‘3/4/2008
‘Risco de cair’
Título da Folha na sexta feira passada (alto da pág. A7, edição São Paulo): ‘Para governo, caso é grave e exige resposta rápida da ministra’.
Abertura: ‘A cúpula do governo avalia que a situação política da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, se agravou e que ela precisa dar uma resposta rápida. Do contrário, corre risco de cair. Segundo apurou a Folha, essa resposta seria a demissão dos servidores da Casa Civil que elaboraram um dossiê sobre gastos secretos do governo Fernando Henrique Cardoso’. Mais: ‘Um ministro de Lula classificou a informação [sobre o ‘documento vazado para a imprensa’] de gravíssima’.
Ou a ministra é forte demais e dá de ombros à ‘cúpula do governo’, ou a história, integralmente baseada em fontes não nomeadas, parece não estar bem amarrada. Mais que isso, sugere que adversários de Dilma no governo aproveitaram o anonimato para alvejá-la.
Manchete do ‘Estado’ no domingo: ‘Planalto vai tirar Dilma da vitrine eleitoral’.
É outra informação que, pelo menos até agora, não se confirmou, pelo contrário.
Os dois episódios exemplificam os riscos da cobertura das crises e intrigas brasilienses.
Hoje a Folha cometeu, creio, um erro ao omitir na primeira página o confronto de ontem no Congresso. O senador Álvaro Dias admitiu ter visto o dossiê antes de sua divulgação. Dar destaque ao fato não implica tomar partido no noticiário, mas reconhecer a importância da declaração.
O ‘Estado’ titulou na parte superior da capa: ‘Governistas acusam tucano de vazar dossiê dos cartões’.
O senador afirmou ontem: ‘Na segunda, logo após a circulação da revista ‘Veja’ no domingo, desta tribuna afirmei ter visto o dossiê’.
Hoje o título (de sentido dúbio) da Folha é ‘Aliados pressionam tucano que admitiu ter visto dossiê’ (alto da pág. A6).
Se Dias conta a verdade, por que a Folha –e o conjunto ou parcela significativa do jornalismo– não publicou a declaração do senador assim que ele a fez? Por que só agora?
O senador tem razão: ele está protegido por garantia constitucional de não revelar a fonte que lhe permitiu acesso ao dossiê. Essa prerrogativa deve ser defendida pela democracia. Ela assegurou revelações importantes, oriundas de parlamentares, que os cidadãos conheceram por meio do jornalismo.
Dúvida: Dias avisou FHC sobre o dossiê? Se não avisou, como houve chantagem? Quem foi chantageado?
Seis dias atrás, a Folha manchetou: ‘Braço direito de Dilma montou dossiê’.
O relato continua a carecer de comprovação, e o jornal o flexibiliza. Hoje diz que a assessora ‘deu ordem para a compilação de dados’. Ou que ela ‘assumiu a ordem para a confecção de um ‘banco de dados’’. O ‘furo’ da sexta virou, também, a ‘ordem para elaborar o banco de dados’.
O banco de dados não é o dossiê. O dossiê de 13 páginas foi elaborado a partir de informações do banco de dados. Pelo menos é o que eu entendi da cobertura.
O quadro ‘Perguntas e respostas’ (pág. A6) confunde, em uma passagem: ‘A Folha chama o arquivo de dossiê’. Até aqui, a rigor, o jornal chamou o relatório de 13 páginas de ‘dossiê’, e não o ‘arquivo paralelo ao sistema oficial de controle de gastos’.
O jornal já afirmou que a Casa Civil assumira a autoria do dossiê (considero como dossiê o relatório de 13 páginas). Na edição de sábado, entretanto, Dilma disse o contrário: sua pasta reconhecia a produção da ‘base de dados’, da qual foram retiradas as informações que constam do dossiê.
Quem contradiz a ministra, hoje, é o seu chefe. Lula afirmou que alguém ‘roubou peças de um documento de um banco de dados’. Ou: ‘Nunca saberemos quem foi que pegou o documento de um banco de dados e vendeu como se fosse dossiê’.
Segundo Lula, as 13 páginas são um documento do ‘banco de dados’. A ministra dissera que as 13 páginas não foram elaboradas por sua equipe, mas confeccionadas por alguém de identidade ignorada a partir de informações classificadas na Casa Civil.
