“15/09/2006
Manchete de ontem do jornal ‘Valor’, a crise entre o Brasil e a Bolívia tomou conta das Primeiras Páginas de hoje dos principais jornais do país. Alguns jornais, como a Folha e o ‘Valor’, apenas registraram o novo capítulo da disputa. Outros fizeram suas interpretações da queda de braço entre os dois governos, algumas favoráveis a Brasília, caso do ‘JB’, e outras críticas, como o ‘Estado’, o ‘Globo’ e, mais explícito, o ‘Correio Braziliense’:
Folha – Começou a rodar com um título de difícil compreensão – ‘Bolívia congelou confisco da Petrobras, afirma Lula’ – mas depois mudou para ‘Bolívia suspende confisco das receitas da Petrobras’.
‘Estado’ – ‘Bolívia provoca nova crise e confunde governo Lula’.
‘Globo’ – ‘Morales prejudica Petrobras de novo e Lula quer ´ajudar Bolívia´‘.
‘Valor’ – ‘Bolívia suspende expropriação de refinarias’.
‘Gazeta Mercantil’ – ‘Petrobras quer levar Bolívia a tribunal internacional’.
‘Jornal do Brasil’ – ‘Brasil reage e Bolívia recua de confisco’.
‘Correio Braziliense’ – ‘Bolívia faz o Brasil passar novo vexame’.
‘Estado de Minas’ – ‘Bolívia confisca refinarias’.
‘Zero Hora’ – ‘Bolívia reabre guerra à Petrobras e Lula endurece com Morales’.
A melhor foto do dia é a do acidente no prédio em São Paulo. A imagem do ‘Estado’, que aproxima mais os andaimes queimados, perde um pouco a noção da altura, mas assim mesmo é melhor do que a da Folha porque dá mais visibilidade para o drama do operário pendurado e para os estragos do incêndio. Embora entenda que o jornal tenha tido a preocupação de registrar a visita do tesoureiro da campanha eleitoral do PT no Palácio do Planalto, acredito que teria sido possível dar mais destaque para a foto do operário pendurado. O jornal teria ganhado em dramaticidade. Bem, é possível que o jornal tenha evitado propositalmente a dramaticidade, editando a foto abaixo da dobra e de uma distância que prejudica a nitidez. Neste caso, deveria ter evitado o suspense e informado logo na legenda o que aconteceu com o operário pendurado. O leitor precisa recorrer ao noticiário interno para saber que ele se salvou.
Eleições 2006
A Folha está certa em acompanhar os passos do tesoureiro da campanha de Lula, José de Filippi Júnior, e de registrar sua visita ao Palácio do Planalto. Afinal, são sempre confusas as relações entre campanhas, partidos e governos, e não é de hoje. Mas a reportagem que registra a visita – ‘Tesoureiro da campanha de petista vai ao Planalto, a andar de gabinete de Lula’, pág. A4 – mais insinua do que informa. O que teria havido de errado caso o tesoureiro tivesse se encontrado ontem com Lula no Planalto? Um crime eleitoral? Uma imoralidade? Por que o jornal não deixa claro para os seus leitores o que estava em jogo? Só o registro da passagem do tesoureiro pelo Planalto não justificaria o destaque dado pelo jornal na Primeira Página.
Bento 16
A Folha deu mal, na Edição Nacional, a crise provocada pelas declarações do papa Bento 16 a respeito do islamismo. O erro de avaliação foi corrigido na Edição SP – ‘Vaticano tenta amenizar crítica indireta a Maomé’ (pág. A14).
Título
Ficou ruim o título ‘Irmã de jogador é libertada após resgate’ (pág. C9 da Edição SP). É claro que após ser resgatada ela estava libertada!
Sei que a intenção era outra, mas no caso teria que ter ficado explícito que ela foi libertada após o pagamento do resgate, como está no título da Edição Nacional.
Bolívia
A propósito do noticiário sobre a Bolívia, recebi do editor de ‘Dinheiro’, Sérgio Malbergier, via Secretaria de Redação, a seguinte resposta ao comentário que fiz ontem na Crítica Interna, em que chamei a atenção para a manchete do ‘Valor’ (‘Bolívia assume refinarias sem pagar Petrobras’):
‘A manchete do ‘Valor’ está errada. A Bolívia não está assumindo as refinarias da Petrobras via resolução. Desde o decreto de nacionalização, emitido em maio, o governo já havia determinado que assumiria o controle acionário das duas unidades, mas até agora não há um consenso sobre o valor a ser pago. O novo argumento do governo boliviano, com a nova resolução, é que a Petrobras superfaturou o preço dos produtos de suas refinarias no mercado interno boliviano, e esse excedente, de ao menos US$ 320 milhões, terá de ser levado em consideração no cálculo do valor das refinarias. Ou seja, eles querem um encontro de contas. Portanto, as duas unidades continuam sob administração da Petrobras, sem previsão de mudança do controle acionário até um acordo entre as partes. Além disso, a resolução do governo boliviano noticiada pelo ‘Valor’ hoje foi publicada um dia antes pela Folha, apesar de o ‘Valor’ estar com repórter em La Paz. A reportagem da Folha de hoje, quinta-feira, é uma suíte, e o título traz, mais uma vez, uma informação exclusiva, a decisão de cancelar a reunião de alto nível entre os ministros dos dois países marcada para amanhã (sexta), em La Paz’.
