’27/03/2006
Ficou evidente o esforço da Folha em produzir uma Primeira Página de domingo equilibrada em relação à disputa eleitoral para a Presidência da República. Os dois candidatos principais – Lula e Alckmin – tiveram cada qual sua cota de noticiário negativo. A Lula coube, além do acompanhamento do escândalo da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa (‘Mercadante é o favorito para o cargo de Palocci’), parte da entrevista de Lima Duarte e, principalmente, o editorial ‘Abuso de poder’. Sobrou para Alckmin a manchete do jornal – ‘Nossa Caixa beneficia aliados de Alckmin’ – e, embora sem o formato de denúncia, a revelação de que a primeira-dama do Estado de São Paulo tem um guarda-roupa com mais de 400 peças de alta costura doadas por um estilista.
‘Lula deve decidir hoje o futuro de Palocci’, é a manchete da Folha e a expectativa de todos os principais jornais: ‘Solução do caso Palocci não pode passar de hoje, diz Lula’ (‘Estado’); ‘Depoimento abre semana decisiva de Palocci’ (‘Globo’); ‘Lula decide hoje quem comandará a Fazenda’ (‘Valor’); ‘O dia da decisão’ (‘Correio Braziliense’).
Tráfico
Vi vários problemas na reportagem que a Folha fez no morro do Turano, no Rio, e que ganhou destaque na Primeira Página de domingo – ‘Tráfico implanta o ‘vale-droga’ em morros cariocas’.
Antes de analisar a reportagem, duas questões:
1 – Segurança – O jornal não informa de que maneira o repórter conseguiu acesso ao morro e acompanhou o traficante durante sete horas, ao longo de toda uma madrugada. Das duas, uma: ou fez acordo com o tráfico ou subiu sem se identificar como jornalista. As duas alternativas merecem questionamentos. Se foi um acordo, se deu em que termos? Se o repórter não se identificou, corria risco se fosse descoberta a sua identidade?
O problema de segurança é seriíssimo e o jornal tem normas de procedimento para reportagens em áreas dominadas pelo tráfico que devem ser observadas. Estas normas foram observadas, neste caso?
Pelas circunstâncias em que vivemos, o jornal teria de ter deixado claro de que forma teve acesso ao morro e às informações para que não pairasse dúvida sobre a legitimidade da reportagem e a garantia da segurança do repórter.
2 – Coerência – Se o jornal fez acordo com o tráfico e não o justificou abertamente, como pode cobrar do Exército algo parecido? Acho até compreensível que em alguns momentos críticos a imprensa tenha de lançar mão de recursos extremos para obter informações cruciais para o conhecimento do país. Mas está claro que não é este o caso.
Faltou ao jornal transparência e coerência. Espero que não tenha faltado responsabilidade.
Dito isso, a questão é: a reportagem publicada justifica o acordo com o tráfico ou o risco que o repórter correu? O resultado justifica a falta de transparência com o leitor? A minha avaliação é que não.
A reportagem está bem escrita, há um bom trabalho de observação e tem o mérito de trazer um flagrante da crise financeira de uma boca-de-fumo. A informação de que o tráfico está adotando o ‘vale-droga’ para ‘fazer o dinheiro girar mais rápido’ pode ser uma novidade, mas promoções deste tipo já não são novidades há muito tempo. A reportagem que consagrou Tim Lopes e lhe valeu um prêmio Esso foi o ‘feirão’ de drogas em várias favelas. Quantas reportagens já foram feitas sobre a entrega a domicílio? As promoções fazem parte do negócio.
E a reportagem peca pelo mesmo ‘naturalismo’ (para usar o conceito empregado pelo sociólogo Denis Rosenfield para analisar, no ‘Mais!’, o documentário ‘Falcão – Meninos do Tráfico’) de tantas outras reportagens sobre o tráfico que se limitam a descrever o que vêem. E o que vêem já é, no essencial, de conhecimento público. Os personagens do tráfico já são mais do que conhecidos. Descrição por descrição, o documentário passado na TV Globo é muito mais forte e seu impacto ainda está no ar.
O problema hoje da cobertura jornalística é outro: como estão vivendo os moradores das áreas dominadas pelo tráfico? O que a imprensa não tem conseguido fazer, por problemas de segurança, é mostrar o terror que tomou conta das comunidades subjugadas. A Folha conseguiu passar uma madrugada num morro dominado e em apenas um pequeno trecho fala da população, mas para ressaltar que ela está colaborando com o tráfico. É claro que uma parte colabora, por medo ou para se beneficiar de alguma maneira. Mas e o resto? No Turano devem morar umas 7 mil pessoas. Como estão vivendo? Ao focalizar apenas os personagens do tráfico e o aspecto ‘econômico’ do ‘negócio’, o jornal não ajuda a desvendar o terror.
O título da reportagem na capa do caderno ‘Cotidiano’ – ‘Incontrolável, tráfico adota o vale-droga’ – vende a idéia de que vai explicar por que o tráfico é incontrolável, mas isso não ocorre. O que temos bem contado é o funcionamento do ‘movimento’ durante uma madrugada.
