"05/11/2004
A queda do ministro da Defesa, já substituído pelo vice-presidente, é o principal assunto dos jornais, que ainda destacam os rescaldos das eleições presidenciais nos EUA e o estado de saúde de Arafat.
As manchetes:
Folha: ‘Viegas sai, e Alencar assume Defesa’.
‘Estado’: ‘Sem comando, Viegas cai e Alencar assume Defesa’.
‘Globo’: ‘Crise com o Exército leva Lula a nomear vice para a Defesa’.
Folha e ‘Estado’ abrem bem fotos do mega engarrafamento que parou ontem São Paulo por causa das chuvas. No ‘Globo’, as fotos são dos presidentes que participam da reunião do Grupo do Rio fazendo exercícios.
Grupo do Rio
Pelo destaque que o jornal deu ontem para a reportagem em que antecipava o discurso de Lula na reunião do Grupo do Rio (‘Lula voltará a defender diálogo com Cuba’), o assunto merecia melhor tratamento na Edição São Paulo de hoje. Segundo Eliane Cantanhêde (na coluna ‘Para Fidel’), o Planalto retirou na última hora a referência que o presidente faria, por sugestão do Itamaraty, à aproximação com Cuba. É um assunto quente, que deve ter bons bastidores, e deveria ter sido mais bem tratado pelo jornal.
O ‘Estado’ explorou bem a questão do Haiti, que vai tomando uma dimensão não imaginada pelo governo brasileiro. A Folha faz apenas referência ao trecho do discurso do presidente que trata do assunto (‘Lula fala sobre Haiti e cobra cooperação’). O ‘Estado’ (o ‘Globo’ também) foi mais longe. Ouviu o assessor para Assuntos Internacionais do presidente, Marco Aurélio Garcia, que inicia hoje uma ofensiva diplomática no Haiti (‘Governo manda Marco Aurélio ao Haiti para negociar a crise política’), e registrou as críticas que o presidente Chávez fez à participação brasileira na ilha (‘Chávez diz que força de paz liderada pelo Brasil não tem legitimidade’).
O assessor presidencial desembarca no Haiti com a missão de conversar com todas as forças envolvidas e um outro mensageiro do Planalto irá à África do Sul conversar com o presidente deposto. Se o Brasil tem força para liderar uma negociação com esta complexidade, são outros quinhentos. A notícia da ida de Garcia ao Haiti não é nova, mas o ‘Estado’ explora bem os detalhes da missão.
(A Folha tem o Garcia falando sobre o resultado da eleição presidencial nos EUA (‘Mundo’, A19) e tem o registro da viagem dele ao Haiti, também em ‘Mundo’, pág. A22).
Questão militar
O general Lessa, presidente do Clube Militar, informa, na entrevista publicada na página A9 (‘General diz que crise ainda está em curso’), que o Comandante do Exército, general Albuquerque, se reuniu na semana passada com 75 generais da ativa e da reserva, no Forte Copacabana, no Rio ‘para explicar a problemática das duas notas’. E que explicação deu o general para o seu ‘público interno’? É a reconstituição desta reunião, dos ‘discursos’ do general que falou e dos que se manifestaram, que interessa para se conhecer o clima dentro do Exército. Ou a pergunta não foi feita ou foi cortada. De qualquer forma, fica a sensação de que o mais importante não foi revelado pelo jornal.
Muito boa a entrevista com o cientista político Jorge Zaverucha, ‘Queda expõe falha institucional, diz analista’. Ele e o presidente do Clube Militar garantem que a crise não está superada. As razões, evidentemente, são distintas.
‘Cotidiano’
Está boa a Edição São Paulo de hoje, bem informada sobre os gastos da Prefeitura e a transição de governo.
Em relação à enchente de ontem, achei a cobertura do ‘Estado’ mais objetiva, e precisa, no registro das promessas feitas por Serra. Quanto mais detalhada for a reprodução das promessas de campanha, mais condições têm os leitores e o jornal de cobrá-las. O ‘Estado’ fala em cinco novos piscinões e dá o valor previsto para a construção destas obras.
