O Estado de S. Paulo, 29/3 Nova agressão ao Clarín O principal diário argentino, Clarín, saiu ontem com a primeira página em branco. Foi como o jornal denunciou a violência sem precedentes de que foi alvo no fim de semana – com a escandalosa cumplicidade do governo da presidente Cristina Kirchner. Piquetes iniciados tarde da noite de sábado e que durariam 12 horas, impediram que a edição dominical do matutino fosse às ruas. Em 65 anos de existência, passando por várias ditaduras, essa foi a primeira vez que o Clarín deixou de circular. A turba que se concentrou diante da gráfica onde o diário é impresso foi arregimentada pela máfia que controla a CGT, a maior entidade sindical argentina. Os gorilas que formam o estado-maior da central peronista, chefiada pelo notório Hugo Moyano, haviam advertido que sofreria represálias o órgão de imprensa que publicasse denúncias contra ele. A edição bloqueada do Clarín – a de domingo -, distribuída afinal no dia seguinte, continha uma reportagem sobre a abertura de uma investigação judicial a respeito do patrimônio do ex-caminhoneiro, com fotos das luxuosas habitações que o integrariam. Por sinal, o atual presidente do sindicato dos caminhoneiros é um filho de Moyano. Como é típico dos regimes autoritários em que o poder estatal é conivente com o banditismo dos sindicatos a eles associados, na formalmente democrática Argentina havia pelo menos meia centena de policiais no entorno da gráfica sitiada no sábado. Eles assistiram de braços cruzados à ação vandálica dos manifestantes, que incluíam, despudoradamente, mulheres carregando filhos pequenos. Esse foi o quinto assédio orquestrado contra a mesma editora desde novembro. Em 28 de janeiro, por exemplo, mais de 100 mil exemplares de publicações do Grupo Clarín deixaram de ser distribuídos por imposição do sindicato dos caminhoneiros. Naquele mês, o juiz Gastón Polo Olivera concedeu uma medida cautelar obrigando a ministra da Segurança, Nilda Celia Garré, a adotar todas as medidas preventivas necessárias para impedir que manifestações diante da gráfica onde roda o Clarín obstruam a livre circulação de pessoas e bens. A ministra, cinicamente, preferiu descumprir a ordem em vez de recorrer dela. Depois que a horda fez o que quis para barrar a saída do jornal, o advogado da empresa denunciou Nilda Garré à Justiça Federal por violação de deveres de funcionário público (prevaricação), desobediência a decisão judicial e ‘lesão constitucional’ (crime de responsabilidade) – no caso, ao direito à informação assegurado na Carta. Acrescentando insulto à injúria, o ministro do Interior, Florencio Randazzo, a única autoridade do governo Kirchner a se manifestar sobre a ação fascista do peleguismo argentino, ‘denunciou’ o que seria uma operação destinada a transformar um ‘protesto sindical’ em um atentado à liberdade de imprensa. Em resposta, além de deplorar a passividade do governo, a direção do Clarín expôs a falsidade da versão da CGT, prontamente encampada pelo kirchnerismo, ao afirmar que não existem ‘conflitos coletivos’ em nenhuma das empresas do Grupo. ‘As oficinas funcionam com absoluta normalidade e imprimiram tanto o diário como as suas revistas e suplementos.’ Não há quem ignore que desde o primeiro período dos Kirchner na Casa Rosada, sob a chefia do marido de Cristina, Néstor, falecido no ano passado, o governo investe por todos os meios contra as empresas de mídia que não se dobram à sua vontade. As outras são devidamente recompensadas, entre outras formas, mediante faustosos contratos de publicidade. Ficou famosa a pergunta do presidente quando o mais reputado jornal do país passou a criticá-lo. ‘Qué te pasa, Clarín?’ – em português coloquial o equivalente seria ‘Qual é a tua, Clarín?’ O editor geral do matutino, Ricardo Kirschbaum, afirma que a primeira página da edição de ontem deixada em branco simboliza ‘o silêncio forçado, a censura imposta por outros caminhos’ e representa uma metáfora ‘sobre no que poderá se converter o jornalismo na Argentina se seguirem restringindo os espaços de liberdade’. ‘O autoritarismo e a arbitrariedade’, assinala, ‘ganharam outra batalha, afetando os direitos de todos.’ O Estado de S. Paulo, 29/3 Marina Guimarães Governo incentiva ataque à imprensa, diz ‘Clarín’ O jornal argentino Clarín acusou ontem o governo da presidente Cristina Kirchner de ter sido omisso no episódio do piquete que impediu a circulação de sua edição de domingo. ‘O governo não fez nada para evitar o bloqueio, nem para cumprir a ordem judicial que garante o direito de livre circulação do jornal’, disse ao Estado o editor geral adjunto do Clarín, Ricardo Roa. Esse foi o quinto piquete nos últimos cinco meses, mas o primeiro a impedir a total distribuição do jornal. ‘Nem nos tempos da ditadura fomos impedidos de circular. É a primeira vez em 65 anos que deixamos de ser distribuídos’, lamentou Roa. Em janeiro, o Clarín obteve uma liminar para evitar que qualquer manifestação em sua gráfica impedisse a circulação do jornal. No domingo, porém, os poucos policiais que apareceram não tentaram dissipar o piquete. ‘Foi uma ação de intimidação política, um aperto para que não se fale de corrupção’, disse o jornal em seu editorial, em referência a uma reportagem sobre o incremento do patrimônio do líder sindical Hugo Moyano, aliado de Cristina. Em sua primeira edição após o piquete, o Clarín publicou duas capas: uma em branco, para repudiar o bloqueio; outra habitual, com títulos e chamadas. ‘A capa em branco é um símbolo do silêncio forçado’, escreveu o editor geral, Ricardo Kirschbaum. O jornal é o maior da Argentina, com uma tiragem diária média de 350 mil exemplares – 720 mil aos domingos. O piquete foi feito por empregados de uma das empresas do Grupo Clarín, que estavam acompanhados por ativistas kirchneristas e sindicalistas ligados a Moyano. O governo rejeita as acusações e atribuiu o fato a um conflito trabalhista. Roa, contudo, desmentiu a existência de problemas com seus empregados. ‘Não temos nenhum conflito trabalhista em nenhuma das empresas. O governo é cínico’, afirmou. Há dez dias, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), liderada por Moyano, havia ameaçado com piquetes os meios que publicassem denúncias contra o sindicalista. A promotora Marcela Solano pediu à polícia federal argentina explicações sobre o descumprimento da decisão da Justiça que garante a circulação do jornal. Para a senadora da Coalizão Cívica, Maria Eugenia Estensoro, de oposição, o governo está impedindo a liberdade de expressão na Argentina. ‘Para nós, o mais grave não foi o bloqueio em si, mas sim o fato de que o governo não tenha atuado para evitá-lo’, acusou Roa. O deputado da União Cívica Radical (UCR), Miguel Angel Giubergia, também opositor, apresentou na Câmara um pedido de julgamento político da ministra de Segurança, Nilda Garré, por desobedecer à Justiça. O depoimento dela está marcado para amanhã. O advogado do Clarín, Maurício de Nuñez, apresentou duas denúncias contra o governo pelo mesmo motivo. Ele pediu que os responsáveis pelo piquete sejam punidos. Para o analista Adrian Ventura, mesmo que o piquete tivesse sido por causa de um problema trabalhista, a Constituição argentina garante a liberdade de expressão. ‘Desde 2003, o governo foi tratando de manipular os meios de comunicação e se aproveita da estratégia dos caminhoneiros, porque é funcional’, disse. Cristina e o Clarín travam uma queda de braço desde 2008, quando o jornal defendeu a bandeira dos produtores rurais na briga contra a alta dos impostos de importação. Folha de S. Paulo, 29/3 Lucas Ferraz Jornal protesta e publica capa em branco Em protesto contra o bloqueio de sindicalistas pró-governo que o impediu de circular anteontem, o ‘Clarín’, maior jornal argentino, saiu ontem com a sua primeira página em branco. O diário, com 300 mil exemplares diários (o dobro aos domingos), foi alvo de um ato de trabalhadores ligados ao governo Cristina Kirchner, que impediram a saída de caminhões do seu parque gráfico. A medida afetou ainda o jornal esportivo ‘Olé’, do mesmo grupo. Outro grande jornal do país, o ‘La Nación’, também sofreu com a ação, mas o bloqueio, suspenso no meio da madrugada de anteontem, não impediu a circulação. Cerca de cem manifestantes, alguns ex-trabalhadores da gráfica do ‘Clarín’, ocuparam a entrada do parque gráfico do