Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘O leitor Stepan Oglouyan sintetiza o sentimento de muitos outros a respeito das edições dos recentes feriados prolongados de Natal e Ano Novo.

‘Creio que todos mereçam férias, inclusive jornalistas, mas não entendo como cadernos que não circulam todos os dias não possam ter suas matérias feitas com antecedência. Afinal, não dependem do noticiário atualizado. Custa deixarem matérias prontas para serem publicadas nas folgas dos jornalistas?’

Ele usa outro argumento quanto à ‘grossura’ (ou melhor, ‘finura’) do jornal nessa época: ‘Não é justamente nesses dias que gostaríamos e temos mais tempo de ler? Por acaso o jornal vem com desconto por não ter publicado tais cadernos?’

Não é só a falta de suplementos e colunas que reflete o clima de feriado na qualidade do jornal. Plantonistas parecem perder foco, diligência, tendem a fazer tudo depressa demais. E, embora a agenda diminua nos feriados, fatos não deixam de acontecer.

É um problema antigo nas Redações e de muito difícil solução. Mas alguma coisa precisa ser feita para evitar que esses problemas se repitam. O Carnaval e a Páscoa estão chegando, e a situação será a mesma. A cobertura do caso do atentado terrorista frustrado em avião que pousou em Detroit em 25 de dezembro é exemplar do resultado desse estado de espírito aparentemente distraído, relaxado, da Redação.

A manchete de Natal registrou ‘a maior vitória de Obama’ em seu primeiro ano de governo nos EUA, a aprovação da ambicionada reforma do sistema de saúde do país.

No dia seguinte, a Folha não pôs na capa e deixou abaixo da dobra em página interna a notícia da quase tragédia, o que modificou o panorama político americano, sem que seu leitor fosse informado disso.

Só em 1º de janeiro saiu análise minimamente satisfatória vinculando a falha na segurança aérea com as perspectivas políticas de Obama. No dia 30, embora tenha três jornalistas sediados nos EUA, a Folha recorrera a um texto de jornal inglês para dar (mal) conta desse recado. E ficou praticamente por aí.

Até sexta, o leitor da Folha não tinha recebido uma boa explicação sobre como Obama saiu em férias forte como nunca desde a posse e voltou fragilizado para um ano de importantes eleições legislativas.

O tema correlato do Iêmen é outro exemplo dos efeitos ruins desse clima de meia máquina de feriadão. Declarações claramente pró-forma do governo daquele país sobre suas ações contra a Al Qaeda foram registradas sem nenhuma ponderação crítica, a qual só emergiu aos poucos nesta semana.

Embora jornais estrangeiros cujos direitos de reprodução a Folha detém tenham explorado bem as razões para a Al Qaeda ter forte base de operações no Iêmen, essas explicações não chegaram ao seu leitor.

O livro abaixo mostra como terroristas como o nigeriano de Detroit são formados. E o filme, como ações militares, similares à que Obama fez no Iêmen em dezembro, são usadas para desviar a atenção pública.

PARA LER

‘Terror em Nome de Deus’, de Jessica Stern, tradução de Marta Góes e Mário Góes, Barcarolla, 2004 (a partir de R$ 40,50)

PARA VER

‘Mera Coincidência’, de Barry Levinson, com Dustin Hoffman, 1997 (a partir de R$ 29,90)

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‘A morte de uma ombudsman’, copyright Folha de S. Paulo, 10/1/10.

Morreu no dia 2 a jornalista Debora Howell, ombudsman do ‘Washington Post’ entre 2005 e 2008. Estava com 68 anos. Aos 34, tornara-se uma das primeiras mulheres a assumir o comando da redação de um grande diário americano, o ‘Minneapolis Star’. Foi uma ombudsman exemplar.

‘Meu valores são simplesmente estes: o jornalismo deve ser tão exato quanto seres humanos o possam tornar e tão esclarecedor, justo, honesto e transparente quanto possível’, escreveu ao assumir o cargo.

Em janeiro de 2006, cometeu um erro honesto, que logo reconheceu publicamente, sobre o caso Abramoff, que envolvia suborno a congressistas americanos. Foi alvo de uma virulenta saraivada de ataques pela internet.

‘Nada em 50 anos de carreira me preparara para milhares de e-mails ofensivos e obscenos. (…) É muito desanimador que o discurso político tenha afundado num nível em que xingamento e a mais grosseira linguagem sexual sejam a norma, onde não haja lugar para fatos na argumentação’, reagiu.

Uma bolsa de estudos em sua homenagem foi criada no curso de jornalismo da Universidade do Texas.

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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 10/1/10.

ONDE A FOLHA FOI BEM…

CAÇAS DA FAB

Com informações exclusivas, boas análises e artes, jornal faz excelente cobertura do processo de escolha dos novos caças da FAB

FOGUETE BRASILEIRO

No fim de semana passado, reportagens mostram como está atrasado o programa espacial brasileiro

…E ONDE FOI MAL

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Dois importantes intelectuais têm desavença sobre publicação de revista na USP e o caso fica restrito no jornal à coluna que o revelou e à seção de cartas, sem apuração pela reportagem

TERRORISTA

Na terça, nota sobre autor do atentado suicida contra a CIA no Afeganistão destaca sua nacionalidade, um detalhe, não a condição de agente duplo, o essencial

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Como está o processo de ressarcimento das dezenas de milhares de vítimas da Fazenda Boi Gordo?’