Na sexta, a Folha informou que teve acesso ao dossiê e publicou trecho dele em fac-símile. Por que não permitiu que os leitores conhecessem, pelo menos na internet, a íntegra do documento, para tirarem suas próprias conclusões? O blog do Noblat faz isso agora. Ainda é tempo de o jornal fazer.
O noticiário de hoje reforça a impressão de que governo e oposição se empenham no desgaste mútuo, mas nenhum está, realmente, disposto a investigar os gastos palacianos das gestões atual e passada. Se Álvaro Dias conheceu e repassou? um documento que considerava manipulação de informações sigilosas por funcionário público para fim de divulgação e chantagem, por que não denunciou o fato à Polícia Federal e pediu abertura de inquérito?
O mesmo vale para o governo, que qualificou como criminoso o vazamento de informações da Casa Civil protegidas por sigilo. Por que o Planalto não pediu inquérito à PF? Em vez disso, o Ministério da Justiça se moveu em sentido contrário, para abafar o caso.
Mantêm-se muitas dúvidas. Sobre quem, a partir da dita ‘base de dados’, montou o relatório de 13 páginas. Quem vazou o dossiê para fora do Planalto. E quem fez uso dele –embora essa resposta tenha começado a ser delineada ontem.
Outra incerteza permanece: o dossiê é incapaz de causar dano a FHC; como instrumento de chantagem, é inexpressivo (a não ser, repito, que sinalize o conhecimento sobre outras despesas, cabeludas); ele faz mal, mais que ao governo, a Dilma Rousseff; por que a ministra o patrocinaria?
É bom que o jornal, mesmo com o silêncio da primeira página, tenha recuado na cobertura de tom unilateral.
Como se vê nas páginas da Folha, há mais perguntas que respostas no caso do dossiê.
Contra os consumidores
A chamada de primeira página ‘Ministério da Justiça pede que Volks faça recall de 477 mil Fox’ manifesta dúvida ao conjugar o verbo ‘ter’ no futuro do pretérito: ‘Manuseio do banco teria machucado e até mutilado usuários’.
Como assim, ‘teria’?
Em semanas de cobertura, não houve tempo de checar com os consumidores, avaliar suas provas?
A Volkswagen reconhece o dano causado a pelo menos oito consumidores.
Por que a Folha não?
O horror, o horror
Mais do que na edição de hoje, ontem a Folha pareceu ter feito uma opção infeliz de esconder o caso do assassinato da menina Isabella. Jornais de todo o país, inclusive os não sensacionalistas, deram mais espaço do que a Folha, que dedicou ontem mera meia página ao episódio.
Reafirmo que é melhor errar por prudência do que por exagero.
Mas responsabilidade e sobriedade editoriais não implicam, necessariamente, restringir o noticiário.
É marcante, no jornalismo em geral, maior preocupação de não exercer funções de advogado de defesa, promotor, policial ou juiz, apesar de edições como a do ‘Diário de S. Paulo’ já comentada aqui. Os advogados do pai e da madrasta da menina têm páginas e microfones para se manifestar sem restrições.
O comportamento equilibrado não exige abrir mão de apuração jornalística de fôlego.
A maior deficiência da Folha tem sido no acompanhamento das investigações. Por exemplo: como se aplicam as técnicas e funcionam os equipamentos empregados pelos peritos que analisaram o apartamento ontem à noite? É possível informar em detalhes. Uma descoberta na cena do crime pode elucidar o caso.
Os automóveis do casal não haviam sido examinados até ontem à noite? Se for isso mesmo: por quê? A polícia foi negligente?
O quadro ‘Contradições do casal, segundo a polícia’ (pág. C3) faz um relato unilateral sobre a suspeita de peritos do IML de que Isabella não tenha caído do sexto andar. O chefe do IML diz o contrário. Mais de uma pessoa, inclusive o porteiro que encontrou a menina, ainda viva, narram um estrondo que teria sido provocado pelo choque do corpo contra o chão.
Por que a Folha omite versões contraditórias? Esse tipo de aposta é impróprio. É direito dos leitores conhecer opiniões contrárias.
O pai de Isabella é apresentado como ‘consultor jurídico’. O que é isso? Ele é advogado ou bacharel em direito? Trabalha em que área?
O Brasil se emociona com a morte de Isabella.
Cabe ao jornal, escrupulosamente, informar sobre a barbárie.
