Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Crítica interna


’04/11/2005


A entrevista, ontem, do relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio, em que antecipa uma de suas conclusões sobre a origem parcial do dinheiro que abasteceu o valerioduto é a manchete dos principais jornais, com exceção dos econômicos. As formulações dos títulos não deixam margem para dúvidas.


A Folha comete uma impropriedade (igual a da manchete do ‘Estado’ de ontem) de atribuir uma informação do relator à CPI sem que o relatório tenha sido apresentado e aprovado; é uma ‘licença jornalística’ muito comum, mas incorreta – ‘Mensalão teve dinheiro do BB, diz CPI’.


‘Estado’ – ‘R$ 10 mi do BB para o caixa do PT’.


O ‘Globo’ ainda teve a preocupação de atribuir a conclusão a Serraglio – ‘Relator diz que BB abasteceu valerioduto com R$ 10 milhões’.


‘JB’ – ‘Denúncia anula tese do caixa 2’.


‘Correio Braziliense’ – ‘Olha só quem pagou o mensalão: o BB’.


‘Zero Hora’ – ‘CPI derruba versão de empréstimo do PT’.


Quem teve mais cautela foi o ‘Valor’. Na sua primeira página, chamou para uma outra informação, ‘CPI ameaça ir ao STF para ter contas de Duda’. E, internamente, deu um título menos peremptório: ‘CPI encontra indício de uso de dinheiro público’.


De qualquer forma, é o segundo dia seguido de notícias vindas da CPI com indícios de que os empréstimos feitos por Marcos Valério não existiram (manchete do ‘Estado’ de ontem, ‘Empréstimos de Valério são falsos, conclui CPI’, e artigo do deputado Gustavo Fruet na Folha) e de que parte dos recursos pode ter vindo do Banco do Brasil.


Na capa da Edição SP, a Folha mantém a atenção no caso Cuba – ‘Empresário confirma ter cedido avião do ‘caso Cuba’ – e dá o devido destaque para um crime que parecia esquecido, os assassinatos de moradores de rua – ‘Promotoria pede prisão de seis por chacina no centro’.


Embora seja verdade que as atenções voltadas para o presidente Hugo Chávez devem acabar ofuscando a presença do presidente Lula na Cúpula das Américas (título da Folha), o enunciado do ‘Estado’ – ‘Divisão sobre Alca ameaça a Cúpula das Américas’ – toca mais diretamente no aspecto principal das divergências anunciadas. Mas o texto interno do enviado especial da Folha sustenta bem a decisão de ter o presidente venezuelano como foco e condutor da reportagem.


Escândalo do ‘mensalão’


Um problema sério na Edição Nacional do jornal. Mais uma vez a Folha não explica que crimes aponta nas acusações que publica. O noticiário de hoje indica que é muito grave o fato de ter sido descoberto indícios de dinheiro público, vindo do Banco do Brasil, no esquema que alimentou o valerioduto. A revelação feita ontem desmancha a defesa apresentada pelo PT de uso de caixa 2. OK. Mas, o que muda, sob o ponto de vista legal, na situação dos envolvidos? Comprovado que os recursos são, mesmo que parcialmente, do BB e não de empréstimos bancários, que novos crimes foram cometidos? O jornal, não sei se por decisão editorial, por desconhecimento das leis ou por esquecimento, nunca explicita os delitos cometidos. O leitor imagina que deve ter sido realmente um crime cabeludo, tanto que mereceu a manchete do jornal, a abertura diferenciada das páginas de Brasil e três páginas do jornal. Mas não tem um ‘Saiba mais’ nem mesmo uma linha explicando: comprovado o uso de dinheiro público, os envolvidos devem responder por tais crimes.


Na Edição SP o jornal informa, no pé do texto de abertura (pág. A4): ‘Se confirmadas as informações divulgadas pela CPI, os envolvidos no esquema poderão ser enquadrados na Lei do Colarinho Branco (7.492/86), por crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. O artigo 19 dessa legislação prevê como pena reclusão de dois a seis anos (além de multa) aos envolvidos em empréstimo financeiro obtido por meio de fraude’.


Só isso? E o desvio de dinheiro público? E o uso de dinheiro público para fins eleitorais e partidários?


Segundo o ‘Estado’, o relator Osmar Serraglio analisa as ‘responsabilidades civil, criminal e administrativa’ dos envolvidos e pode propor o indiciamento do ex-ministro Luiz Gushiken.


