Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Desde o caso da morte de Isabella Nardoni, em abril, o ombudsman não recebia tantas mensagens sobre um mesmo assunto numa semana, como nesta, de Ano-Novo, sobre o conflito entre Israel e palestinos.


Como é natural, com grande carga de emoção em todas e clara divisão entre as que veem no jornal proteção para um ou outro lado.


Dois leitores se queixaram de fotos de crianças mortas. Zuleika Haddad perguntou: ‘Por que a Folha precisa estampar foto de uma menina de 4 anos em seu funeral?’. Geraldo Pietragalla Filho argumentou que as fotos ‘em nada contribuem para a compreensão dessa guerra insana; são manifestações mórbidas’.


A morbidez deve ser evitada a todo custo, e o jornal precisa tomar muito cuidado com isso. Não acho que tenha esbarrado nela por enquanto.


Imagens fotográficas chocantes podem servir a propósitos humanitários e ajudar a manter vivos na memória coletiva horrores inomináveis e, com isso, dificultar a ocorrência de similares.


Como as dos prisioneiros dos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, das deformidades provocadas em crianças pela poluição na baía de Minamata, das torturas impostas a prisioneiros iraquianos por soldados dos EUA em Abu Ghraib, dos efeitos de bombas de napalm sobre civis sul-vietnamitas, como a garota Kim Phuc (…).


Não é agradável ver essas cenas. Mas às vezes é indispensável.


Quanto à cobertura em palavras do que vem ocorrendo em Gaza, a Folha começou muito mal. No sábado, enquanto os primeiros ataques aéreos ocorriam e prenunciavam o que viria, o jornal circulava com a avaliação de que a expectativa era a de que as tensões arrefecessem depois de Israel ter permitido a chegada de medicamentos e alimentos a Gaza.


Foi o contrário que ocorreu. Nunca é bom para um jornal antecipar algo e ocorrer o oposto. Mas faz parte dos riscos desta atividade.


O importante é que a Folha entendeu logo a importância dos fatos e melhorou muito ao longo da semana no seu acompanhamento. Na segunda, já estava na fronteira de Israel com Gaza seu enviado especial, que tem oferecido ao leitor o que só um jornalista do próprio veículo consegue fazer: mostrar os acontecimentos da perspectiva de real interesse do público específico.


A preocupação com o equilíbrio tem sido ostensiva. Sempre saem artigos em defesa dos dois lados em espaço comparável, descrevem-se as condições de vida dos habitantes das duas áreas (apesar da proibição à entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza), o texto de Adrian Hamilton, do ‘Independent’, na sexta, sobre as causas do conflito, é exemplarmente isento.


Ainda falta muito a fazer, inclusive analisar com mais profundidade as posições do governo brasileiro e suas pretensões. Não será possível agradar a todos os leitores. Mas o caminho que o jornal vem seguindo é o certo.


Dois jornais, dois juízes e suas diferenças


O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, apareceu nas páginas da Folha 651 vezes durante o ano passado. O da Suprema Corte dos EUA, John Roberts, esteve nas do ‘New York Times’ no mesmo período 742 vezes. A diferença não é expressiva.


O que impressiona é a maneira como Roberts surge no ‘Times’ em comparação com Mendes na Folha.


Roberts está no jornal quase exclusivamente em citações de suas opiniões nos casos que julga e de suas intervenções nas audiências que norteiam a decisão dos juízes. Ou quando alguém se refere a ele: políticos, colunistas, editoriais.


Há só uma declaração de Roberts no ‘Times’ fora da corte: de 31 de dezembro de 2008, quando pediu ao Congresso que aumentasse o salário dele próprio e de seus colegas.


Roberts quase não dá entrevistas. No ano passado, nenhuma que eu tenha conseguido localizar. Também não faz discursos fora do tribunal.


Em 2006, falou à rede de TV ABC, e foi criticado por ter citado memórias de juventude.


Mendes é diferente, em especial neste jornal, que lhe confere status de celebridade, nos seus piores aspectos. Em 50 textos em 2008, ele aparece fazendo declarações, muitas de cunho político, algumas repetidas duas vezes com títulos semelhantes (‘o habeas corpus é como o ar’) no espaço de quatro dias (12 e 16 de dezembro).


Se Roberts e a rede ABC foram atacados por ele ter se lembrado de seus dias como jogador de futebol no colégio e demonstrado camaradagem excessiva com a entrevistadora, o que se diria se aparecesse como a revista Serafina deste jornal retratou Mendes em 8 de junho, em reportagem chamada ‘O amor e o poder’, em que ele e sua mulher posavam na intimidade do lar como se fossem astros de cinema?


Para ler


-‘Enviado Especial’, de Clóvis Rossi, editora Senac, 1999 (a partir de R$ 43,45) Seleção de reportagens feitas pelo colunista da Folha no exterior, com um capítulo sobre Israel e palestinos de 1991 e 1996


-‘Jornalismo e Desinformação’, de Leão Serva, editora Senac, 2001 (a partir de R$ 27,65) Reflexões sobre o papel da imprensa em situações de conflito internacional a partir da experiência do autor como correspondente de guerra na ex-Iugoslávia


Para ver


-‘Bem-vindo a Sarajevo’, de Michael Winterbottom, com Woody Harrelson, 1997 (a partir de US$ 13,49 em sites de venda americanos) Ambientado em 1992, filme mostra grupo de jornalistas que cobre a guerra na Bósnia e o envolvimento emocional de alguns deles com um dos lados


-‘Procedimento Operacional Padrão’, de Erroll Morris, 2008, em exibição pelo Brasil A partir de entrevistas com os torturadores, a reconstrução dos horrores praticados por soldados americanos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, que ficaram conhecidos a partir de divulgação de fotos pela imprensa


Assuntos mais comentados da semana


1. Israel e palestinos


2. Ronaldo e Corinthians


3. Promessas de Kassab


Onde a folha foi bem…


ACORDO ORTOGRÁFICO


Jornal está fazendo boa cobertura, com serviços úteis e variedade de opiniões, sobre o acordo ortográfico em vigor desde quinta


CHARGES DO ANO


Ficou boa a página na quinta com algumas das melhores charges publicadas no ano


KENNETH MAXWELL


Retorno do colunista da página A2 nas quintas é segurança de comentário semanal inteligente e sofisticado


…e onde foi mal


RONALDO


Exageros injustificáveis na cobertura da chegada do jogador ao Corinthians e considerar privilégio o que a lei assegura a todos (licença para ficar com filho recém-nascido) desagradam a muitos leitores


SEXISMO


Identificar reportagem sobre boxeador que se revela homossexual com a expressão ‘luvas de cetim’ é nova demonstração de sexismo


HPV


Reportagem no sábado sobre a doença não explica o que significa sigla (human papilloma vírus, vírus que causa lesões na pele ou mucosa); quem não sabia teve de descobrir fora do jornal


PRÓ-MEMÓRIA


Temas a serem retomados


1. Demissão em 2005 de funcionários da Cetesb, que contestam legalidade da medida


2. Paradeiro do pai de Eloá Pimentel e suas supostas relações criminosas com Lindemberg Fernandes


3. Caso Igor Ferreira, promotor acusado de ter matado a mulher, foragido desde abril de 2001′