“‘O sensacionalismo é uma distorção jornalística. Como tal, deve ser evitada pelos profissionais da área e pelas empresas jornalísticas.’ José Marques de Melo, professor e jornalista
Mais que o samba de Bezerra da Silva é senso comum que violência gera violência. Porém falar de violência incentiva a violência? Essa é a questão que a leitora Isabela Bosi levanta em um longo e-mail. Estudante de jornalismo, ela critica a forma com que O POVO tem feito a cobertura das chamadas pautas policiais e defende uma reflexão. Para Isabela, a postura atual acaba contribuindo para criação da cultura do medo. ‘É preciso começar a criar esperanças na população. Não se ancorar na promoção do medo’.
A leitora coloca em discussão um dos ‘calcanhares’ da imprensa: o jornalismo policial. Discriminada dentro das redações, a área não está entre as preferidas dos profissionais que entram no mercado. Na verdade chega a ser até marginalizada. O Esporte já foi assim, hoje diminuiu bastante. O resultado é que há falhas na cobertura e pouca discussão sobre o tema.
Isabela cita como exemplos de estímulo ao clima de pânico as manchetes de outubro dos dias 11 (‘Mais um fórum é assaltado. É o quinto neste ano’), 14 (‘Bando explode caixa eletrônico e atira em delegacia’) e 17 (‘Em menos de 24 horas, 15 jovens assassinados’). ‘Por que não colocar o governo contra a parede? Cobrar medidas? Algo que dê ânimo e quebre o ‘estrelismo’ dos bandidos’. Ela questiona a pouca relevância de um caixa eletrônico explodido ser escolhido como manchete.
Desequilíbrios
O professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará e doutor em Comunicação e Cultura, Jamil Marques, concorda que ‘enfatizar – sem a devida cautela – temas relacionados à violência pode contribuir para reforçar uma sensação de insegurança’. Mas defende que, ao divulgar tais notícias, contempla o interesse público o que acaba pressionando os gestores do Estado.
A professora Ana Luiza Monte, da Faculdades Cearenses, vê desequilíbrio no tratamento das notícias. ‘Se o jornalismo é o ‘recorte da realidade’ e sabemos que existe a lei dos opostos, assim deveria ser o jornal: tratar na mesma proporção e com a mesma intensidade as coisas boas e ruins’.
Membro do Conselho de Leitores do O POVO e ex-diretor do Instituto Médico Legal por 30 anos, o médico José Simão diz que o jornal apenas retrata o que está no entorno da sociedade. Se há mais violência, crescem as notícias policiais. ‘O que vai diferenciar é o modo que isso é repassado. Deveria haver mais dados técnicos e cobranças’. Um estudo do cientista francês Jean-Claude Chesnais, especialista em violência urbana, apontou como uma das causas da criminalidade no Brasil a atuação da mídia na apologia da violência.
Grito de alarme
A chefia de Redação afirma que a preocupação com a forma como temas ligados a violência são tratados é antiga. De fato, em 2002 houve uma reforma geral na estrutura redacional. Foi extinta a editoria de Polícia e toda cobertura da área foi inserida no cotidiano da cidade. A chefia não vê exageros nas manchetes e cita frase do professor e jornalista Ciro Marcondes Filho (‘ao jornalismo cabe dar o grito de alarme’) para destacar a importância em dar visibilidade ao tema.
Em um levantamento das capas dos últimos dois meses do O POVO, excetuando-se o segundo clichê, foram constatadas, em outubro, 8 manchetes sobre violência, das 31 possíveis. Um percentual de 26%. Foram ainda 7 de Educação e 5 de greves. Em setembro, das 30 manchetes, 10 falam de violência (33%), 5 de Política e 4 de Esportes.
Capacitação
Realmente o jornal não pode simplesmente omitir a notícia. Mas pode qualificá-la. Deve fugir do simples factual de relatórios policiais – como já vem fazendo em séries especiais – e investir em conteúdos, estatísticas e análises. Precisa estimular a capacitação dos profissionais da área, cobrar e mostrar soluções.
É verdade que a leitora pode até continuar com a sensação do medo, afinal são horas e horas de violência transmitida nos programas policiais das tevês e rádios. Mas terá a certeza de encontrar algo diferente no jornal.
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