Alguns comentários:
1 – Antes de tudo, o mérito da Folha: realmente o jornal foi o primeiro a noticiar, na Edição SP de quarta-feira, a resolução do governo da Bolívia (‘Bolívia cria monopólio de derivados de petróleo e GLP’) e a antecipar, na edição de ontem, que o governo brasileiro havia cancelado a reunião com autoridades bolivianos prevista para hoje em La Paz.
2 – Não concordo que a manchete do ‘Valor’ esteja errada, embora isso seja problema do ‘Valor’. O confisco das receitas, como a Folha passou a sintetizar a resolução na edição de hoje, e o artifício de apontar ‘ganhos extraordinários’ da estatal brasileira no cálculo da aquisição das refinarias significa, na prática, a apropriação das refinarias sem pagamento.
A minha impressão é a de que a resolução do governo da Bolívia, agora suspensa, ainda não foi completamente compreendida. Tanto que os jornais usam, de forma indiferente, confisco, expropriação, rebaixamento, encampação e outros termos sem precisão jurídica. A própria interpretação da Folha foi sendo alterada desde a primeira reportagem.
3 – De qualquer maneira, ficou claro que a Primeira Página da Folha não percebeu imediatamente a importância da resolução baixada pelo governo da Bolívia na noite de terça-feira e, apesar de dois ‘furos’ seguidos, o assunto só foi para a capa do jornal no terceiro dia da crise, hoje.
4 – É impressionante também como os outros jornais, com exceção do ‘Valor’, custaram tanto a acordar para a notícia e a destacá-la. Só o fizeram diante da reação do governo brasileiro.
14/09/2006
As notícias não são boas na economia e estão nas manchetes e principais chamadas da Folha e do ‘Estado’.
Folha – ‘Jovens são 45,5% dos desempregados’ e ‘Dívida pública cresce R$25 bi em agosto com juros e emissões’.
‘Estado’ – ‘FMI prevê que o Brasil continuará crescendo pouco’ e ‘Investidores preocupados’.
A Folha não deu destaque na Primeira Página para a nova medida do governo da Bolívia contra a Petrobras e, internamente, deu um título ruim, cifrado – ‘Bolívia ´rebaixa` Petrobras, e governo cancela reunião’ (parece título de ‘Esporte’). A manchete do ‘Valor’ foi direta: ‘Bolívia assume refinarias sem pagar Petrobras’. O jornal econômico está com um repórter em La Paz.
A meu ver, a notícia do assassinato da perita do INSS em Governador Valadares é mais importante do que a prisão de um brasileiro que foi detido porque aprontou num vôo interno nos Estados Unidos.
Eleições 2006
A Folha ignorou o debate realizado na noite de ontem na TV Gazeta, em São Paulo, entre os candidatos a presidente da República. O ‘Estado’ editou meia página sobre o encontro na sua última edição – ‘Candidatos propõem fim da reeleição’. Lula não compareceu.
O relato mais completo, como está no ‘Globo’, dos comentários feitos ontem em São Paulo por Heloísa Helena, candidata do PSOL à Presidência, mostra que não está correto o resumo feito pela Folha no texto-legenda que acompanha a foto ‘To nem aí’ (pág. A6 na Edição SP e A14 na Edição Nacional). Segundo a Folha, a senadora ‘deixa o Instituto Ethos, em São Paulo, após dizer não estar ´nem aí` para programa de governo’. O que ela disse, segundo o relato do ‘Globo’, é que tem falado sobre programa de governo todos os dias e não está nem aí para as divergências programáticas entre o PSTU e o PSOL, partidos que apóiam. É bem diferente.
Se o relato do ‘Globo’ está correto, o corte feito pela Folha distorceu a declaração da senadora e o jornal deveria corrigir o erro.
INSS
Está mal avaliada pelo jornal a cobertura do assassinato da médica Maria Cristina Souza Felipe da Silva, perita do INSS, ontem de manhã em Governador Valadares (‘Médica do INSS é assassinada em Minas’, pág. B7). Se o caso não foi para ‘Cotidiano’ é porque o jornal considera que não é um assassinato comum. Como os crimes de fraudes no INSS continuam acontecendo com freqüência, o jornal deveria ter dado mais atenção para o assassinato.
‘Dinheiro’
O ‘Estado’ traz uma cobertura maior, mais forte (‘Brasil continua devagar, diz FMI’) e com mais destaque (manchete do jornal e capa do caderno ‘Economia’) do que a da Folha da reunião do Fundo Monetário Internacional em Cingapura.
Em compensação, o ‘Estado’ deu mal a pesquisa do Dieese sobre desemprego entre os jovens, manchete da Folha e capa do seu caderno ‘Dinheiro’.
