‘O enorme poder que se atribui à mídia (mas que ela de fato não tem) de provocar mudanças na ordem política e social, é subdimensionado onde realmente existe, na esfera da vida privada.
Os efeitos sobre a pessoa comum vítima da atenção jornalística podem ser devastadores, em especial quando ela é acusada de crimes, contravenções ou malfeitorias.
A súbita notoriedade negativa abala o espírito, humilha os familiares, cria desconfianças, atrapalha negócios e relacionamentos, pode destruir o caráter e até levar ao suicídio, como se viu na semana passada no episódio do cientista americano suspeito de responsabilidade pelos ataques com antraz em 2001.
A presunção de inocência, uma das grandes conquistas da civilização, às vezes cai em baixa por conta da ansiedade coletiva e catártica de exigir punição imediata a bodes expiatórios.
E a imprensa várias vezes entra como acelerador de processos que freqüentemente resultam em injustiças terríveis. Alfred Dreyfus, na França, e quatro anarquistas italianos em Chicago, no final do século 19, foram injustamente condenados com grande participação de jornais que insuflavam argumentos políticos do agrado de leitores.
Há muitos exemplos recentes: o cientista Wen Ho Lee, acusado em 1999 de espionagem nos EUA com apoio de amplas e errôneas reportagens, os pais da garota JonBenet Ramsey, infernizados por suspeitas de a terem matado veiculadas pelas mídia; muitos dos 218 condenados, vários à morte, que desde 1989 foram libertados nos EUA graças a exames de DNA.
No Brasil, são tristemente célebres os episódios da Escola Base, do ex-ministro Alcenir Guerra, do ex-deputado Ibsen Pinheiro. Outra situação de provável injustiça pode ter ocorrido contra moradores de uma comunidade naturista no Rio Grande do Sul, acusados de pedofilia.
Aqui, a dependência da imprensa em relação ao Ministério Público e às polícias, mais o desejo de parte da sociedade em ver punições exemplares, tem levado a conclusões apressadas que, mesmo quando se confirmam equivocadas, têm conseqüências de difícil reparação.
Podemos estar diante de outro exemplo desse tipo. O médico Joaquim Ribeiro Filho, cujo nome nem eu nem a maioria absoluta dos leitores jamais havia ouvido ou lido antes, foi preso em 30 de julho pela PF, sob a acusação de manipular a lista de transplantes de fígado no Rio e desviar órgãos para fazer cirurgias em clínicas particulares.
A acusação se refere a apenas dois casos desde 2003. Num deles, o médico foi absolvido por unanimidade pelo Conselho Regional de Medicina; no outro, o transplante foi feito por meio de ordem judicial, o que não prova que seja inocente.
A Folha registrou o lado de Ribeiro Filho. Mas poderia ir além do pingue-pongue entre acusação e defesa. Deveria ver como funciona a fila dos transplantes, checar custos, entrevistar pacientes do médico, ouvir colegas, investigar as denúncias, recuperar o processo do CRM em que ele foi absolvido e as investigações feitas no segundo caso, contar a complexa história do jogo de poder no hospital em que trabalhava. Enfim, fazer jornalismo.’
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‘Bolas fora’, copyright Folha de S. Paulo, 10/8/08.
‘A Folha voltou a errar em escolha de manchete. Na quarta, deu o título principal para reportagem sobre criminalidade em São Paulo, que não revelava nada de novo: há mais assassinatos em bairros pobres e mais roubos em bairros ricos. E deixou como chamada estudos, segundo os quais a classe média virou maioria no Brasil, a porcentagem de miseráveis caiu de 35% para 25% em seis anos, e o ganho de renda dos pobres é mais sólido que antes.
Se, como na sexta, o jornal ocupar o ‘Painel do Leitor’ com contestações de candidatos, é melhor recomendar aos verdadeiros leitores que parem de escrever à Redação. Os candidatos vão querer responder a tudo que acharem desfavorável. E os leitores perderão o espaço que é seu.
Lugar de personagem da notícia é no noticiário; o ‘Painel do Leitor’ é do leitor.
Na quarta-feira, foi publicada carta em que a arquiteta Anne Marie Sumner pede ‘retificação e retratação’ em relação a frases atribuídas a ela que eram o cerne da reportagem da contracapa do caderno sobre o DNA paulistano de domingo. O jornal não se manifestou após a carta. Ela não disse o que o jornal lhe atribuiu? Ela disse coisa que foi deturpada? A Folha deve essas respostas.’
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‘Para ler’, copyright Folha de S. Paulo, 10/8/08.
‘‘O Inocente’, de John Grisham. Tradução de Pinheiro Lemos. Editora Rocco, 2006 (a partir de R$ 29,10) – em forma de romance, conta caso real de ex-ídolo do beisebol condenado injustamente à morte por homicídio
‘O Sol É Para Todos’, de Harper Lee. Tradução de Fernando de Castro Ferro. Civilização Brasileira, 1963 (a partir de R$ 27,90) – excelente romance (Prêmio Pulitzer de 1960) sobre condenação de inocentes provocada por preconceitos
PARA VER
‘A Vida de Emile Zola’, de William Dieterle (1936). Com Paul Muni (a partir de R$ 29,90). Relato do famoso caso de Alfred Dreyfus, em que a imprensa jogou papel decisivo na condenação injusta por traição no século 19
‘O Sol é Para Todos’, de Robert Mulligan (1962). Com Gregory Peck, Robert Duvall (R$ 19,90) – ótimo filme revela, em grande parte a partir da ótica infantil, os perigos de prejulgar a partir das aparências
‘Desejo e Reparação’, de Joe Wright (2007). Com Vanessa Redgrave e James McAvoy (a partir de R$ 39,90) – adaptação da obra-prima de Ian McEwan conta como um erro involuntário destrói a vida de um inocente
‘As Bruxas de Salem’, de Nicholas Hytner (1996). Com Daniel Day-Lewis e Winona Ryder (R$ 12,90) – adaptação da peça de Arthur Miller denuncia as tragédias que a ânsia coletiva de punir é capaz de ocasionar
ONDE A FOLHA FOI BEM
Farc
O jornal tem tido posição editorial correta, restrita aos fatos, na cobertura de denúncias quanto a relações entre as Farc e o PT
Tortura
Também no caso da possibilidade de punir casos de tortura no regime militar, o jornal tem sido prudente e eqüidistante
DNA paulistano
Outro projeto grande, com a participação do Datafolha, mostra como o jornalismo impresso pode ser indispensável
Eleições
Reportagens que checam factualmente o que candidatos dizem em debates e anúncios ajudam o leitor e o eleitor a decidir bem em quem votar
E ONDE FOI MAL
Antraz
Grande assunto, pela dimensão política, humana e de segurança, suicídio de suspeito no caso de antraz nos EUA foi praticamente ignorado
Minc e Unger
Os dois ministros mais marqueteiros têm sido premiados com grande espaço para seus factóides
Assuntos mais comentados da semana
1. Farc e PT
2. Caso Satiagraha
3. Estudos da FGV e Ipea’