’10/10/2005
A tragédia na Caxemira domina as capas dos jornais de domingo e de hoje. As manchetes, no entanto, são bem variadas, exceto as de sábado, quando todos os três jornais repercutiram o encontro de Lula com parlamentares do PT. A transposição do rio São Francisco, o referendo sobre a proibição de comercialização de armas e novos casos envolvendo membros do governo petista são os assuntos do fim-de-semana.
Sábado
Folha – ‘Petistas cassáveis não são contagiosos, afirma Lula’.
‘Estado’ – ‘Lula é solidário com cassáveis do PT’.
‘Globo’ – ‘Mesmo traído, Lula presta solidariedade a acusados’.
Domingo
Folha – ‘Transposição já consumiu R$ 12 mi’.
‘Estado’ – ‘Bolsa Família vira base para reeleição de Lula’.
‘Globo’ – ‘Tráfico de armas migra e leva pânico ao interior’.
Segunda-feira
Folha – ‘Jovem é 50% de presos com arma’.
‘Estado’ – ‘Governo Lula eleva impostos em R$ 11,7 bi’.
‘Globo’ – ‘Terremoto na Ásia mata mais de 30 mil’.
As revistas
‘Veja’ – ‘A terra no limite’. Tem também nova acusação, ‘Os negócios de Vavá – Irmão de Lula faz lobby na Petrobrás, na Caixa e até no Planalto’.
‘Época’ – ‘10 mitos sobre as armas’.
‘IstoÉ’ – ‘Referendo das armas – 7 razões para votar sim, 7 razões para votar não’.
‘CartaCapital’ – ‘No disco, segredos do Brasil [referência à quebra do sigilo do HD do computado do Banco Opportunity]’.
Escândalo do ‘mensalão’
Um dos grandes problemas do escândalo do ‘mensalão’, já apontado por diversos observadores da crise, é saber se houve ou não crimes e quais teriam sido cometidos. A guerra entre a oposição (que transforma qualquer acusação em crime) e a situação (que trata todas as acusações como fatos normais, na tentativa de descaracterizar os crimes) dificulta a compreensão e a avaliação do leitor. A imprensa deveria ajudar mostrando claramente o peso e importância de cada acusação. Para isso, é necessário dizer se o que está em jogo é crime, irregularidade ou desvio ético. Esta definição não é subjetiva, basta consultar os códigos e as leis. E o esclarecimento não implica no endosso da acusação por parte da imprensa.
Esta confusão fica evidente no principal ponto do ‘mensalão’, o confessado uso de caixa 2 nas campanhas eleitorais. O governo trata como se fosse algo banal, rotineiro; a oposição, como se fosse o fim do governo. O que significa de fato, sob o ponto de vista jurídico?
Tivemos neste fim-de-semana dois novos casos de acusações cujas reportagens não explicam quão graves são.
1 – Se ficar comprovado que o irmão de Lula praticou tráfico de influência, ele terá cometido um crime? Que crime? Tráfico de influência é crime?
A Folha não informa nem esclarece. O caso do irmão do Lula é grave ou é mais uma picuinha da ‘imprensa golpista’ contra o governo petista? Uma coisa é o jornal ter cautela na divulgação da acusação, ainda mais quando não é apuração sua (caso do irmão do Lula). Outra, é deixar o leitor sem a informação de sua importância e conseqüências caso venha a ser comprovada.
2 – O caso do filho do deputado José Dirceu é parecido. Embora o jornal informe que o Ministério Público começa a investigar se houve improbidade administrativa e tráfico de influência, a Folha não esclarece o que isto significa sob o ponto de vista jurídico. São crimes? O esquema irregular de registro de processos para a obtenção de recursos do Orçamento da União descrito na página A6 de domingo (‘Filho de Dirceu obteve recursos de maneira irregular, diz servidora’) caracterizam crime? Qual? Quem teria praticado o crime? Cabe alguma responsabilidade para o filho do deputado José Dirceu? Se comprovados, que conseqüências produzem? Podem piorar a situação do deputado José Dirceu? Segundo o advogado do filho de Dirceu, ‘não houve caracterização de crime pelo aspecto penal’. São acusações graves ou mais uma picuinha da ‘imprensa golpista’ contra o governo petista?