É uma pena que o jornal não tenha associado a pesquisa ‘15.426 jovens cumprem pena socioeducativa no país’ (pág. C3 de ‘Cotidiano’) à manchete sobre a alta taxa de desemprego entre os jovens.
‘Cotidiano’
O jornal ignora o vídeo exibido ontem pelo Jornal Nacional que mostra a chegada da advogada Carla Cepollina em casa na noite de sábado.
Títulos de ‘Esporte’
Hoje tem dois bons exemplos de títulos cifrados: ‘Muricy inflaciona troféu para obter estabilidade’ e ‘Palavra emperra patrocínios do Pan’.
11/09/2006
Campanha eleitoral morna, pelo menos nos jornais. Na Folha e no ‘Estado’ de hoje, más notícias para o PT nas manchetes, mas nada que possa abalar o curso da disputa presidencial: ‘Palocci será denunciado à Justiça por 7 crimes’, antecipa o ‘Estado’; segundo a Folha, ‘TCU diz que governo Lula fez liberação ilegal de verba’. O ‘Globo’ continua com foco nos problemas do trânsito no Rio: ‘Apologia de bebida ao volante será investigada’. O jornal do Rio tenta esquentar a disputa eleitoral com a discussão sobre a situação da BR-116: ‘Estrada aberta para acusações’.
Na edição de ontem, o ‘Estado’ mudou a manchete. Começou a circular com uma chamada para a economia – ‘Governo vê fim da inflação, mas desafio é crescer’ – e depois trocou para a eleição presidencial – ‘Lula canta vitória, Alckmin diz que ´é cedo demais´‘. Prova que a campanha vai realmente morna.
No alto da capa da Folha de domingo, só boas notícias: ‘76% dos brasileiros dizem ser felizes’ e ‘Pacote para a habitação terá financiamento das construtoras’.
Eleições 2006
Uma reportagem que ouve apenas três fontes deveria evitar termos próprios de pesquisas amplas, como ‘maioria’. É o caso do texto ‘Para estrangeiros, corte de gastos será difícil em novo governo Lula – Maioria dá como certa a reeleição do presidente e prevê oposição mais pragmática e dificuldades para o governo aprovar reformas que ajudem país a crescer’ (pág. B1 de ‘Dinheiro’). A reportagem ouve três analistas e consultores de investimentos e dá a entender que a opinião deles reflete a opinião dos ‘investidores estrangeiros’. São generalizações desnecessárias.
México
Pela importância que a própria Folha vinha dando ao movimento de contestação, a decisão do candidato derrotado à Presidência do México López Obrador de encerrar as manifestações e bloqueios de ruas na Cidade do México merecia mais informações – e não apenas a curta nota da página A13 (‘López Obrador encerra bloqueio em rua da capital’) – e alguma avaliação analítica. O ‘Estado’ definiu a decisão como um ‘recuo tático’.
G-20
Embora não tenha trazido nenhuma informação exclusiva relevante, o ‘Estado’ deu mais atenção, espaço e destaque do que a Folha para a cobertura da reunião da Organização Mundial do Comércio realizada ontem e anteontem no Rio para discutir a retomada da Rodada Doha.
Outro lado
A pequena nota em que o presidente da OAB faz críticas diretas ao governador Cláudio Lembo (‘OAB critica grampo a advogados’, pág. C4) deveria estar acompanhada de uma defesa do governador. Não teria sido difícil ouvi-lo, visto que o jornal traz inclusive foto dele na Febem.
E o autor?
A nota ‘Estréia dupla’, na coluna ‘Mônica Bergamo’, informa quem produz, quem traduz, quem atua, quem dirige e quem fez o cenário da peça ‘Pequenos crimes conjugais’. E o autor, não é importante?
Acabamento
Saíram em formato errado as duas últimas notas (Sem censura 1 e Sem censura 2) do ‘Painel’ de hoje (pág. A4) na Edição Nacional.
DOMINGO
Imigrante
A reportagem ‘Imigrante mineiro ´morre` no Texas e em Rondônia’ (pág. A16) não esclareceu o mistério das duas mortes e dos dois enterros de Ronaldo Ribeiro. O assunto é interessantíssimo, mas o que aconteceu de fato? Era melhor o jornal ter continuado a apuração para saber o que está por trás da dupla morte do imigrante.
‘Mais!’
O ‘Mais!’ deste domingo – ‘Os novos messias’ – traz comentários de dois intelectuais brasileiros a respeito do manifesto de apoio à candidatura de Heloísa Helena assinado por centenas de intelectuais dos Estados Unidos e da Europa, mas esqueceu de publicar a íntegra do manifesto. Era imprescindível. Só assim o leitor poderia formar sua própria opinião.
Aviso
Participo amanhã e quarta-feira do Colóquio Latino-Americano sobre Observação da Mídia e do Seminário Internacional sobre Crime Organizado, ambos em São Paulo. Por esta razão não haverá a Crítica Interna amanhã e depois.”