jornal, ainda no sábado à noite, reclamando a incorporação de funcionários demitidos. Segundo denunciou o ‘Clarín’, no grupo havia integrantes do sindicato dos caminhoneiros, controlado por Hugo Moyano, maior líder trabalhista do país. Aliado de Cristina e secretário-geral da CGT (Confederação Geral do Trabalho), a maior central sindical da Argentina, ele nega ingerência no episódio. Acusado de corrupção, o sindicalista, há duas semanas, ameaçou bloquear a circulação de jornais que publicassem ‘notícias infundadas’ a seu respeito, referência a uma investigação contra ele na Suíça pela suspeita de lavagem de dinheiro. A edição barrada do ‘Clarín’ trazia reportagem sobre o crescimento do patrimônio de Moyano, que seria incompatível com sua renda. AÇÃO JUDICIAL Cristina considera inimigos o ‘Clarín’ e o ‘La Nación’, críticos de sua gestão. Desde dezembro ocorreram cinco manifestações na porta das gráficas dos diários, mas a de anteontem foi a primeira que impediu a circulação de um jornal. Em janeiro, ao atender a pedido dos veículos, a Justiça ordenou que o governo federal promova meios para assegurar a distribuição. Acionada, a Polícia Federal (controlada pelo governo) esteve no local do bloqueio, mas nada fez para impedi-lo. Segundo disse à Folha Martín Etchevers, gerente de comunicação do ‘Clarín’, o jornal vai entrar na Justiça com uma ação contra o governo, por ter descumprido uma sentença judicial, e outra contra o grupo de manifestantes, por extorsão. A Sociedade Interamericana de Imprensa considerou o bloqueio um grave atentado à ‘liberdade de expressão’. Em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) do Brasil considerou o ato ‘intolerante e antidemocrático’. Ministros do governo Kirchner dizem que o episódio é trabalhista, não representando uma ameaça à liberdade de imprensa. Folha de S. Paulo, 30/03 Agressão ao ‘Clarín’ Mais um episódio na Argentina vem reforçar a constatação de que a liberdade de imprensa encontra-se sob ameaça no país vizinho. Desta vez, bloqueio de sindicalistas alinhados ao governo impediu, domingo, a circulação do ‘Clarín’, maior jornal da Argentina e alvo de perseguição da Casa Rosada há quase três anos. O embate começou em meados de 2008, quando o grupo de mídia se posicionou contra o governo em disputa com ruralistas acerca de imposto sobre a exportação de grãos. A elevação do tributo caiu no Congresso, primeira grande derrota de Cristina Kirchner. Na Argentina, como em tantos países da América Latina, o natural atrito entre imprensa e governo se transforma em uma batalha desigual, dada a capacidade coercitiva do Estado. Os ocupantes do poder não conseguem conviver com a fiscalização de suas ações. Os métodos empregados são similares. Sob o pretexto de irregularidades empresariais, estabelece-se uma ofensiva governamental para solapar algo que é crucial para os grupos de mídia no exercício da atividade jornalística, sua capacidade de manter independência financeira. Empresas de mídia, como todas as outras, devem submeter-se a escrutínio do poder público. O cenário argentino, contudo, configura uma perseguição. Desde 2008, o ‘Clarín’ foi alvo de blitz da Receita, com 200 fiscais ocupando a sede do jornal; sofreu uma série de reveses na lucrativa área de TV; foi impedido de oferecer serviços na internet; e enfrenta investigações sobre preços praticados pela fábrica de papel que tem em sociedade com o diário ‘La Nación’ e com o próprio governo. Nesse ambiente adverso, a decisão da Faculdade de Jornalismo de La Plata de agraciar Hugo Chávez só vem adicionar um toque de realismo fantástico ao enredo. A entrega do prêmio Rodolfo Walsh -jornalista e escritor vítima da ditadura argentina (1976-1983)- ao autocrata venezuelano, por sua suposta contribuição ‘à comunicação popular e à democracia’, não poderia ser mais inoportuna. Da Argentina ao Equador e da Venezuela à Bolívia, a imprensa independente sofre tentativas de intimidação por governos refratários à essência do jornalismo -apontar irregularidades e malfeitos. O Brasil, ao menos, parece livrar-se do vício de alguns líderes latino-americanos de agredir o mensageiro, em vez de enfrentá-lo com fatos e argumentos.