2/4/2008
Forfait
Empenhado em pôr em dia o atendimento aos leitores, o ombudsman não escreverá hoje a crítica diária.
1/4/2008
Folha de Nova York
Espirros nos Estados Unidos já foram –e ainda são– capazes de provocar gripes em todo o planeta. O desafio contemporâneo é identificar se os espirros anunciam gripes fortes ou representam meras manifestações de alergia crônica.
Além do mais –por menos que exista o trombeteado descolamento da economia mundial em relação à americana–, União Européia, China e países ditos emergentes com economias mais arrumadas não são tão dependentes do que ocorre nos EUA.
O projeto de reforma do sistema financeiro divulgado ontem pelo governo Bush rendeu a manchete da Folha, em duas linhas e quatro colunas: ‘Plano dos EUA prevê maior reforma desde a crise de 29’.
No ‘Estado’, a notícia foi também manchete, com mais destaque –duas linhas em cinco colunas: ‘Pacote dos EUA aumenta controle sobre os bancos’.
O ‘Globo’ deu chamada mais discreta, ainda assim na parte superior da primeira página, em uma coluna: ‘Pacote dos EUA amplia poder do Fed’.
Passemos à imprensa americana.
O ‘Washington Post’ editou título em uma coluna no pé da capa. Isso mesmo: no pé. Do lado esquerdo.
O ‘Los Angeles Times’ imprimiu chamada abaixo da dobra.
O ‘New York Times’ deu título em uma única coluna, no alto, mas dividindo as atenções com outros dois, um deles mais destacado.
Se nem o jornalismo dos EUA deu tanta pelota para as medidas proclamadas pelo secretário do Tesouro, por que a Folha as manchetou?
O tom dos jornais americanos também é diferente: eles sublinham dúvidas, reticências diante da capacidade de o pacote conter a corrosão atual das finanças e a recessão iminente ou em curso.
A Folha, além da manchete, dedicou chamada para um bom artigo de Paul Krugman, no ‘New York Times’. O ‘Estado’ publicou a mesma coluna.
Esse é mais um episódio que deveria fazer o jornal pensar em como não deve se submeter ao noticiário proveniente dos EUA, dando-lhe mais importância que os principais diários do Norte.
Uma coisa é reconhecer a evidente supremacia americana, sua condição de protagonista. Outra é submissão cultural e jornalística –dar mais valor aos fatos de lá do que eles realmente têm.
Por falar em valor…: o ‘Valor’, sóbrio, optou por uma discretíssima chamada na primeira página.
Por pouco!
A propósito, eis trecho do texto ‘Dupla no Havaí quer impedir grande experimento na Suíça’ (pág. A16): ‘Um eventual fim do mundo certamente teria conseqüências sérias para o Havaí’.
Então, o Brasil, quem sabe, mais uma vez, escaparia da desgraça mundial…
Falando sério: se uma estupidez assim sai no ‘New York Times’, a Folha deve reproduzi-la?
Autoplágio
O verbete ‘Plágio’, do Manual da Redação (pág. 93, Publifolha, 2001): ‘A Folha não publica texto plagiado, seja de outros autores, seja a republicação de texto do mesmo autor (ou autoplágio). Quando reproduzir texto de outro autor ou de sua própria autoria já publicado, o jornalista deve citar claramente o autor original e, se possível, o local e a data em que o texto foi publicado, além de deixar evidente para o leitor o trecho que está sendo reproduzido’.
Como notou um leitor, a coluna ‘Vênus virtual’ de hoje (pág. A2) é a mesma ‘O nascimento de Vênus’, veiculada em 7 de novembro de 2000 na Folha Online. Ambas são assinadas por Carlos Heitor Cony.
Houve cortes para adaptação ao espaço menor.
A coluna ‘A moça triste’ (pág. A2 de anteontem) é a mesma ‘A moça que queria ser feliz’, conhecida em 14 de novembro de 2000 na Folha Online.
As duas de Cony.
Dívida
No Painel do Leitor, uma assessora do secretário municipal Ricardo Montoro esclarece que ele não estava no carro que na sexta-feira trafegou irregularmente em corredor de ônibus.
Resposta da Redação: ‘A reportagem trouxe quatro vezes a afirmação da assessoria do secretário de que ele não estava no veículo’.
Não é disso que se trata. Não basta ao jornal registrar a palavra da assessoria.
