Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Conflito de interesses difícil de dissipar

Pode parecer difícil escrever uma matéria, mas mais difícil ainda é corrigir o que nunca deveria ter sido publicado, alertou, em sua coluna de domingo [7/11/10], o ombudsman do New York Times, Arthur Brisbane. Ele referia-se a uma coluna publicada no dia 9/10, escrita por Joe Nocera, sobre o novo executivo-chefe da Hewlett-Packard, Leo Apotheker.

Segundo Nocera, a decisão do conselho da HP em nomear Apotheker, ex-CEO da gigante de software alemã SAP, foi um grande erro porque ele estaria de algum modo envolvido no ‘roubo por atacado’ do código de software da Oracle, enquanto trabalhava na SAP. Esta apropriação indevida foi tema de uma ação aberta pela Oracle contra a SAP, há três anos. O tribunal já estabeleceu a responsabilidade da empresa alemã e agora estão sendo determinados os danos. O colunista detalhou como uma unidade da SAP, chamada TomorrowNow, fez o download do software da Oracle e buscou atrair seus clientes. Apotheker não era ainda o CEO da empresa, mas gerenciava a unidade de vendas e marketing. ‘Não consta no currículo de Apotheker a gerência do TomorrowNow, mas é difícil acreditar que ele não sabia deste roubo de propriedade intelectual’, escreveu Nocera.

O colunista argumentou ainda que Apotheker não agiu de maneira enérgica o suficiente para colocar fim à prática quando se tornou CEO, o que faria dele uma escolha fraca para liderar a HP, cujo executivo-chefe, Mark Hurd, deixou o cargo sob rumores de lapsos éticos. ‘Para uma empresa que alega estar preocupada com a ética – a ponto de ter se livrado de Hurd –, é impressionante que considere os lapsos de Apotheker aceitáveis’, opinou.

Uma coluna é um misto de informação com opinião. O problema no caso é que a noiva de Nocera é diretora de comunicação do Boies, Schiller & Flexner, escritório de advocacia que representa a Oracle na fase de danos do caso. E expor de maneira negativa as ações de Apotheker na SAP contribuiu para o caso da Oracle.

Informação omitida

Três dias depois de a coluna ter sido impressa, a HP notificou o NYTimes sobre uma ‘relação pessoal próxima, o que poderia representar um conflito de interesses’. Apenas neste momento os editores ficaram sabendo do papel da noiva do colunista no caso. Nocera alega que só soube que a empresa de sua noiva representava a Oracle quando ela leu a coluna e lhe contou. ‘Ela voltou recentemente a trabalhar na empresa e não havia mencionado seu papel no caso Oracle. Ela sabia apenas que minha coluna ia ser sobre o conselho da HP’, disse.

Quando editores do jornal ficaram sabendo do conflito, rapidamente publicaram no site uma nota revelando a relação dos dois: ‘Para evitar que pareça um conflito de interesses, Nocera não deveria ter escrito sobre o caso se soubesse do envolvimento do escritório de advocacia’. No entanto, antes de a nota ser publicada online, Nocera discutiu o caso no programa Street Signs, na emissora CNBC. Em retrospecto, Nocera reconheceu que a participação no programa foi ‘estúpida’.

A história não parou por aí. No dia 23/10, Ashlee Vance, colunista do NYTimes, escreveu no blog Bits sobre o episódio, observando que a SAP pediu a um juiz para restringir os comentários das partes na mídia. Vance disse ainda que advogados da SAP sugeriram que representantes da Oracle poderiam ter influenciado a coluna de Nocera, pois sua noiva trabalha para a empresa de advocaciaque a representa. O post não mencionou, entretanto, a nota dos editores na qual o jornal reconhece um possível conflito de interesses. Damon Darlin, editor do blog, informou que o texto continha um link para a coluna de Nocera, que tinha a nota no topo.

O ombudsman acredita em Nocera quando ele diz que não sabia que sua noiva trabalhava para os advogados da Oracle. Mas, de qualquer modo, sua decisão de ir ao programa da CNBC foi um erro. Além disso, uma semana depois, o jornal perdeu a oportunidade de dar mais destaque ao caso, ao não citar a nota no blog Bits.