A juíza


Segundo o ‘Globo’, o Tribunal de Justiça do Rio julgou improcedente a exceção de impedimento movida pelos advogados do grupo Opportunity contra a juíza Márcia Cunha de Carvalho.


A Folha, que na edição de 7 de outubro noticiou que a ‘Justiça analisa decisão de juíza contra Dantas’ e publicou uma entrevista com a juíza (‘Magistrada vê tentativa de desmoralização’) em que ela considerou ofensiva a primeira pergunta que o jornal lhe fez, tem agora a obrigação de noticiar a decisão da Justiça.


Aviso


Viajo, a partir de segunda-feira, para os Estados Unidos. Por esta razão, não haverá Crítica Interna na próxima semana.


03/11/2005


Folha e ‘Estado’ obtiveram informações importantes do deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator de movimentação financeira da CPI dos Correios, mas deram tratamentos diferentes em suas edições. O ‘Estado’ dá como certo que o relatório de Fruet mostrará que os empréstimos bancários apontados por Marcos Valério como a origem dos recursos que repassou para o PT não existiram. A manchete: ‘Empréstimos de Valério são falsos, conclui CPI’. A Folha não chamou para o assunto na primeira página e, internamente, preferiu destacar outro ponto das informações que recebeu: ‘Lista trará 50 saques não identificados’. Além das informações, a Folha tinha o artigo do próprio Fruet – ‘CPI dos Correios: fatos’ – em que ele relaciona cinco pontos para demonstrar que os empréstimos não existiram. Como estamos às vésperas da apresentação do sub-relatório, nada justifica que a Folha não tenha dado destaque para o assunto na sua capa.


A manchete da Folha é uma informação exclusiva, mas sem o mesmo impacto da do concorrente: ‘Lula pede que ministros gastem mais’. O ‘Globo’ destaca os enfrentamentos entre oposição e governo no Congresso: ‘CPIs: nova denúncia de grampo acirra ânimos’.


O ‘Estado’ tem outros dois títulos importantes na capa: a repercussão no governo da entrevista que publicou ontem com o presidente Bush – ‘Elogios de Bush constrangem PT’ – e um mea-culpa do ministro Roberto Rodrigues – ‘Ministro admite ‘relaxamento’ com febre aftosa’.


Projeto Carajás


Feita à distância e num feriado, a reportagem sobre o conflito entre índios e a Vale (‘Após invasão, Vale afirma que índios exigem carros de luxo’, pág. A10), no Pará, dá a visibilidade que o assunto merece depois do anúncio pago pela empresa, ontem, em vários jornais (‘A CVRD e as comunidades indígenas’).


Mas deixa no ar questões importantes que só podem ser respondidas com uma reportagem local. Para onde vai o dinheiro que a Vale diz destinar aos índios? Como é feito este cálculo? A empresa tem razão nas queixas que faz publicamente? E o governo nesta história? A Vale o acusa de ficar parado ‘assistindo à destruição da competitividade da indústria brasileira’ .


No ‘Estado’, os índios negam que tenha havido a invasão da empresa e a ocupação das instalações (‘Índios negam invasão e cobram acordo com Vale’)


Cofre aberto


Não sei o critério adotado para editar em ‘Dinheiro’ o texto com informações de bastidores sobre a decisão do governo de cobrar eficácia do seu ministério, ‘Superávit alto leva Lula a acelerar gasto’.


É uma reportagem típica de política porque trata da estratégia eleitoral do governo para 2006.


A manchete do jornal, capa do caderno ‘Dinheiro’ , tornou descartável a nota ‘Aprendendo a gastar’, no ‘Painel’ (pág. A4).


Ciência


A edição da tradução do texto ‘Aquecimento global levará tundra embora, diz estudo’ (pág. A16) deveria ter se preocupado em explicar o que é a tundra e o que são os caribus, ambiente e animais pouco conhecidos entre nós.


Subúrbios


Bom o final do texto ‘Subúrbios são hoje guetos de árabes pobres’ (pág. A13) que tenta explicar a origem dos distúrbios em Paris: ‘A mídia só presta atenção a essas regiões quando há notícias sobre estupros, tráfico de drogas ou suspeita de extremismo islâmico’.


Guardadas as diferenças das causas dos conflitos, poderia ser aplicado à cobertura das nossas cidades.