Com o secretário a bordo do automóvel ou não, é condenável circular pela via indevida. Mas é um direito dos leitores saber se ele estava no carro, e foi conivente com a transgressão, ou se não estava.
É muito cômodo deixar no ar dúvidas, escudado na publicação da versão oficial.
A Folha deu destaque excessivo ao episódio.
O jornal deve aos leitores –e ao secretário Montoro– a resposta: ele estava ou não no carro?
Sem avanço
O dossiê/relatório saiu da primeira página.
É compreensível: o jornal não conseguiu avançar na elucidação sobre os autores de sua confecção e difusão.
Enviado especial
O envio de repórter à cidade onde um líder do MST foi assassinado fez uma enorme diferença (‘Líder de sem-terra é assassinado no Paraná’, pág. A8).
A cobertura da Folha é de longe a melhor que eu li hoje.
O espectro da Escola Base
As coberturas da Folha, do ‘Estado’ e do ‘Diário de S. Paulo’ sobre a morte da menina Isabella, 5, têm profundas divergências sobre os fatos, da apuração policial às primeiras impressões dos legistas.
São contradições numerosas, que rendem um ótimo estudo de caso.
Não é a questão central da cobertura de hoje, contudo.
O grande contraste é o tratamento de Folha e ‘Diário’ à versão de que um vizinho teria ouvido a menina gritar ‘Pára, pára, pai’.
A Folha deu a informação em rodapé, perdida em um texto menor, só visto, conforme a hierarquia da página, por quem leu o noticiário integral.
O ‘Diário’ manchetou, em letras garrafais: ‘‘PÁRA, PAI! PÁRA, PAI!’ – Polícia diz que testemunha ouviu gritos de criança antes de Isabella despencar da janela do 6º andar’.
O comportamento da Folha está correto.
É possível que Isabella tenha gritado aquilo mesmo (mas a pontuação pode mudar o sentido), que o vizinho tenha ouvido, que o pai seja um assassino.
Mas é possível que nem tudo ou nada disso tenha ocorrido.
A manchete, embora formalmente não condene, expõe o pai em demasia.
Para a polícia, até ontem ele era ‘candidato a suspeito’, essa condição esdrúxula ignorada pela lei.
Se vier a se comprovar a culpa paterna, a Folha deve dar a notícia com o merecido destaque.
Caso não se comprove, porém, o jornal não terá cometido um erro jornalístico grave (a rigor, independentemente da solução do caso, é um erro grave expor quem não é, reconhecidamente, pelo menos ainda, um homicida).
Em uma cobertura delicada como essa, é melhor errar pelo freio excessivo do que pelo pé no fundo do acelerador.
Errei 1
Conforme um leitor observou, estava errada uma informação da edição de ontem desta crítica, sobre a morte da menina Isabella.
Ela teria caído/sido jogada do sexto andar de um prédio, e não do quinto.
Errei 2
Como notou outro leitor, ao contrário do que afirmei na crítica da quarta-feira passada, não foi furo da Folha a decisão do governador José Serra de nomear para o cargo de procurador-geral de Justiça o nome mais votado pela categoria.
Resposta ao ombudsman
Recebi a seguinte resposta da Secretaria de Redação, sobre nota da crítica de ontem: ‘Sobre a sua observação do flagrante do carro oficial: a Folha estava de táxi. Ou seja, estava liberada de andar no corredor. Deveríamos ter dito isso no texto’.
Comentário do ombudsman
Concordo: a informação, essencial, deveria constar do texto.
Os leitores não têm como adivinhar.
31/3/08
Um dossiê e muitas incertezas
Um dossiê (ou relatório ou ‘fragmentos da base de dados’, como prefere a Casa Civil) sobre gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sua mulher, Ruth, e antigos ministros foi produzido no Palácio do Planalto e vazado de forma ilegal.
Tão escancaradamente ilegal que foi constituída pelo governo uma ‘comissão de sindicância para apurar o episódio’. Oficialmente, busca-se culpado(s).
A origem das informações, processadas na Casa Civil, é inequívoca, reconhecida inclusive pelo governo.
A essa altura, mais ninguém questiona a autenticidade das informações sobre gastos contidas nas 13 páginas. No domingo, a Folha demonstrou que ‘o relatório mostra a seleção de informações bastante diferentes do padrão de dados lançados no Suprim [‘sistema de controle de suprimento de fundos da Presidência’] e estranhas a um trabalho definido como um ‘instrumento de gestão’, sem viés político’.