O ‘Estado’ conseguiu informações sobre a reação do presidente Lula ao tomar conhecimento de que um de seus irmãos teria montado um escritório de lobby: ‘Para Lula, irmão pode ser alvo de aproveitadores’ (edição de hoje). Segundo o jornal, o presidente teria ficado irritado com o irmão e telefonado para ele dando uma bronca.
O senador Aloizio Mercadante assim defendeu o filho de José Dirceu: ‘Nós devemos fiscalizar e cobrar dos homens públicos e deixar os filhos em paz’ Faltou o jornal perguntar se ele não considera o prefeito Zeca Dirceu um homem público.
Caminho das águas
O caderno ‘Caminho das águas’, publicado pela Folha ontem sobre o projeto governamental de transposição do rio São Francisco, tem o mérito de aproveitar a greve do bispo para chamar a atenção dos leitores para a discussão que está em cena. Mas, se depender do caderno o leitor continuará sem saber se o projeto é ruim ou bom. Nenhum dos aspectos chaves foi explorado a ponto de ajudar a chegar a alguma conclusão. A edição, pode-se dizer, está equilibrada. Mas os pontos obscuros ou controversos apontados pelos editoriais do dia 5 de outubro (‘Dúvidas na transposição’) e de sábado (‘Mar de controvérsia’) continuam. Sei que o tema é complicadíssimo, mas cabe ao jornal enfrentar tanto as questões técnicas como as políticas. Não acho que seja obrigação do jornal ter uma opinião final claríssima sobre o assunto, é até mais honesto admitir as dúvidas, mas sob o ponto de vista jornalístico o jornal tem de mexer nos pontos principais sob questionamento com o objetivo de esclarecê-los.
Respostas
Recebi, via Secretaria de Redação, respostas às críticas que fiz na Crítica Interna de sexta-feira, dia 7.
De ‘Mundo’:
‘A respeito da nota ‘Mundo’ da crítica de hoje do ombudsman: 1) embora sem o destaque devido, a derrota de Bush no Senado foi registrada pela Folha na edição do dia 6; 2) publicamos um artigo do ‘Financial Times’ sobre a rebelião conservadora contra Bush no dia 6, um dia antes do texto de ‘O Globo’ a que o ombudsman se refere como furo.
A respeito da nota ‘Títulos ruins’, o Aurélio admite o uso do verbo ‘ver’ no sentido de ‘calcular’, ‘ponderar’, ‘considerar’, o que se enquadra no objetivo do título criticado’.
De ‘Ciência’:
‘O Ombudsman aponta erro no nosso título do Ig Nobel. Eu acho que não há erro, embora possa haver uma ligeira imprecisão. O título mais apropriado para a matéria seria o impublicável ‘Cagada de pingüim rende Ig Nobel’, ou o indecifrável ‘Defecação de pingüim…’ De qualquer forma, o artigo científico original tenta responder à questão dos jatos de fezes dos pingüins, que alcançam pressões de 10 quilopascais a 70 quilopascais, sendo expelidos a distâncias de até 40 centímetros. Portanto, existe uma relação, digamos, visceral entre a força de ejeção e o objeto ejetado, o que me faz pensar que ‘fezes’ é uma palavra adequada ao título’.
Aviso
Participo, amanhã de manhã, do painel ‘A cobertura da violência: a imprensa no front’, organizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Rio. Por esta razão não haverá a Crítica Interna.
07/10/2005
A Folha não tem nada, na edição de hoje, a respeito das manobras que estariam em curso para facilitar as renúncias de vários parlamentares ameaçados de cassação, principalmente deputados do PT. Não vejo, na política, informação mais importante do que esta.
A manchete do ‘Estado’ e o principal título da seção de Política do ‘Valor’ assim descrevem a estratégia atribuída ao governo e ao PT: ‘Petistas devem renunciar para tirar Lula da crise’ (manchete da edição final do ‘Estado’, que começou a rodar com outra formulação, ‘PT e cassáveis fecham acordo: renúncia e apoio’) e ‘Planalto pressiona deputados a renunciar’ (‘Valor’).
