Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Este jornal demonstra ser adepto da ‘teoria do grande homem’, formulada em meados do século 19 pelo historiador e filósofo escocês Thomas Carlyle. ‘A história do mundo não é nada mais do que a biografia de grandes homens’, dizia, em sua inabalável admiração por heróis, fossem reis, políticos, militares, poetas ou santos.

Assim, na quarta-feira, ao apresentar a final da Copa do Brasil, a manchete do caderno esportivo foi: ‘Ronaldo tenta preencher lacuna em seu currículo’. Para a Folha, o jogo não era entre Corinthians e Internacional, mas entre Ronaldo e seu currículo.

O mais importante não era o time que foi rebaixado da elite do futebol brasileiro no ano passado estar para ganhar um de seus títulos mais importantes. Era se Ronaldo ia colocar na sua lista de conquistas a de um campeonato disputado no Brasil.

Não se dá muito valor ao papel do técnico, dos dirigentes, dos outros jogadores, da torcida, nem se dá atenção às circunstâncias históricas, econômicas, esportivas que levaram o Corinthians ao sucesso. Foi o ‘grande homem’ que venceu. O resto é resto.

O fascínio com a celebridade se manifestou na cobertura do show da morte de Michael Jackson. A Folha deu mais espaço e destaque a ele do que os jornais americanos. A obsessão pela celebridade, muito bem retratada no filme indicado abaixo, parece estar se tornando marca registrada deste jornal, que em princípio é de referência.

A Folha está antenada com o seu tempo. No magistral livro recomendado ao lado, Richard Sennett descreve como a sociedade ocidental ao longo dos séculos 19 e 20 foi se deixando dominar pelo narcisismo desregrado que privatizou definitivamente a existência social. E Sennett escreveu seu trabalho há 30 anos, antes dos facebooks e blogs.

Metódica e documentadamente, Sennett mostra como a incivilidade tomou conta das relações sociais a ponto de só o que é pessoal, individual, referente aos sentimentos íntimos (especialmente os das estrelas) interessar.

No mundo contemporâneo, a aprovação ou a censura se dirigem aos atores, não às ações. ‘O que importa não é tanto o que a pessoa fez, mas como ela se sente a respeito.’

Em todas as esferas. Na política, por exemplo, ‘o líder carismático moderno destroi qualquer distanciamento entre os seus próprios sentimentos e impulsos e aqueles de sua plateia e, desse modo, concentrando os seus seguidores nas motivações que são dele, desvia-os da possibilidade de que o meçam pelos seus atos’.

A mídia eletrônica, ensina Sennett, insufla esse ânimo coletivo que exige dos famosos um ‘strip-tease psíquico’ público permanente (no caso de Michael Jackson, chega até o túmulo). E o faz porque a sociedade assim deseja.

O jornalismo impresso deveria ser um contraponto de civilidade. É uma pena que esta Folha pareça se recusar a exercê-lo.

PARA LER

‘O Declínio do Homem Público’, de Richard Sennett (tradução de Lygia Araujo Watanabe), Companhia das Letras, 1989 (esgotado em livrarias, encontrado em sebos e sites de compra e venda)

PARA VER

‘O Diabo Veste Prada’, de David Frankel, com Meryl Streep, 2006 (a partir de R$ 19,90)’

***

‘É simples saber se ficha é falsa’, copyright Folha de S. Paulo, 5/7/09.

‘Pela quarta vez, volto ao tema da reportagem de 5 de abril em que reprodução de suposta ficha criminal da ministra Dilma Rousseff dos tempos da ditadura foi publicada.

Depois de a ministra ter contestado que a ficha fosse autêntica, o jornal reconheceu não ter comprovado sua veracidade. Considerei insuficientes as justificativas para os erros cometidos e sugeri uma comissão independente para apurá-los e propor alterações de procedimentos para evitar repetição.

A Redação, no entanto, considerou a averiguação encerrada. Na semana retrasada, a ministra me enviou laudos por ela contratados que atestam a falsidade do documento.

Ao noticiar a existência dos laudos no domingo, o jornal, em termos tortuosos, sugeriu que ainda há dúvida sobre a fidedignidade do documento porque o original cuja reprodução ele publicara não foi examinado.

Se a Folha quer mesmo esclarecer o assunto, é simples: deve identificar a fonte que lhe enviou eletronicamente a ficha (assim, o público avaliará sua credibilidade) e instá-la a fornecer o documento original para exame de peritos isentos e pagos pelo jornal.

Só isso elucidará o caso, embora para leitores especializados em artes gráficas, nem seja necessário. Alguns me mandaram material convincente para comprovar a fraude.

Um deles, André Borges Lopes, diz que ‘trata-se de falsificação tão grosseira que qualquer técnico do departamento de arte do jornal poderia detectar os indícios de fraude em cinco minutos de análise’.’

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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 5/7/09.

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