01/11/2005


A capa da ‘Veja’ é ainda o principal assunto da Folha. O tom cuidadoso que adotou desde o início em relação à reportagem da revista sobre os dólares de Fidel para a campanha de Lula foi hoje para a manchete do jornal: ‘Oposição adota cautela sobre caso Cuba’. O editorial ‘Confronto aberto’ (pág. A2) não descarta a veracidade da nova acusação contra o PT, critica o governo pelas ‘inquietantes notícias’ de que prepara uma ‘guerra’ contra os seus adversários e parte da mídia, mas reforça o movimento que pede ‘sensatez’ à oposição na discussão sobre o impeachment. O colunista Clóvis Rossi foi o primeiro que li que escreveu com todas as letras que não viu consistência na reportagem da revista: ‘O mais elementar sentido comum e um tiquinho de informações básicas bastam para tornar completamente inverossímil a versão publicada pela revista ‘Veja’ a respeito dos dólares de Cuba para a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002’.


O ‘Estado’ não deu manchete para o caso Cuba. A chamada que publicou na capa sobre o assunto ressalta o que seria a estratégia do governo para enfrentar as novas acusações: ‘Lula ordena ofensiva contra a oposição’. O ‘Globo’ apenas noticia: ‘Denúncia sobre Cuba vai para CPI dos Bingos’.


A manchete do ‘Estado’, do ‘Globo’ e de vários outros jornais – exceto os de economia – é o aperto fiscal:


‘Estado’ – ‘Superávit bate recorde, mas os juros também’.


‘Globo’ – ‘Governo Lula cumpre em 9 meses a meta fiscal do ano’.


‘Correio Braziliense’ – ‘Arrocho federal’.


Escândalo do ‘mensalão’


A cobertura da Folha do caso Cuba, que o jornal está chamando de ‘Conexão Cubana’, está praticamente restrita aos desdobramentos políticos (‘Oposição modera ataques, poupa Lula e pede apuração’, ‘Planalto escala PT para isolar Lula da crise’, ‘Para Lula, PT é quem deve reagir a acusações’, ‘Presidente avalia enviar emissário para discutir crise política com Serra’) e quase não existe apuração própria (‘Suposto dono de Omega venceu licitação em Ribeirão sob Palocci’).


A Folha informa seguidamente sobre a intenção do governo de enfrentar a oposição e ‘setores da mídia’ ou ‘setores da imprensa’ (editorial ‘Confronto aberto’ e informações de bastidores no texto ‘Para Lula, PT é quem deve reagir a acusações’, na pág. A6 da Ed. Nacional ou A5 da Ed. SP).


Não seria o caso de o jornal se esforçar para fazer uma reportagem menos genérica sobre a insatisfação do governo com a imprensa? Que setores da mídia são estes? A Folha está incluída?


O jornal grafa erroneamente a lei de talião com maiúscula (‘Presidente avalia enviar emissário para discutir crise política com Serra’, pág. A6 da Edição Nacional e A5 da Edição SP).


Enfim, uma reportagem que explica com clareza porque não interessa à bancada do PT no Senado a abertura de processo de cassação contra o senador Eduardo Azeredo, do PSDB: ‘Senadores do PT não querem cassar Azeredo’ (pág. A7).


Toda Mídia


A coluna, depois de citar os blogs de Jorge Bastos Moreno, no Globo Online, de Josias de Souza, na Folha Online, e de Ricardo Noblat, no iG, refere-se, ‘para contraste’, a ‘blogs independentes’ (Sítio do Sérgio Léo e Vida & Política, de Wilson Tosta). Em se tratando de imprensa, o termo ‘independência’ tem o sentido de autonomia, de liberdade editorial. Assim como saiu, ficou parecendo que os blogs de Jorge Moreno, Josias de Souza e Ricardo Noblat não têm independência jornalística.


Título


‘Elo de famílias de mortos políticos’ é uma forma muito ruim para designar a representante dos familiares na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (‘Elo de famílias de mortos políticos deixa comissão’). E a notícia importante, que mereceu uma referência na capa do jornal, acabou escondida no pé da página A9.


Legenda


A legenda da foto da pág. A 14 de Ciência se refere ao camundongo macho que emite ‘canção’ ultra-sônica como o animal da esquerda, mas o que aparece ‘cantando’ é o da direita.


Esporte


Os dois títulos da capa do caderno ‘Esporte’ referem-se ao jogador Roger: ‘Contusão de Roger reforça dupla face do Corinthians’ e ‘Cirurgia abre campanha por vaga no meio’. A página está ilustrada com sete fotos. Nenhuma do personagem principal das duas reportagens.’