Já a Edição Nacional está pobre, quase monotemática (violência).
Evolução da criminalidade em SP
Escrevi, na Crítica Interna de ontem (‘Evolução da criminalidade em SP’), que não havia visto na Folha o registro das estatísticas oficiais de criminalidade no Estado de São Paulo referentes ao terceiro trimestre deste ano. Os dados, no entanto, foram publicados na Edição São Paulo da Folha de terça-feira, dia 2, em forma de nota, ‘Latrocínios sobem 80% na capital paulista, mas caem na Grande São Paulo’ (pág. C3).
A Edição São Paulo que recebi por pdf estava desatualizada e não trazia a nota. Uma lástima.
De qualquer forma, lendo agora a nota da Folha fica claro que o jornal subestimou a informação e não lhe deu o tratamento devido. Havia pelo menos duas informações relevantes que o jornal não deu visibilidade, e o ‘Estado’, ontem, tratou com mais senso jornalístico: a explosão de latrocínios na cidade de SP (crescimento de 80%) e o atraso na divulgação dos dados, enviados segunda à noite para o ‘Diário Oficial’.
O ‘Estado’ deu um alto de página para a divulgação das estatísticas (‘Crime cresce e a polícia prende menos’), com vários gráficos e a palavra da Secretaria de Segurança Pública.
Aviso
Participo segunda-feira da 4ª Semana de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Não haverá Crítica Interna segunda e terça.
04/11/2004
Folha e ‘Globo’ resumem, em suas manchetes, como entenderam a vitória de Bush.
Folha: ‘Onda conservadora dá vitória completa a Bush’.
‘Globo’: ‘Voto pelo isolamento e onda conservadora reelegem Bush’.
O ‘Estado’, assim como a maioria dos jornais que vi, prefere um título apenas informativo: ‘Bush reeleito com votação recorde: ‘A América falou’’.
O ‘El País’, por exemplo, registra que ‘Bush se converte no presidente mais votado dos Estados Unidos’. E o ‘Guardian’ faz suspense: ‘E agora… mais quatro anos’.
As manchetes de outros jornais brasileiros:
‘Valor’: ‘Bush é reeleito com mais poderes’.
‘JB’: Bush recebe missão de unir EUA’.
‘Gazeta Mercantil’: ‘Bush pedirá que os países amigos tomem posições’.
Nos jornais de banca:
‘Extra’: ‘Daqui não saio, daqui ninguém me tira’.
‘O Dia’: ‘Essa guerra Bush venceu’.
‘Diário de S. Paulo’: ‘EUA mantêm Bush no poder’.
‘O Império vota’
O jornal usou hoje todos os seus recursos disponíveis e fez uma boa edição dos resultados das eleições nos Estados Unidos. Há um volume grande de informações sobre o resultado, a interpretação de que o conservadorismo teve papel importante está bem fundamentada, há bons artigos e análises sobre o que ocorreu e o que poderá ocorrer nos próximos anos, há uma ampla repercussão mundial, há espaço para a agenda Brasil-EUA e há as análises da cobertura dos meios de comunicação. O jornal investiu mobilizando vários jornalistas nos EUA e o resultado é uma edição bem feita, com uma forte base analítica, que é o que se espera dos jornais.
Ao rever, no entanto, a edição do dia da eleição, terça-feira, dia 2, fico com a impressão de que o jornal não contava muito com o fator que agora considera o mais relevante de todos, a ponto de destinar sua manchete, ‘a onda conservadora’. A leitura daquela edição mostra que o jornal considerava que as eleições estariam marcadas, naquele dia, por dois fatores: o medo de fraude e, na influência do resultado, a questão do enfrentamento ao terrorismo.
É verdade que o artigo do Luiz Felipe de Alencastro tocava na questão do conservadorismo ao relacionar, como fato novo na política norte-americana, o remapeamento do voto religioso. É verdade, também, que ao longo da campanha, e do próprio mandato de Bush, o jornal se referiu diversas vezes a este fenômeno. Mas não o havia percebido como capaz de definir a eleição, e sequer o mencionou claramente na edição do dia 2.