Hoje os jornais reafirmam que, ao contrário do que afirma Dilma, não houve pedido do TCU para produzir o levantamento sobre FHC ou algo que desse base à investigação.
A existência do dossiê/relatório de 13 páginas foi revelada pela revista Veja no fim de semana retrasado.
Na sexta passada, a Folha manchetou ‘Braço direito de Dilma montou dossiê’.
O jornal não apresentou provas contra Erenice Alves Guerra, principal assessora da ministra Dilma Rousseff.
Não que a informação, necessariamente, esteja errada. Quem leu a reportagem, contudo, não teve acesso a evidência de que esteja correta a versão do jornal.
A Folha descreveu uma reunião com membros da administração para criar ‘uma força-tarefa encarregada de desarquivar documentos referentes aos gastos do governo anterior a partir da rubrica suprimento de fundos, que incluiu cartões corporativos e contas ‘tipo B’’.
Nota oficial da Casa Civil afirma que tal reunião, ‘para organizar uma força-tarefa para produzir o chamado dossiê’, nunca ocorreu.
A Folha também não comprovou a realização da reunião.
O jornal não afirmou que o dossiê foi utilizado para chantagear membros da oposição na CPI dos Cartões Corporativos. Fez bem. Um dos aspectos intrigantes do caso é que o dossiê é incapaz de constranger FHC. Chefe de um governo em que se acumularam escândalos de grande monta, em especial nas privatizações, o ex-presidente não se sai mal das 13 páginas. Se tudo o que os governistas têm contra ele for aquilo…
Ou seja: como fazer chantagem contra alguém e seus aliados com informações que não causam dano ao chantageado?
Alguém foi vítima de chantagem? Quem? Se foi, é informação que o jornalismo deve.
Seria diferente, por exemplo, em uma nação fictícia, situação e oposição promoverem chantagem pesada com informações sobre filhos do atual e do ex-presidente, se os rebentos tivessem amealhado riqueza durante ou em seguida aos mandatos dos pais. Aí, sim: ameaças capazes de fragilizar o mais valente dos investigadores de comissão de inquérito do país da imaginação.
Quem tinha muito a perder, por rigorosamente nada em troca, seria a ministra da Casa Civil. Mais por eventual dolo, menos por incapacidade de gerir com segurança um sistema de dados ou manter aloprados em sua equipe, mas sempre perdendo.
Essa peça, decisiva, não se encaixa no quebra-cabeça. Até agora, pelo menos.
Esta segunda-feira não foi um bom dia para a Folha. O jornal não destaca a defesa de ninguém do governo. E titula na primeira página: ‘Dossiê é ‘covardia institucional’, diz ministro do STF’. Só no texto se descobre que Gilmar Mendes se refere a dossiês em geral, e não ao dossiê agora revelado.
O ‘Estado’ deu entrevista com o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho. O ‘Globo’ saiu com declarações do ministro José Múcio. Não sei se o que eles dizem é verdadeiro ou falso, mas é direito dos leitores conhecer pontos de vista divergentes.
Hoje a coluna ‘Perguntar não ofende’ (pág. A2) se refere ao ‘documento de 13 páginas que vazou para a imprensa, cuja autoria o próprio Palácio do Planalto assumiu’.
Talvez, em meio a tantas informações, tenha me passado despercebido. Não me lembro, contudo, de ter lido que o Planalto assumiu a confecção das 13 páginas.
Na edição de sábado, a Folha divulgou declaração de Dilma: ‘Não acho que a Folha e a Veja montaram isso [dossiê]. Outros fizeram este trabalho e vocês [da imprensa] estão divulgando’.
Ou seja, a ministra negou a produção das 13 páginas.
Minha impressão é que a Folha produz uma cobertura em tom unilateral que menospreza as incertezas que cercam o caso.
É possível que as coisas tenham ocorrido como o jornal sugere?
Sim. Poder tudo pode.
Mas é possível que haja outros elementos.
Ao contrário do dossiê Cayman/Caribe, as informações são verdadeiras. Ao contrário de outros dossiês, entretanto, elas não intimidam ninguém (a não ser que sugiram o conhecimento de outras despesas, cabeludas).
