Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 60 anos neste mês, ao mesmo tempo concede ao jornalismo prerrogativas e lhe impõe obrigações.

O artigo 19 garante a todos ‘a liberdade de procurar, receber e transmitir informações e idéias’, o que previne em princípio a possibilidade do exercício de censura.

Mas o artigo 12 afirma que ‘ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar’, o que também em princípio impede os veículos de comunicação de invadir a privacidade de alguém, por ser célebre ou anônimo.

A Folha, que desde a abertura política do regime militar brasileiro em meados da década de 1970, vem construindo uma boa reputação de veículo empenhado em promover os direitos humanos, abriu espaço amplo nas suas edições dos dias 10, 12 e 14 deste mês ao debate sobre a Declaração.

É louvável que o tenha feito. Mas o fundamental para o jornal manter e ampliar o sua tradição nesse campo tem de ser feito no dia-a-dia da cobertura.

A contradição entre liberdade de expressão e respeito à privacidade está longe de ser a única com que o jornalismo se confronta quando se compara seu modo de atuar com a Declaração.

Os meios de comunicação têm deveres sociais inerentes à sua condição. Entre eles, o de contribuir para assegurar o máximo cumprimento possível dos direitos propostos pela Declaração.

Como bem realçou o editorial deste jornal no domingo passado, ‘não existe ponto nesse documento histórico que não seja cotidianamente desrespeitado na esmagadora maioria dos países do mundo’, mas ‘considerar que a Carta da ONU consiste apenas numa peça de ficção seria uma maneira sutil de desqualificar o seu sentido mais profundo’.

É preciso que atores sociais relevantes se empenhem para fazer cumprir a Declaração. E a mídia no Brasil tem feito muito pouco nesse sentido. A pesquisa encomendada pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República comprova isso, ao constatar que apenas 20% da população a aponta como um dos três fatores mais importantes para garantir os direitos (bem abaixo da família, do indivíduo, do governo e da Justiça, entre outros).

Em geral, associa-se a ação da mídia nessa área à denúncia de violações aos direitos humanos, quase sempre quando ocorre privação indevida de liberdade, prática de tortura, injustiça ou violência física.

Mas não é só a isso que se resume o papel que a imprensa deve desempenhar. Há o direito ao trabalho e aos direitos trabalhistas, à saúde, ao bem estar, à habitação, ao vestuário, à instrução, ao lazer, ao repouso, à cultura, ao acesso aos serviços públicos e muito mais.

Para ser agente da implementação desses direitos, não basta ao jornal denunciar o seu desrespeito pontual. Ele precisa acompanhar metodicamente e de maneira competente a formulação e aplicação das políticas públicas que os envolvem. E ainda está longe de proceder assim de modo sistemático embora eventualmente faça bons trabalhos.

Santa Catarina não é nem Rio nem Tailândia

O leitor Marlon Salomon irritou-se, justificadamente, com esta coluna, que errou no domingo passado, quando a legenda da foto disse que Joinville fica no vale do Itajaí.

A falha o levou a refletir sobre como jornalistas, em geral, em vez de se aprofundar num problema singular, preferem sacar fórmulas genéricas prontas, ‘que valeriam tanto para SC quanto para RJ ou para um desastre na Tailândia!’.

Para mostrar que está certo, listou alguns aspectos específicos da questão das enchentes em Santa Catarina, que não foram abordados pela Folha, mas ainda podem e devem ser.

Ele argumenta: ‘quem tem o mínimo de informação sabe que as inundações dos anos 80 produziram um saber sobre as enchentes e áreas de risco que se transformou em um dispositivo da Defesa Civil. Há uma geografia do risco. Pesquisadores alemães vêm ao Brasil estudar esta questão’.

Salomon lembra que ‘os militares construíram uma barragem gigantesca no Alto Vale [do Itajaí] para conter as chuvas, uma verdadeira teratologia arquitetônica, obra que desestruturou as comunidades indígenas da região’ e ‘nos anos 90 houve quem quisesse recuperar essas fantasias a serem financiadas pelos japoneses’.

A partir daí, ‘surgiu um projeto sistêmico para todo o vale, o microbacias, que basicamente é um projeto de recuperação da mata atrelado a estratégias econômicas, sociais etc. A universidade de Tuebingen veio com uma grande equipe estudar este assunto’.

Pergunta o leitor: ‘Quem esteve no Instituto de Pesquisas Ambientais da Furb que reúne toda a inteligência sobre o assunto? Os jornalistas criticam que a universidade está isolada, centrada em seu mundo. Não se poderia dizer o mesmo do jornalismo neste episódio?’. A resposta cabe à Folha.

Para ler

‘Manual de Mídia e Direitos Humanos’, do Consórcio Universitário pelos Direitos Humanos e Fundação Friedrich Ebert, 2001 (disponível no link www.fes.org.br/media/File/inclusao-social/comunicacao/manual-de-midia-e-direitos-humanos-2001.pdf) – coleção de textos sobre como temas relativos à proteção dos direitos humanos são tratados pela mídia

Para ver

‘Um Grito de Liberdade’, de Richard Attenborough, com Kevin Kline e Denzel Washington, 1987 (a partir de R$ 19,90) – bom filme, baseado na história real do jornalista David Woods e sua luta para denunciar violações de direitos humanos na África do Sul sob o apartheid

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