O ex-chefe da Scotland Yard Paul Stephenson inaugurou na terça-feira (19/7) a sessão de depoimentos na Câmara dos Comuns sobre escutas ilegais praticadas por jornais britânicos. Era meio-dia em Londres. Depois dele seriam ouvidos o ex-vice-chefe John Yates, e, à tarde, o dono da New’s International, Rupert Murdoch, seu filho James, dirigente do conglomerado na Europa, e Rebekah Brooks, até sexta-feira (15) a chefe das operações dos jornais de Murdoch no país. (A BBC oferece, ao lado do vídeo ao vivo, um serviço que acompanha com textos curtos o desenrolar das sessões.)
O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, encerrara uma visita à África e se preparava para debater com os parlamentares no dia seguinte, quando começariam as férias dos legisladores, adiadas. Ao lado do cadáver metafórico do News of The World jazia o cadáver do jornalista Sean Hoare, encontrado morto na segunda-feira (17). Hoare foi um dos primeiros a dizer que Andy Coulson – ex-editor do NoW e ex-assessor de imprensa de Cameron, nessa ordem – sabia das escutas ilegais. A polícia disse não ver indícios de conexão entre a morte do jornalista e o caso das escutas, mas está ela mesma sob pesadas suspeitas.
O líder da oposição trabalhista, Ed Miliband, que tivera o topete de desafiar o até então todo-poderoso Murdoch, alvoroçava-se de olho num possível abalo fatal do governo da coalizão conservadora. Talvez esquecido de que os ex-primeiros-ministros Tony Blair e Gordon Brown, de seu partido, alimentaram, no poder, a promiscuidade entre líderes políticos britânicos e a turma de Murdoch, como aponta Luiz Egypto (ver “Manual de Promiscuidade”).
Três lições universais
Poder, polícia, negócios e mídia: uma articulação universal.
No Brasil, poder-se-iam apontar, por exemplo, os episódios que envolveram o então ministro Luiz Gushiken, a operadora de telefonia Brasil Telecom, o banqueiro Daniel Dantas, a Abin e o delegado da Polícia Federal Protógenes Guimarães. E todos os veículos jornalísticos que foram acusados de tomar partido ao noticiar ou analisar a “Operação Satiagraha”.
Mas será sempre um equívoco comparar realidades nacionais diferentes. As histórias, os povos e sua formação cultural são muito diferentes: obviedade que é soterrada diariamente em nome de “esquentar” reportagens e títulos.
A crise inglesa, como assinalam vários colaboradores nesta edição do Observatório, é uma crise de toda a imprensa. O que ela tem para ensinar a todos talvez possa ser resumido em três tópicos:
- O que houve (e há) foi bandidagem midiática, não jornalismo. Ações de pessoas que se aproveitam das liberdades democráticas para não apenas forçar os limites da ética e da legalidade, mas para aboli-los, na prática.
- A bandidagem midiática quase sempre anda de mãos dadas com a bandidagem policial. Como dizia o inesquecível João Rath, “não há nada mais parecido com um policial do que um jornalista”. No famoso caso da Escola Base (São Paulo, 1994; acusações infundadas de violência sexual contra crianças levaram ao fechamento da escola), a irresponsabilidade dos jornalistas foi o canal que propagou a irresponsabilidade de um delegado de polícia.
- Não se deve confundir o poder político com o poder de influência da mídia. Salvo raras exceções (Silvio Berlusconi é a mais patética das últimas décadas), poderosos da imprensa, mais do que exercer propriamente o poder, operam para usar sua influência dando a ideia de que são o poder. Um poder não eleito, mas aclamado pelos índices de audiência. Não são o poder, por mais que o falecido Roberto Marinho tenha sido o examinador de Maílson da Nóbrega antes de ele ser nomeado ministro da Fazenda do governo de José Sarney. O ocupante do poder era Sarney, com suas circunstâncias. O que mais interessa homens de negócios bafejados com a imagem de kingmakers é acertar com os governos assuntos – legislação, políticas públicas, decisões administrativas, recursos − que lhes interessam empresarialmente. O resto é cenário.