Não sei se o jornal está certo em atribuir à ‘onda conservadora’ (ou à ‘questão moral e religiosa’) o fator decisivo nos resultados eleitorais. Não estou contestando, não tenho informações que assegurem uma outra interpretação dos fatos. O que lamento é que o jornal não tenha tido condições de antecipar o fator ‘conservadorismo’ como principal definidor dos resultados eleitorais na sua edição do dia 2. Não sei se algum jornal teve. É apenas um registro.
Acho que faltou à cobertura uma reportagem com análise sobre o aparente fracasso das pesquisas e previsões. O sistema eleitoral dos EUA é muito complexo, como o jornal vinha mostrando, e um artigo sobre as pesquisas (resultados, complexidade, falhas, acertos, vexames, metodologias) seria interessante. Como em todas as eleições, elas foram uma das vedetes.
Detalhes:
A Edição Nacional circulou sem os créditos de Luis Bitencourt, autor do artigo ‘Bush venceu. E agora?’, e de Manuela Carneiro da Cunha, autora de ‘Metade dos EUA não entende outra metade’, ambos na pág. A24.
Não faz sentido editar duas vezes, na ‘Repercussão’ (pág. A25), as mesmas frases de José Saramago (nas duas edições) e de Vargas Llosa (apenas na Ed. Nacional).
Kroll
Fez bem o jornal em noticiar com destaque os desdobramentos do caso Kroll, com duas reportagens, arte e outro lado, na página A12.
Uma observação, no entanto:
A nota da Kroll publicada ontem no ‘Estado’ diz que o relatório obtido pela Folha ‘não é autêntico’ e que ‘informações foram manipuladas e fontes tendenciosas foram consultadas’. Na nota da Brasil Telecom, também publicada ontem na Folha e no ‘Estado’, está dito que ‘parte de um relatório interno confidencial da Kroll foi roubada desta Companhia, distorcida e adulterada. O jornal Folha de S. Paulo noticiou ter recebido este documento da Telecom Itália’.
Embora estes pontos não sejam novos, e já tenham saído em outros informes publicitários e notas das empresas, é conveniente que a Folha, ao retomar o caso por conta das investigações que seguem, os registre. Acho também que deveria informar mais uma vez sobre a procedência ou não destes pontos levantados pela defesa da Kroll e da Brasil Telecom.
O jornal deveria ter feito remissão para a página B7 de ‘Dinheiro’, para a reportagem ‘Citibank investiga Opportunity no Brasil’.
Nuclear
O ‘Estado’ continua mais antenado no acompanhamento da questão nuclear. Informa hoje que ‘Brasil e AIEA fazem acordo preliminar’. Tem também entrevista com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, ‘Programa nuclear brasileiro não preocupa EUA’.
Evolução da criminalidade em SP
Segundo o ‘Estado’, ‘Crime cresce e a polícia prende menos’ no Estado de S. Paulo. Ainda segundo o jornal, ‘Números do Estado, divulgados com atraso após segundo turno da eleição, indicam, para especialistas, a necessidade de mudanças’.
Não vi na Folha.
03/11/2004
Sem segurança para projetar um resultado, a Folha optou por uma manchete insípida, mas neutra: ‘EUA têm recorde de eleitores e filas’. Agiu com justificada cautela, mas poderia ter informado no título que a disputa estava acirrada, como fez na capa do caderno ‘O império vota’.
O ‘Estado’ confiou em uma única pesquisa para cravar, na edição que fechou às 21h, ‘Boca-de-urna aposta em Kerry’. Na edição de 1h40 mudou a manchete: ‘Bush x Kerry: batalha dramática’.
O ‘Globo’ se baseou nas análises que garantiam que um comparecimento recorde de eleitores beneficiaria a candidatura Kerry: ‘Votação em massa anima Kerry’. O ‘JB’ foi na linha da Folha: ‘EUA comemoram votação recorde’. ‘Valor’ ignorou as eleições norte-americanas na primeira página.
