Brasil, apesar de possuir repórteres naquela cidade ainda não pautou o que está acontecendo lá.

Quando a pauta foi construída com a sociedade

Uma experiência bem sucedida de inverter a lógica da pauta foi realizada pelo citado jornalista Washington Novaes no Diário da Manhã de Goiânia, nos idos dos anos 80 do século passado, assim descrita por ele: ‘A sociedade sabia que o compromisso do jornal era com ela. O jornal fazia debate nos bairros sobre os problemas dos bairros. Levava gente do governo. Cobrava solução. O jornal fazia debates públicos em auditórios, chamava gente de todos os setores, o jornal tinha um conselho de leitores que se reunia todos os dias à uma hora da tarde, com todos os editores. Cada editor era obrigado a levar um repórter ou um redator da sua área. E nessa reunião se discutia todo o jornal que tinha sido feito e o que ia sair no dia seguinte.’ (5)

Fazer do limão uma limonada

A agência pública tem condições de também trabalhar para inverter a lógica da origem da pauta. Navegando pelas redes sociais, blogs e sites (6) não é muito difícil obter-se informações sobre novas fontes que protagonizam movimentos. Estabelecer contatos, fazer entrevistas, apurar informações, coletar opiniões, promover debates e organizar fóruns são atividades inerentes ao jornalismo interativo, participativo e colaborativo.

Se lançar mão dos recursos tecnológicos disponíveis a Agência Brasil pode transformar suas limitações em termos de falta de correspondentes no exterior e de repórteres em todas os locais deste imenso país em um fator de desenvolvimento de um jornalismo em sintonia com nosso tempo.

‘As plataformas de meios sociais continuam emergindo como ferramentas essenciais de reportagem. Estes meios oferecem excitantes oportunidades para que os repórteres coletem informações e para que as organizações jornalísticas expandam seus conteúdos …’(7)

A cobertura de assuntos internacionais não pode prescindir de nosso olhar sobre a participação do Brasil no contexto da crise internacional. Grandes conglomerados financeiros estão usando os lucros obtidos no país para bancar déficits ou aumentar o faturamento em suas matrizes (8). Esses lucros são obtidos graças principalmente aos elevados juros pagos pelo governo brasileiro para financiar nossa dívida interna e pelos spreads de 40, 50% cobrados pelos bancos nos empréstimos, os maiores do mundo, que incluem uma espécie de seguro contra a inadimplência, não descontado quando o devedor honra sua dívida em dia.

Esse tipo de informação pode ajudar a qualificar a indignação dos jovens brasileiros.

Até a próxima semana.

(1) – No futebol, de acordo com o tipo de jogada, com a posição e a velocidade dos jogadores, o goleiro espera que o atacante chute a bola em determinada direção. Com base nessa lógica intuitiva, prepara seu corpo e sua mente para realizar a defesa, mas às vezes é surpreendido e a bola é arremessada no sentido inverso ao esperado – diz-se que foi pego no contra-pé.

(2) – A quem pertence a informação? Novaes, Washington. 2a edição, Nova/Vozes, 1996 [198a-9]

(3) – disponível aqui

(4) – disponível em: Indignados de São Paulo recebem apoio dos moradores de rua e ameaças da polícia

(5) – disponível em: Dois irmãos – Parte 3. Entrevista com Washington Novaes. Equipe de O Brasil de Aloysio Biondi. Entrevista realizada em 2004 por Aloisio Milani, Antonio Biondi e Rodrigo Savazoni. Aqui.

(6) – disponível em ‘A revolução está sendo televisionada na web’

 (7) – disponível em: ‘As 10 melhores práticas para redes sociais

(8) – disponível aquie aqui