Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crítica interna


’21/12/2005


Na falta de novidades, a Folha trouxe uma manchete fraca – ‘Valério vai à Justiça e cobra do PT R$ 100,6 mi’. A decisão de entrar na Justiça já era conhecida.


Seus concorrentes não estão melhores:


‘Estado’ – ‘Lula diz que 4 anos de governo é pouco’.


‘Globo’ – ‘Manobra no Congresso garante liberação de verbas’.


Espero que não seja uma indicação do que os leitores receberão nos próximos dias de festas.


‘Painel do Leitor’


É de comemorar um ‘Painel do Leitor’ sem nenhuma autoridade pública e sem nenhum assessor de imprensa. Deve ser o espírito de Natal.


Mundo


Um problema de edição: a nota sobre as pesquisas de avaliação do governo Bush (‘Pesquisas sobre aprovação de Bush divergem’, pág A10) deveria ter sido publicada junto com o noticiário sobre o presidente americano, que trata exatamente do seu desgaste político, e não como uma sub da reportagem sobre o Iraque.


‘Globo’ e ‘Estado’ registram que um porta-voz de Evo Morales informou que o presidente eleito da Bolívia não teria chamado Bush de terrorista (‘Eleito diz à TV Al Jazira que Bush é terrorista’). Segundo o funcionário, teria ocorrido um erro de tradução. Como a frase é muito forte, vale recuperar a entrevista original.


Crimes Hediondos


Por que o deputado Luiz Antonio de Medeiros, um sindicalista, é considerado um especialista na Lei de Crimes Hediondos? Se ele é mesmo, isso deveria ter sido informado na reportagem ‘Lei de Crimes Hediondos divide especialistas’ (pág. C3 da Edição SP) para justificar a sua inclusão numa enquete que ouviu advogados.


José Dirceu


A propósito da nota ‘José Dirceu’ que escrevi ontem na Crítica Interna e na qual fiz referência a um acesso negociado ao almoço em que o ex-ministro José Dirceu se despediu de sua ‘temporada carioca’, recebi do jornalista Jorge Bastos Moreno a seguinte mensagem, que reproduzo na íntegra:


‘Sr. Ombusdman,


Fui convidado pelo escritor Fernando Morais para um almoço no sábado com José Dirceu, com a promessa do ex-deputado de finalmente dar uma entrevista para o meu blog, o que não aconteceu. Do aeroporto, fui direto para o apartamento do escritor, pensando que o almoço seria lá. Para sorte minha, Fernando ainda estava em casa e, assim, pude acompanhá-lo até o local, um apartamento no final do Leblon. Perguntei ao Fernando de quem era o apartamento e ele me disse que era de um amigo do Zé Dirceu. Eu pensava que o Zé estava hospedado no apartamento dele. Quando subi, perguntei pelo dono do apartamento para o próprio ´Zé Dirceu que me respondeu que o proprietário era um amigo seu e não se encontrava no local. Ninguém quis dizer o nome do proprietário.


Desconhecia quem estaria nesse almoço. Encontrei com a Mônica Bergamo lá. Ela saiu antes de mim e junto com Zé Dirceu. Eu fiquei mais tempo conversando com Vladimir Palmeira e o chef do Piantella, Marco Aurélio. Insisti e os dois disseram que não sabiam quem era o dono do apartamento.


Quanto ao acordo Folha/ O Globo tenho a dizer o seguinte: Há mais de 15 anos eu não trabalho no fim de semana. O almoço terminou tarde e, mesmo se quisesse, só poderia escrever de domingo para segunda. Perguntei para Mônica:


— Você trabalha no domingo?


E ela me disse que iria escrever isso na segunda-feira.


Achei bom, pois eu iria trabalhar somente na segunda-feira.


Se vc chama isso de acordo, eu discordo. Como também discordo que um jornalista do seu nível escreva que as duas matérias são foram publicadas ‘três dias depois’, dando a impressão de que o material ficou guardado na gaveta. Quando digo que não costumo trabalhar nos fim de semana, esclareço, para que não paire nenhuma dúvida sobre a minha responsabilidade profissional, que se eu achasse a matéria perecível e altamente relevante para ser publicada imediatamente, eu amanheceria domingo no jornal para escrevê-la. Sou visceralmente contra o pool, desde que comecei na profissão. E, por coincidência, a Mônica disse que também é contra o pool. Não teve acordo, não há acordo, não faço acordo.


Se fosse outra pessoa que tivesse feito essa acusação injusta, eu nem ligaria. Mas o seu caso é diferente. Seu trabalho sério e independente me obriga a fazer estes esclarecimentos. Lamento o fato de vc não ter investigado o que de fato aconteceu. Se o tivesse feito, tenho certeza de que não cometeria essa injustiça com a Mônica e comigo.


Do admirador,


Jorge Bastos Moreno’.


O ‘Estado’ de hoje informa que o apartamento onde ocorreu o almoço, na praia do Leblon, é da escritora Leilah Assumpção.