A manchete do ‘Globo’ vai na mesma direção, mas sem a mesma segurança:
‘Lula recebe hoje petistas ameaçados de cassação – Renúncia de deputados investigados é discutida na Câmara e no Planalto’. O ‘JB’ também tem a informação: ‘PT quer mais três no paraíso’. [Vale lembrar que o PT havia garantido que os seus deputados que renunciassem não receberiam legenda para disputar a eleição do ano que vem.]
Manchete da Folha: ‘Governo abre debate, e bispo pára greve’.
‘Escândalo do mensalão’
A reportagem principal da Folha sobre os processos contra os parlamentares do ‘mensalão’ – ‘Mesa deve abrir ação contra 13 deputados’, pág A6 – se limita a informações colhidas na Mesa da Câmara e no Congresso. ‘Estado’, ‘Valor’ e ‘Globo’ têm informações da cúpula do PT, dos diretórios regionais do PT e do Planalto.
Caminho das águas
Não dá para entender o último parágrafo do texto ‘CNBB espera que ‘moda’ de greve de fome ‘não pegue’:
‘Ontem, apesar dos esforços do Planalto, a CNBB afirmou que a relação da Igreja Católica com o governo permanece inalterada’.
Mundo
A Folha tem duas páginas sobre os EUA (capa do caderno ‘Mundo’ e A17), mas não encontrei duas informações que parecem relevantes: a primeira derrota, segundo o ‘Globo’, de Bush no Congresso (‘Rebelião na base conservadora’) e a prisão do espião que agia dentro da Casa Branca.
Títulos ruins
‘Caracas vê até 80% das terras ‘improdutivas’ (‘Mundo’, pág. A18). Caracas não vê nada. É possível que avalie, estime ou algo parecido.
‘Fezes de pingüim rendem Ig Nobel’ (‘Ciência’, pág. A19). O título está errado, se bem entendi a reportagem. O artigo premiado não é sobre as fezes, mas sobre ‘Pressões produzidas quando os pingüins fazem cocô’.
‘Indie de NY bomba mesmo sem major’. (‘Ilustrada’, pág. E4)
05/10/2005
O presidente Lula ficou irritado com a convocação do seu chefe-de-gabinete, Gilberto Carvalho, e atacou a CPI dos Bingos. A Folha preferiu destacar na manchete a decisão da CPI dos Correios, conseguida depois de muita protelação: ‘CPI quebra sigilo de corretoras de fundos’. ‘Globo’ e ‘Estado’ destacaram as críticas do presidente: ‘CPI irrita Lula ao convocar seu assessor para acareação’ (‘Estado’) e ‘Lula ataca a CPI dos Bingos por convocações e acareação’ (‘Globo’). O título da Folha para a manifestação irritada do presidente, ‘Bingueiro’ deve ser chamado, diz Lula’, é muito ruim. O título e o texto da capa não refletem a irritação do presidente, que é a notícia. A frase de Lula foi: ‘Eu estou esperando a CPI dos Bingos chamar um bingueiro’. O título da Folha faz parecer que o presidente fez uma sugestão à CPI, e não uma crítica.
Caminho das águas
Vi dois problemas na cobertura de hoje da greve de fome de d. Cappio (páginas A12 e A13).
O texto principal, ‘Lula atrasa obra para negociar com bispo’, informa que a transposição foi promessa da campanha eleitoral de 2002. Mas o texto ‘Quatro pessoas imitam gesto e aderem a jejum’ reproduz declarações do deputado Fernando Gabeira com informação diferente: segundo ele, o programa do PT em 2002 era contrário à transposição e favorável à revitalização do rio São Francisco, posição igual à do bispo católico. A greve de fome e a iminência do início das obras jogam um foco no projeto e os detalhes históricos passam a ser importantes.
Há um história a ser contada sobre o projeto da transposição.
Está claríssima a divisão em torno do projeto. Antes, parecia apenas uma briga entre Estados que eram favoráveis, os beneficiados pelos canais, e os contra, como a Bahia e Sergipe. Agora, novos atores do movimento social entraram em cena.
