Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘NO ALTO DA capa da Folha de domingo passado, estavam lado a lado a vida Severina descrita por João Cabral de Melo Neto (‘vida a retalho que é cada dia adquirida’) e a vida Serafina, que ele não designou assim, mas a que se referiu ao falar das ‘belas avenidas onde estão os endereços e o bairro da gente fina’ em ‘Morte e Vida Severina’, auto de natal pernambucano de 1955.

Lá estavam o carroceiro, que ganha R$ 13,60 para percorrer 50 km de ruas, e a modelo, que recebe R$ 15 mil para desfilar nos 30 metros de passarela. Ela fatura R$ 500 por metro; ele, R$ 0,000272.

É possível argumentar que se tratava de uma boa descrição do Brasil, já apelidado de Belíndia (mistura de Bélgica e Índia), a ‘terra de contrastes’, como diz o chavão.

Provavelmente a vizinhança editorial não ocorreu porque o jornal quisesse chamar a atenção do leitor para o abismo social que separa ricos de pobres nesta sociedade. É mais provável que tenha resultado de uma fórmula engessada, que manda colocar lado a lado os suplementos, no caso as revistas do jornal.

Os mais sensíveis terão se sentido afrontados com o disparate da oposição exibida involuntariamente. Como se duas reportagens, uma sobre o cardápio de um restaurante cinco estrelas e outra sobre o rancho servido num presídio, tivessem sido editadas juntas na página de gastronomia.

A novidade jornalística não era a exibição das diferenças de renda, mas a estréia de Serafina, o novo produto da edição dominical a cada mês da Folha, cuja proposta é ‘passear’ por nomes em evidência no Brasil e no mundo, segundo a diretora do núcleo de revistas do jornal disse a ‘Meio&Mensagem’.

É uma revista que trata de celebridades. Minha opinião é que não passa por aí o caminho que vai garantir relevância aos jornais diários em sua luta pela sobrevivência. No entanto, devo analisar o produto sob a ótica dos leitores e da lógica estratégica que a Folha se propõe a seguir.

Dos leitores que se dirigiram ao ombudsman para comentar a revista, 60% não gostaram. Dos demais, 20% disseram ter gostado, mas reclamaram por ela não circular além da Grande São Paulo, Rio e Brasília. Os outros 20% reclamaram da falta de mulheres e negros entre os personagens focalizados.

No gênero das revistas de celebridades, Serafina me parece um bom produto. Acho esquisito o título, que a exemplo de ‘Piauí’ parece querer chamar a atenção ao explorar a contradição entre um produto sofisticado e um nome associado à pobreza, algo um pouco acintoso e debochado, a meu ver.

Creio que as páginas iniciais se parecem desnecessariamente demais com o modelo ‘Caras’. Nos últimos 25 anos, este jornal tem imposto padrões à imprensa; não é agora que deveria precisar copiar o dos outros. De resto, Serafina pareceu-me acima da média das similares.

A dúvida é se o leitor da Folha aprecia esse gênero. A maior parte dos que se manifestaram chamou a revista de ‘lixo’’, ‘lamentável’, ‘inútil’, ‘tendenciosa’. Alguns a classificaram de ‘muito linda’, ‘novo design’. Acredito que a maioria silenciosa a tenha aprovado sem entusiasmo.

Tudo isso são opiniões, discutíveis, portanto. Irrefutável é que um grupo de assinantes e compradores avulsos está sendo prejudicado ao não receber Serafina com o seu jornal, embora pague por ele o mesmo preço (ou mais).

Qual seria a reação editorial da Folha se produtores de leite passassem a vender para fora dessas regiões embalagens com 900 ml pelo mesmo preço do litro vendido em São Paulo, Rio e Brasília?’

***

‘Privacidade dos olimpianos’, copyright Folha de S. Paulo, 4/5/08.

‘Ronaldo Nazário, o ‘Fenômeno’, poderia ter sido um dos personagens da edição de estréia de ‘Serafina’. Ele freqüenta habitualmente as páginas desse tipo de revista, na condição de rico e famoso.

Existe uma indústria que vive da exploração da imagem desses personagens ‘olimpianos’, fenômeno típico do século 20: gente famosa não só pelo que fazem, mas pela vida que levam, como define o ensaísta Clive James.

Entre os principais beneficiários dessa atividade, estão evidentemente as próprias celebridades, que recebem pequenas fortunas para promover produtos ou eventos e, para tanto, precisam estar sempre em voga.

Acontece que nem sempre tudo é charme e beleza na vida dessas pessoas. Quando algo desagradável ocorre e o jornalismo noticia, nunca falta quem reclame de invasão de privacidade. Alguns leitores fizeram isso no caso entre Ronaldo e travestis.

Quem busca a celebridade e vive dela tem menos direito de reclamar respeito à privacidade que os demais. Nisso concordam o Manual da Redação da Folha (que trata do assunto às páginas 27 e 28) e acadêmicos como Diógenes V. Hassan Ribeiro, autor do livro recomendado nesta coluna.

‘São pessoas mais sujeitas à curiosidade alheia, até em razão de provocarem essa curiosidade por motivos profissionais, por interesses econômicos’, diz Ribeiro.

É claro que, ainda assim, há limites éticos e de bom gosto que devem ser respeitados caso a caso. No de Ronaldo, a meu ver, a Folha tem agido dentro dessas fronteiras.’

***

‘Frases de leitores’, copyright Folha de S. Paulo, 4/5/08.

‘‘É um verdadeiro lixo, linguajar de revista de fofoca, fotos sem propósito, gasto de páginas, papel e tinta no lixo’

LORENZO MENDOZA, sobre ‘Serafina

Mais uma vez a Folha vai lançar um produto que terá circulação restrita. Vou pagar caríssimo pela Folha de domingo em Porto Alegre e ela virá sem a Serafina. (…) É injusto pagar por um produto incompleto

ISRAEL DE CASTRO

ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA

1. Caso Isabella

2. Revista Serafina

3. Caso Ronaldo

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Suplemento Vitrine e primeira página publicam ranking de livrarias a partir de análise rápida de critérios subjetivos que carecem de precisão científica para permitir afirmações taxativas

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Primeira página de terça com quatro assuntos policiais em destaque: é muito para um jornal como a Folha

CORRIDA

Com freqüência, Folha Corrida repete fotos quase idênticas às publicadas internamente em desperdício de papel e do tempo do leitor

PARA LER

‘Proteção de Privacidade’, de Diógenes V. Hassan Ribeiro (2003, Unisinos) Excelente estudo sobre o tema do ponto de vista legal e ético (a partir de R$ 12,60)

‘Mortes em Derrapagem’, de Antônio Fausto Neto (1991, Rio Fundo) O livro mostra que até na morte a mídia trata os ‘olimpianos’ como paradigmas (à venda em sites que negociam livros usados)

PARA VER

‘Celebridades’, de Woody Allen, com Kenneth Branagh (1998) Ótimo filme sobre jornalista que cobre a vida de celebridades (a partir de R$ 12,90)’