O vazamento das 13 páginas pode ter sido obra de petistas, aloprados ou não? Pode. Em 2006, com a reeleição de Lula nas mãos, a ambição de ganhar também o pleito paulista produziu o escândalo que contribuiu para empurrar a eleição presidencial ao segundo turno.
As 13 páginas também podem ter sido obra de quem queria desgastar o governo e reanimar a CPI dos Cartões. Ou, mais especificamente, ferir a ministra Dilma, que está longe de ser a candidata preferida do PT e de setores do Planalto para 2010.
Um incômodo da cobertura é que, evidentemente, a Folha sabe mais do que conta aos leitores. Uma coisa é o jornal ter recebido o relatório de alguma fonte do PT. Outra, do PSDB. Outra, ainda, de um funcionário, mais que petista, fiel à ministra.
O jornal deveria pisar no freio e ser mais cético. Um dossiê incapaz de constranger alguém não teria eficiência como instrumento de chantagem. A impressão é que, ao contrário do que a Folha e o jornalismo em geral dão a entender, a verdade sobre o episódio ainda está distante, seja ela qual for.
Por último: o episódio em curso ressalta a tragédia à democracia que é a ausência de transparência sobre o poder público no Brasil. Gastos dessa natureza, seja no governo FHC ou no de Lula, não deveriam estar protegidos por sigilo, e sim ser de conhecimento dos cidadãos.
Ética: o inferno são os outros
Capa de Cotidiano no sábado: ‘Carro de secretário invade corredor de ônibus’.
A Folha acompanhou por cinco minutos veículo oficial do secretário municipal Ricardo Montoro –o secretário não estava no carro. Pelo ângulo das fotografias, o automóvel da Folha também trafegou no corredor de uso restrito.
Comentário de um leitor: ‘Para reportar uma infração, a Folha não pode cometê-la’.
De outro: ‘É ético cometer um desrespeito à lei para denunciar outro desrespeito?’.
Título de uma terceira mensagem: ‘Faça o que eu digo…’.
Jornal antenado
Ponto para a Folha: enquanto só na semana passada o jornalismo nacional descobriu o boom da classe C, a Folha publicava na manchete do domingo 16 de dezembro: ‘Crescimento tira 20 milhões da classe D/E’.
Contava a reportagem, fundamentada em números do Datafolha: ‘Nos últimos cinco anos, a classe D/E encolheu de 46% do total da população para 26%. Já a C cresceu de 32% para 49%, reunindo hoje quase a metade dos eleitores do país –125 milhões de pessoas com mais de 16 anos. A classe A/B manteve-se praticamente estável. Seu tamanho oscilou de 20% para 23% do total da população’.
Sem sangue e suor
Com três altos de página e uma chamada de três colunas na primeira página (‘Programa social atinge 25% no país’), a Folha noticiou, no sábado, novos estudos do IBGE.
A cobertura se restringiu a um (bem feito) resumo da pesquisa em tom de relatório.
Os números tratam de gente, mas gente não havia na cobertura da Folha.
Ninguém personificou as estatísticas, deu cara a elas.
A leitura do resumo da pesquisa tornou-se difícil, cansativa, sem encanto.
Se uma equipe de repórteres analisa e sintetiza números, outra deve ir a campo mostrar a vida de quem é objeto das estatísticas.
Convite à reflexão
O editorial de domingo da Folha é boa contribuição ao debate sobre uma nova Lei de Imprensa.
Duplo sentido
Título no alto da pág. A8 do domingo: ‘Serra deve apoiar Alckmin, dizem 60% dos eleitores’.
O problema é o ‘deve’, que tem pelo menos dois significados possíveis.
No pé da página: ‘No 2º turno, hoje tucano vence disputa contra ministra do PT e prefeito do DEM’.
Aqui, o que pega é o ‘hoje tucano’.
Coronel Marcos
Na pesquisa Datafolha sobre a eleição no Rio (pág. A10 do domingo), aparece um certo Marcos Aurélio Silva, do PR.
Se assim o candidato foi apresentado pelos pesquisadores, pena.
Trata-se do Coronel Marcos, oficial do Corpo de Bombeiros, hoje na reserva, muito conhecido dos cariocas.
Já Marcos Aurélio Silva…
Com certeza, ele se apresentará nas urnas como Coronel Marcos.
