Em sua coluna deste domingo [6/7/08], o ombudsman do New York Times, Clark Hoyt, escreveu sobre a conduta do diário em divulgar, há duas semanas, o nome do interrogador que fez com que Khalid Shaikh Mohammed – apontado como o mentor dos ataques do 11/9 – começasse a falar sobre o episódio. O interrogador Deuce Martinez e sua família temem que a atitude do jornal possa ter colocado em perigo suas vidas – e muitos leitores questionaram o motivo que levou o NYTimes a fazê-lo.
O repórter Scott Shane e seus editores alegaram que divulgar o nome foi necessário para a credibilidade da reportagem, que tinha Martinez como personagem central. Além disso, eles afirmaram que ninguém tem provas de que a vida do interrogador corra mais risco do que a de outras pessoas identificadas na mídia por seu papel na guerra contra a al-Qaeda – como ex-funcionários da CIA e da base militar de Guantánamo, promotores militares, o advogado que escreveu memorandos do Departamento de Justiça justificando técnicas cruéis de interrogatório e até um policial que ajudou a prender um terrorista.
O NYTimes explicou brevemente, em uma nota dos editores no sítio do diário, sobre os motivos para a divulgação do nome do interrogador. Não informou, no entanto, que tomou cuidados ao fazê-lo: por causa dos temores de Martinez, o jornal não usou seu nome real, e sim um apelido; o jornal ainda alertou Martinez sobre um sítio em que ele havia postado grande quantidade de informações pessoais – retiradas antes da publicação do artigo.
Jornalismo vs. Governo
O episódio envolveu o choque de duas éticas profissionais – a do jornalismo e a da inteligência do governo, que se opõem quase que completamente em relação à transparência de informações. Com o artigo, veio o debate sobre como pesar o direito dos leitores à informação de um dos aspectos mais controversos da guerra contra o terror: o interrogatório dos prisioneiros.
Shane começou a trabalhar na pauta em março e rapidamente decidiu que o foco seria Martinez, que trabalhava internamente na CIA e não como agente secreto. O interrogador conseguiu ter um ótimo desempenho com suas técnicas no caso de Mohammed, sem usar tortura. Anteriormente, o terrorista havia sido torturado, sem sucesso, com afogamento. O repórter procurou ajuda da agência para escrever a matéria, mas nem a CIA nem o interrogador aceitaram. Martinez trabalha hoje para uma empresa privada.
Negligência
Depois de Shane ter entrado em contato com amigos e colegas de trabalho para conseguir uma entrevista com o ex-interrogador, Mark Mansfield, diretor de relações públicas da CIA, enviou uma carta a Dean Baquet, chefe da sucursal do NYTimes em Washington. Na mensagem, ele dizia que divulgar o nome do interrogador seria ‘irresponsável e negligente’ e poderia ‘colocar em risco a vida deste americano e de sua família’ ao torná-los alvos da al-Qaeda.
Mansfield escreveu ainda que, no debate sobre as técnicas de interrogatório da CIA, Martinez poderia ser ‘vulnerável a pessoas que acreditam erroneamente que precisam ir contra a tortura diretamente’. Baquet solicitou então um encontro para discutir o pedido da CIA, mas Mansfield recusou. Isto significou para Baquet, Shane e Rebecca Corbett, editora da matéria, que a CIA não estava tão preocupada com o assunto.
Ainda assim, o repórter sabia do temor de Martinez e pediu mais informações à CIA para tentar entender o tamanho do problema em divulgar sua identidade. Ele ligou para John Kiriakou, ex-agente secreto que foi o primeiro a interrogar outro terrorista da al-Qaeda, Abu Zubaydah. Kiriakou revelou voluntariamente sua identidade em dezembro do ano passado e Shane queria saber os motivos que o levaram a fazer isto. O ex-agente mencionou uma ameaça de morte no Paquistão e não deu mais detalhes, porém aconselhou o repórter a não divulgar o nome de interrogadores. Kiriakou chegou a levar a família para o México por um tempo, aconselhado pela CIA, que já tinha fornecido segurança para sua casa. Ele alegou que também perdeu o emprego em uma grande empresa porque seus patrões temiam que a al-Qaeda atacasse os escritórios para pegá-lo.
Histórico
Dois dias antes da publicação da matéria, o general Michael Hayden, diretor da CIA, ligou para Bill Keller, editor-executivo do diário, para pedir que o nome de Martinez não fosse divulgado. ‘Tive a impressão de que ele estava me pedindo isto mais por respeito a Martinez e às preocupações de sua família do que por uma preocupação da CIA’, diz Keller. Por meio de um porta-voz, Hayden afirmou ter ficado ‘desapontado com a decisão do jornal’.
Neste caso específico, Hoyt alega que não há histórico de perseguição da al-Qaeda a indivíduos americanos por retaliação, pois a organização terrorista prefere ataques dramáticos que matam indiscriminadamente. Martinez não recebeu ameaças desde a publicação do artigo.