A Folha informa, na sua Edição São Paulo, que o ministro Jacques Wagner, designado pelo governo para negociar o fim da greve de fome, ‘poderia’ ir a Cabrobó conversar com o bispo, mas que isso dependeria de uma discussão antes com o presidente Lula. Segundo o ‘Valor’, no entanto, o ministro seguiria hoje para Cabrobó. A ver.
‘Valor’ informa também que a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, também foi acionada e dá mais detalhes sobre a proposta (PEC) de revitalização do rio que já tramita no Congresso.
Dinheiro
O ‘Estado’ tem longa entrevista com o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, em Zurique, em que reclama abertamente de pontos da política econômica: ‘Ministro ataca câmbio, juro e penúria’. Não vi na Folha.
Cotidiano
A cobertura da Folha de hoje sobre o ‘batidão proibido’ (‘Funkeiro indiciado diz cantar a realidade’) está muito centrada no aspecto criminal, com pouco espaço para a discussão cultural e social que está por trás do funk.
O jornal cita o jornalista Silvio Essinger, que acha o indiciamento de funkeiros uma ‘hipocrisia’, mas não explica por que ele acha isso. É uma discussão que não pode ficar restrita à questão policial, e não é um fenômeno só do Rio.
A Unicamp receberá um repasse extra no orçamento de 2006 de R$ 18, 5 milhões, como está no infográfico ‘O orçamento da Unesp’ (capa do caderno ‘Cotidiano’ da Edição Nacional), ou R$ 20 milhões, como está no texto ‘Alckmin exclui Unesp de orçamento extra’?
Esporte
O juiz Edílson Pereira de Carvalho voltou a falar, agora para o ‘Estado’, e fez mais uma acusação: ‘A federação paulista sempre me pediu para fazer resultados’. Este caso promete ir longe.
04/10/2005
Os três grandes jornais enfocam problemas diferentes:
Folha – ‘Para Lula, existem dificuldades para apurar denúncias’.
‘Estado’ – ‘Estados cortam crédito em represália à União’.
‘Globo’ – ‘Favelas: vereadores já têm três projetos para remoção’.
As dificuldades que as CPIs estão tendo para investigar as denúncias de corrupção também estão nas manchetes do ‘JB’ – ‘Vem aí o perdão dos pecados’ – e do ‘Correio Braziliense’ – ‘A lenta agonia das CPIs’.
Caminho das águas
O ‘Painel’ informa, na nota ‘Duro de roer’ (pág. A4), que ‘Lula escalou Ciro Gomes para atuar na negociação que tenta colocar fim à greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio contra a transposição do rio São Francisco’. O noticiário do próprio jornal informa, no entanto, que ‘segundo a assessoria do ministro [Ciro Gomes], uma eventual negociação com o bispo é assunto do Palácio do Planalto (‘Licença para transposição sai nesta semana’, pág. A8).
O ‘Valor’ explica melhor esta aparente contradição: ‘No Palácio do Planalto, a avaliação é que o presidente corre o risco de se desgastar com um embate com o bispo. Para esses assessores do presidente, a negociação deveria ser feita pelo ministro da Integração, Ciro Gomes, para evitar um desgaste direto de Lula com o caso. O ministro, no entanto, prefere que o tema seja tratado na Presidência da República’.
Ou seja, a greve virou uma batata quente nas mãos do governo, que não sabe como agir. Este jogo de empurra dos bastidores precisa ser contado pelo jornal.
Texto
A cobertura da Folha dos acontecimentos do dia raramente se preocupa com os horários dos fatos. Muitas vezes eles são realmente dispensáveis, mas nem sempre.
A reportagem ‘Lula critica ‘denuncismo’ e diz que reeleição se constrói’, na página A4 da Edição São Paulo, chama a atenção para os vários compromissos cumpridos ontem pelo presidente, mas não informa a que horas ocorreram. Abre, inclusive, reforçando a seqüência de compromissos (‘Num dia em que discursou para empresários, moradores de favela e sindicalistas (…)’), mas se limita a informar que ‘o primeiro encontro de Lula foi na Fiesp …’. Foram todos de manhã? Duraram o dia inteiro?’