Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

“Elton John ‘esfriou a plateia’, onde ‘sobraram alguns cinquentões com sorriso no rosto’ (Folha) ou o ‘público vibrou a cada gesto do cantor inglês’ (‘Estado’)?

O show de Mike Patton, vocalista do Faith No More, foi ‘original e surpreendente’ (Folha) ou apenas ‘uma enxurrada de clichês musicais, num clima de tarantela americanizada’ (‘Estado’)?

O NX Zero merece estar entre as melhores performances (Folha) ou foi um zero à esquerda (‘O Globo’)?

As divergências acima dizem respeito ao Rock in Rio, que termina hoje. Elas desnudam o grau de subjetividade que existe na crítica musical -até em aspectos empíricos, como a reação do público.

Exemplos assim devem se tornar cada vez mais frequentes. Megashows no Brasil não são mais bissextos, mal termina esta edição do Rock in Rio, que reuniu 100 mil pessoas por noite, começa o SWU, com 12 atrações internacionais de peso.

Está na hora de o país ter uma crítica de rock mais profissional. Não basta jogar às alturas ou aos fogos do inferno. Quem escreve deve levar em consideração os objetivos do artista. ‘É uma estupidez completa dizer que as letras de axé são ruins. O que esse gênero se propõe é fazer as pessoas pularem Carnaval. E faz. O rock também é um troço simples, mas há espaço para ambições maiores, o duro é cumpri-las. Nesse sentido, o Vanguart é muito pior do que a Ivete Sangalo, porque ela chega aonde se propõe’, afirma André Forastieri, 46, do site ‘R7’.

A crítica deve informar, não só opinar. Quem escreve precisa ter repertório, conhecer história do rock e, sonho de consumo, ter uma razoável formação cultural.

‘Criticar show não é contar quantas vezes a Rihanna mudou de roupa ou dizer que Claudia Leitte entrou voando. Precisa entender o contexto em que a banda estourou, o porquê daquelas músicas, avaliar a empolgação no palco’, diz André Barcinski, 43, que escreve para a Folha.

Todos esses elementos ajudam a diminuir o peso do gosto pessoal, mas não o eliminam. Isenção total não existe. Quanto mais sincero o jornalista, mais ele deixa explícitas as suas idiossincrasias.

‘Tem coisas altamente importantes na música pop para as quais a gente torce o nariz. Rock progressivo, por exemplo. Não dá pra desprezar um Genesis, Yes ou Emerson Lake and Palmer’, diz o músico e produtor Kid Vinil, 56.

Marcelo Orozco, 44, editor da ‘Vip’, usa como exemplo um jornalista fã do Sex Pistols, que será incapaz de elogiar um show de Dave Matthews Band. ‘O problema é avaliar um levando em conta os padrões do outro. Os leitores se sentem, com razão, aviltados.’

O ideal é que o crítico tenha alguma afinidade com o que vai cobrir, mas não em demasia. Não deve se comportar como fã. ‘É o desapego que faz com que o cara diga certas verdades, que, se ele tiver uma relação emocional com o tema, vai omitir’, assinala Pablo Miyazawa, 33, editor-chefe da ‘Rolling Stone’.

O ‘desapego’ permite ao resenhista ser implacável. No segundo Rock in Rio (1991), Luis Antônio Giron escrevia na Ilustrada que ‘Prince se deixou acompanhar por uma banda cujo som equivale a 80 Titãs bem-amestrados’.

Desde então, muita coisa mudou. Prince e Titãs estão no ocaso e as pessoas não precisam mais da mídia tradicional para conhecer novos artistas: elas têm rádios na internet, sites de música, blogs, jornais especializados, YouTube, redes sociais.

Acabou-se o tempo em que privilegiados tinham acesso à produção estrangeira e traziam as novidades a Pindorama. Só que a quantidade de bandas novas é tamanha que os críticos de jornais e revistas servem de chancela. Eles são uma bússola no oceano pop. Não é o poder de outrora, mas ainda é uma tremenda responsabilidade.”