Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘EM 42 DIAS , entre 4 de maio e a segunda passada, a Folha deu quatro manchetes principais para assuntos referentes a educação. Não é comum nos jornais brasileiros, este inclusive, dar tanto destaque a temas que não sejam de economia, política ou internacional. Em minha avaliação e na de muitos leitores, esta prática de relegar questões sociais a segundo plano é um dos piores vícios do jornalismo.

Nos 14 meses em que exerço este cargo, manifestei diversas vezes o desejo do público de que a educação volte a ter na Folha a prioridade de que desfrutava nas décadas de 1970 e 1980 e que perdeu.

Parece que a Redação está atendendo a esses apelos. Em 2008, até o dia 17 de junho, 72 matérias sobre educação haviam aparecido na primeira página; no mesmo período em 2009, foram 90. Muitas trataram de problemas da rede pública estadual, como livros didáticos com erros ou conteúdo inadequado para a faixa etária dos alunos que os receberam e o excesso de professores temporários.

Outras de projetos ou realidades nacionais, como os exames do Enem, o bom resultado acadêmico dos bolsistas do ProUni, o censo educacional e o alto índice de desistência dos alunos de supletivos. Perguntei à Redação se houve ordem para privilegiar a educação. A resposta foi: esta é uma prioridade editorial deste ano por ser ‘assunto que conjuga óbvia importância nacional e de interesse imediato do leitor’ e porque em pesquisas ‘costuma aparecer entre os primeiros itens apontados por assinantes’.

É ótimo que o jornal aquiesça à vontade expressa de sua audiência. Nem sempre isso ocorre. Mas o simples aumento do espaço e destaque para a educação é pouco. A Redação me informa que ‘está em discussão’ criar uma seção ou página de educação, como fez no ano passado para saúde. Outra boa possibilidade, mas ainda insuficiente.

A página de saúde foi muito bem-vinda, mas com frequência trata mais da ‘saúde privada’ (que não raramente resvala para o supérfluo) do que de políticas públicas, que interessam muito mais à sociedade. Espero que uma editoria de educação não incorra nesse modelo. Mas importante mesmo é a qualidade da cobertura. Há duas semanas a USP está engolfada em grave crise, e o trabalho deste jornal ao cuidar dela tem sido muito frágil, em minha avaliação.

Embora duas das reivindicações dos grevistas (aumento salarial dos funcionários e não implantação de cursos de graduação a distância) tenham finalmente sido objeto de reportagem nesta semana, o resultado foi superficial nos dois casos. Como fez em 2008 na greve dos professores paulistas, o jornal não vai fundo nos problemas que motivam esta na USP. E ir fundo é essencial quando o assunto é educação.

PARA LER

‘Mídia e Educação’, de Roseli Araújo Batista, Thesaurus, 2007 (R$ 25)

PARA VER

‘Entre os Muros da Escola’, de Laurent Cantet, de 2008, em exibição em São Paulo’

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‘Crítico demais por razão de menos’, copyright Folha de S. Paulo, 21/6/09.

‘Na segunda, uma chamada da capa do jornal foi sobre o programa Luz para Todos, do governo federal, que visa dar acesso à luz elétrica a 3 milhões de domicílios até o final de 2010.

Segundo a reportagem, foi contemplado 1,8 milhão de famílias até 2008 e será atendido mais 1,1 milhão neste ano e no ano que vem. Restarão 168 mil casas, pouco mais de 5% do total.

O título da chamada e a manchete da página A4 destacaram o descumprimento da meta, mas não que ele representa porcentagem relativamente pequena dela.

Sem contar que as coisas podem mudar até 2010 e as 168 mil famílias podem ser incluídas, o destaque para o não cumprimento integral do projeto induz à conclusão de que se tentou ser crítico demais por motivo de menos.

Na quinta, carta no ‘Painel do Leitor’, de Cláudio Sales, do Instituto Acende Brasil, dava dados mais poderosos para questionar o programa, que não constam da reportagem: ele previu recursos apenas para a instalação das redes de distribuição de energia e não para cobrir os custos de manutenção e operação das novas instalações.

Além disso, ‘90% dos recursos [do programa] vieram da conta de luz paga pelos consumidores, e os 10% restantes vieram dos governos estaduais’.’

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‘Onde a Folha foi bem…’ copyright Folha de S. Paulo, 21/6/09.

‘ONDE A FOLHA FOI BEM…

ELEIÇÃO IRANIANA

Com enviado especial correndo riscos de segurança, jornal faz cobertura quente e precisa da importante eleição presidencial iraniana

…E ONDE FOI MAL

SERRA E LULA

Na terça, notícia de primeira página informa que o governo federal autorizou o do Estado de São Paulo a elevar seu teto de endividamento; nenhuma análise explicou o significado político dessa ação, que beneficia o principal aspirante da oposição na eleição de 2010

GISELE BUNDCHEN

‘O sonho de toda mulher é ter filhos’ é a manchete de página da enésima entrevista de Gisele Bundchen a este jornal, publicada na quinta; a essa e outras platitudes ditas pela modelo, acrescenta-se a informação de que ela mesma abriu a porta do seu quarto para a entrevista

LULA E BORAT

Perfeitamente dispensável a menção ao personagem Borat no título do texto-legenda da capa de quinta com foto que mostra o presidente Lula em traje típico do Cazaquistão

PRÓ-MEMÓRIA

Operação Boi Barrica

Como estão as investigações da Operação Boi Barrica, da PF, que investiga o empresário Fernando Sarney e desde fevereiro não aparece no noticiário da Folha, que a divulgou primeiro, em outubro de 2008?’