20/12/2005


Os três grandes jornais assim interpretaram a reunião de ontem de Lula com o seu ministério, a última do ano:


Folha – ‘Furlan e Palocci divergem sobre fórmula para crescer’ (Ed. Nacional) e ‘Ministros isolam Palocci e pedem mudanças a Lula’.


‘Estado’ – ‘Lula à equipe: gastem e defendam o governo’.


‘Globo’ – ‘Em reunião de ministros, Lula cobra de Palocci queda do PIB’.


E assim interpretaram o primeiro discurso do presidente eleito da Bolívia, o socialista Evo Morales:


Folha – ‘Presidente eleito da Bolívia ataca ingerência dos EUA na região’.


‘Estado’ – ‘Evo Morales já abandona tom de conciliação’.


‘Globo’ – ‘Presidente eleito da Bolívia vai lutar contra narcotráfico’.


‘O país das oportunidades’, da colunista Maria Inês Dolci em defesa dos consumidores, merecia um extrato na capa do jornal.


Congresso


Boa a iniciativa do jornal de publicar o infográfico ‘Balanço da convocação extraordinária do Congresso’ (pág. A6). É uma forma legítima de pressionar os parlamentares e de prestar contas aos leitores. A iniciativa poderia se estender aos trabalhos das CPIs, uma das razões da convocação extraordinária.


Bolívia


Vi dois pontos fracos na cobertura do resultado eleitoral na Bolívia: a reação do governo brasileiro e a análise sobre os interesses econômicos do Brasil e da Bolívia no caso do gás.


Para efeito de comparação, vale ler duas reportagens do ‘Valor’ que trataram com mais informações e análises destes dois pontos: ‘Brasil crê que Morales não fará governo extremista’ (a fonte principal é o embaixador do Brasil em La Paz, Antonino Mena Gonçalves) e ‘Petrobras espera definições mas não teme por gás’.


A Folha tem mais informações sobre o que pensam os Estados Unidos sobre a eleição do que sobre a avaliação que faz o Planalto (‘Comportamento de Morales será vigiado, diz Rice’, pág. A10). A Edição São Paulo traz apenas dois parágrafos com a nota oficial do Itamaraty sobre a eleição de Evo Morales (‘Lula se ‘regozija’ com vitória de Morales’, pág. A12), sem bastidores. A Edição Nacional não traz sequer a nota oficial.


E o jornal ignora uma informação importante que contradiz a tensão identificada com a eleição de Morales: segundo o ‘Valor’, a Petrobras ‘não se oporia à venda das refinarias, desde que o preço fosse negociado de comum acordo, já que a operação, que foi deficitária por algum tempo, teria hoje margem de lucro muito pequena’. Em outro trecho, o jornal econômico informa que o Brasil comprou as duas refinarias que agora estão em foco a pedido dos próprios bolivianos, que não conseguiam operá-las nem vendê-las.


Para o embaixador do Brasil na Bolívia ouvido pelo ‘Valor’, há exagero da mídia brasileira sobre a ameaça de nacionalização das duas refinarias controladas pela Petrobras.


O governo brasileiro concorda com a avaliação de um delegado da Polícia Federal que prevê que, com a eleição de Morales, o ‘tráfico de pasta de coca deve aumentar’ (pág. A11)? Não estava na hora de o jornal ter uma avaliação mais precisa da análise que o governo brasileiro de fato faz da eleição de Morales e dos aspectos que realmente o preocupam?


A cobertura na Bolívia está boa. O que falta é a retaguarda no Brasil.


As pesquisas eleitorais erraram completamente o resultado das eleições bolivianas. Segundo o embaixador do Brasil, os erros se explicam pela falta de rigor científico das pesquisas e a dificuldade de acesso a regiões mais afastadas. Sugiro que o jornal aborde este aspecto. Já existe um questionamento grande em relação a pesquisas eleitorais e as teorias conspiratórias as vêem como instrumento de manipulação eleitoral. É um bom assunto para o jornal.


‘Cotidiano’


Uma mulher foi hospitalizada no Rio porque uma jaca caiu na sua cabeça quando atravessava o Campo de Santana, área verde no centro da cidade (‘Mulher se fere e é hospitalizada após uma jaca cair em sua cabeça no Rio’, pág. C2 da Edição SP e C3 da Edição Nacional). Desvarios do jornalismo por telefone: ‘Funcionários da Fundação Parques e Jardins, que trabalham no local, confirmaram à Folha que há, no Campo de Santana, diversos pés de jaca’.


José Dirceu


A Folha e o ‘Globo’ tiveram acesso negociado ao almoço no Rio, no sábado, em que o ex-ministro José Dirceu se despediu de sua ‘temporada carioca’: ‘Só voto em Lula se ele disser o que vai fazer’ (‘Mônica Bergamo’, ‘Ilustrada’, Folha) e ‘Dirceu: ‘establishment’ não quer Serra presidente’ (Jorge Bastos Moreno, ‘Globo’). O acordo deve ter incluído não revelar o nome da proprietária (‘uma amiga’) do apartamento de frente para o mar e só publicar a notícia hoje, três dias depois.’