‘O Império vota’
Condicionada pela indefinição do resultado das eleições, a edição da Folha traz um panorama do que foi o dia de votação nos principais Estados e os relatos do dia dos candidatos. Como as TVs e os sites na Internet já tinham mostrado ontem, exaustivamente, imagens e impressões do comparecimento recorde e, hoje, amanheceram com o acompanhamento milimétrico das apurações, o que mais valeu a pena ler foram os poucos artigos que o jornal editou. Como as análises do comportamento da mídia (‘Mídia dos EUA também racha na eleição’ e a coluna ‘Toda Mídia’, na pág. A14), da importância da eleição legislativa (‘Pleito legislativo é vital para futuro dos EUA’) e das divisões que marcam os EUA hoje (‘Onda conservadora independe de Bush’, na A17, ‘Quão profunda é essa divisão?’, na A16, e, principalmente, a última coluna da série ‘On the road’). A série, que transportou o leitor da Folha através dos Estados Unidos nos últimos dias, foi uma diferença a favor do jornal.
Como ontem, seu principal concorrente, o ‘Estado’, reserva mais espaço para a cobertura das eleições nos EUA. São nove páginas contra seis páginas e meia. Mas esta diferença de espaço não se transforma em superioridade editorial. As coberturas estão equilibradas, com vantagem da Folha nos artigos mais analíticos, e do ‘Estado’ nos relatos do dia dos dois candidatos feitos por seus enviados especiais (a Boston, onde votou Kerry, e a Crawford, onde votou Bush).
O ‘Estado’ inclui na cobertura um problema que supõe que permanecerá na agenda de contenciosos entre EUA e Brasil, qualquer que seja o presidente eleito: a usina de enriquecimento de urânio de Resende.
‘Eleições 2004’
A Folha tem duas boas entrevistas na edição de hoje, com o governador Geraldo Alckmin (o ‘Globo’ também fez entrevista com ele) e o secretário Valdemir Garreta, do PT. Embora desconhecido do grande público, Garreta é um quadro importante do partido e, por isso mesmo, seu ataque ao senador Suplicy tem importância e certamente terá repercussão. As duas entrevistas extraem revelações importantes para o jogo político de São Paulo: ‘Alckmin afirma ser ‘inadmissível’ Serra disputar as eleições em 2006’ e ‘Suplicy ampliou preconceito contra martas, diz homem forte da prefeita’.
O ‘Estado’ parece estar mais bem informado sobre os primeiros passos do governo Serra na Prefeitura do que a Folha, embora esta traga reportagem sobre o futuro secretariado. Como tanto no ‘Estado’ como na ‘Folha’ as informações não são do próprio Serra (pelo menos não está identificado), é esperar para ver.
Embora tenha remissão para ‘Cotidiano’, o noticiário sobre o comportamento do PT e do PSDB na futura Câmara de Vereadores perde força, e confunde o leitor, por estar dividido entre ‘Brasil’ e ‘Cotidiano’. O jornal deveria fixar critérios para juntar material afim.
Kroll
A Kroll e a Brasil Telecom publicaram hoje em vários jornais informes pagos em que, mais uma vez, colocam em dúvida informações publicadas pela Folha, que é citada nas duas notas. As notas coincidem com a intimação de envolvidos para depor na Polícia Federal. O ‘Estado’ considerou que as manifestações eram notícia e publicou uma reportagem (‘Brasil Telecom nega ter contratado espionagem’). Não vi nada na Folha.
Calhau
É muita falta de imaginação publicar mais uma vez a foto da estátua do touro em frente à Bolsa de Nova York. Não é possível que o jornal não tenha foto diferente e mais recente. Aliás, a foto publicada (pág. B4 de ‘Dinheiro’) foi feita ontem? Se não, não deveria trazer a data no crédito?
‘Cotidiano’
Está errada a legenda da foto da página C8 da Edição SP (C4 na Edição Nacional) que mostra a caminhada pela paz em São Paulo.
‘Ilustrada’
Não dá para entender do que tratam o título e a linha fina da capa da Ilustrada: ‘Preço dos ingressos vira lobo mau de festival –Evento é tido como caro se comparado a outros do porte, como o argentino Personal Fest’. Que festival? Que evento?"