Cuidado
Na cobertura sobre a menina de cinco anos que morreu após cair –ou ser jogada– do quinto andar de um edifício em São Paulo, a Folha escreve hoje: ‘No prédio onde mora, o consultor jurídico Alexandre Nardini é tido como uma pessoa calada, segundo moradores que não quiseram se identificar’.
A questão subliminar é a hipótese de o pai ser responsável pela morte da filha.
Por isso mesmo o jornal deve ter cuidado.
Nesse contexto, qual a importância de ele ser calado, falador, mudo, tagarela?
Dengue
A foto da primeira página dedicada à dengue no Rio mostra uma barraca de hospital de campanha. Acrescenta, no texto-legenda: ‘ontem, o Hospital Cardoso Fontes recebeu 605 pessoas com suspeita da doença’.
Não era essa a informação principal. O tom apropriado está em Cotidiano, ‘Hospitais do Rio têm mais um dia de caos’ (pág. C9).
Das 605 pessoas, 360 eram crianças, e só havia um pediatra no hospital.
Repito: um.
O hospital é federal. O que tem a dizer o ministro Temporão?
Mais uma vez, as cenas dramáticas relatadas em texto não são acompanhadas de fotografia mostrando o que foi descrito.
Profissão repórter
É impressionante a reportagem dominical do ‘Globo’ sobre o ‘julgamento’ promovido por traficantes de drogas.
Erramos 1
A coluna ‘Neo-aloprados’ (domingo, pág. A2) afirma que José Dirceu perdeu o mandato de senador.
Cassado, ele perdeu o mandato de deputado federal, como observou um leitor.
Erramos 2
O mesmo texto afirma que Waldomiro Diniz ‘foi filmado pedindo algum para bicheiro quando tinha gabinete no Planalto’.
Outro leitor lembra que ele foi filmado quando tinha gabinete na Loterj, empresa de loterias do Rio de Janeiro.
Erramos 3
Seção ‘Gol a gol’ do domingo (pág. D2), sobre ‘o que ver na TV’: ‘10h – GP da Espanha – Moto GP – motociclismo’.
No texto ‘Motociclismo – Espanhol corre em casa atrás da 1ª vitória’ (pág. D7 do domingo): prova ‘às 10h’.
No registro ‘Na TV’, no pé do texto: ‘Ao vivo, às 10h’.
Um leitor confiou e ligou a TV às 10h: ele contou que a corrida já havia terminado.
Outros jornais informaram que a prova começaria mais cedo.
Erramos 4
Trecho da nota ‘Jornais perdem receita em 2007’ (pág. A11 de hoje):’’O número contabiliza os anúncios na versão on-line dos jornais, que subiram 18,8%, ainda assim acima da média dos três anos anteriores, acima de 30%’.
Não parece fazer sentido.
Se a média dos anos anteriores esteve acima de 30%, o crescimento de 18,8% em 2007 ficou abaixo.
(O verdadeiro descolamento: a mídia impressa brasileira não acompanha, pelo contrário, a queda de faturamento com publicidade ocorrida nos Estados Unidos.)
Erramos 5
O texto ‘Santos empata com lanterna e fica longe do G4’ (domingo, pág. D2) informou: o jogador do Rio Claro que errou o passe que deu origem ao gol do Santos foi Douglão. Acrescentou, em seguida: ‘Douglão tentou se redimir de sua falha no gol santista’.
Um leitor afirma que o autor do erro foi Dão.
Outras fontes jornalísticas sustentam que foi Dão.
E o tal Dão nem sequer aparece na escalação do Rio Claro publicada pela Folha.
Erramos 6
Para a série ‘Folha tem segunda chance e erra de novo’.
Eu apontara erro de informação sobre história do Brasil.
Na sexta, saiu Erramos: ‘A eleição presidencial de 1989 foi a primeira direta em 39 anos, e não em 40 anos, como foi publicado no texto ‘Série é um adeus às ilusões da esquerda’’.
Se Jânio Quadros foi eleito presidente em 1960, Collor venceu 29 anos depois, e não 39 –como anotou um leitor.
É preciso Erramos do Erramos.
Erramos de antologia
Erramos de sábado (o alerta sobre o engano foi feito por um leitor): ‘Diferentemente do que foi publicado no texto ‘A lebre e a tartaruga’, foi a lebre que se desapareceu entre as árvores, e não a raposa, que era juiz da corrida’.’