As carências da reportagem no Turano são parcialmente compensadas pela entrevista com o coordenador do AfroReggae (‘PIB paulista sobe morro para ‘viver’ pobreza’, pág. C3 de domingo). Ali o leitor encontra informações sobre a situação atual de dominação dos morros e sobre as vidas das pessoas que lá vivem.
O ‘Mais!’ tem o mérito de aprofundar a discussão provocada pelo documentário ‘Falcão’. Mas os artigos e entrevistas, todos interessantes, estão muito parecidos, com pontos de vista semelhantes.
Há um erro grave no final do editorial ‘Infância perdida’, publicado sábado na Folha: ‘O tráfico tende a prosperar nos espaços deixados vagos pelo Estado e pela família -instituição dilapidada, como se vê no documentário, nos morros cariocas’. O documentário traz depoimentos e cenas de favelas de várias cidades brasileiras, não só da capital fluminense. Se fosse só no Rio a situação já seria gravíssima. Mas o documentário mostra que a situação já explodiu para fora do Rio há muito tempo.
E não é verdade que Ramos, bairro da zona norte do Rio, seja ‘zona de meretrício da cidade’, como está na reportagem ‘PIB paulista sobe morro para ‘viver’ pobreza’ (pág. C3). Não sei de onde o jornal tirou isso.
Publicidade suspeita
Parecem contraditórios os dois títulos espelhados sobre os contratos de publicidade da Nossa Caixa no governo Alckmin com jornais, revistas e programas de TV paulistas: ‘Favorecimento a agências em SP é investigado’ (pág. A8) e ‘Denúncia é inverídica e não será investigada, afirma governador’ (pág. A9).
O jornal deveria ter repetido hoje a síntese das defesas das empresas e personagens citados na reportagem sobre publicidade suspeita. A maior parte teve espaço ontem para se defender, mas hoje não mais, apesar da repetição das acusações.
24/03/2006
Com exceção da Folha, comedida, as manchetes dos principais jornais refletem a surpresa com os desdobramentos do caso do caseiro Francenildo Santos Costa:
‘Estado’ – ‘PF já sabe quem violou sigilo, mas vai investigar o caseiro’.
‘Globo’ – ‘Caseiro sofre mais investigação do que os violadores de sigilo’.
‘Correio Braziliense’ – ‘Caixa entrega dois. Mas falta o mandante’.
‘JB’ – ‘A ofensiva dos culpados’.
A manchete da Folha apenas informa: ‘Órgãos do governo investigam caseiro’.
Fotos
A Folha também foi contida na exposição da imagem da semana, as fotos da dança da deputada Ângela Guadagnin, do PT, logo após a absolvição de mais um deputado envolvido no escândalo do ‘mensalão’. ‘Globo’ e ‘Estado’ deram a seqüência de fotos na Primeira Página com títulos parecidos: ‘Samba da pizza’ (‘Globo’) e ‘A dança da pizza’ (‘Estado’). A Folha publicou as fotos internamente, bem espremidas (‘A dança da impunidade’, pág. A8) e, na Edição Nacional que recebi, sem qualidade técnica.
Violência por violência, a foto do ‘Estado’ que flagra a rebelião no sistema penitenciário paulista (‘Cerco’) é mais forte – e mais próxima – do que a da Folha, que retrata a repressão aos estudantes franceses (‘Sufoco’).
23/03/2006
Folha e ‘Estado’ destacaram em suas manchetes a decisão do Supremo Tribunal Federal que mantém as regras para as eleições deste ano. O ‘Globo’ preferiu manter o foco no escândalo da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro que diz ter testemunhado a presença do ministro Palocci na casa de lobby de Brasília.
Folha – ‘STF proíbe coligações livres em 2006’.
‘Estado’ – ‘STF derrota Congresso e limita aliança eleitoral’.
‘Globo’ – ‘Caixa poderia descobrir em minutos quem violou o sigilo’. O escândalo também é a manchete do ‘Correio Braziliense’: ‘Caixa sofre pressão por todos os lados’.
Como os três jornais noticiaram o estudo do IBGE sobre os programas sociais do governo:
Folha – ‘Programas sociais deixam de fora metade dos miseráveis’.
‘Estado’ – ‘15% das casas recebem dinheiro do governo’.
‘Globo’ – ‘Programas assistenciais não acabam com a pobreza’.
O contraste maior é entre a Folha – que parece querer mais programas sociais – e o ‘Globo’ – que critica a ineficácia da política assistencialista.
Retrato do País
Com apenas uma página, a cobertura do estudo do IBGE sobre os programas sociais dos governos ficou esmagada na Edição SP (pág. A11). O jornal teve de sacrificar, com prejuízo para o leitor, diversos aspectos da pesquisa, como histórias, gráficos e repercussão. A discussão sobre a eficiência destes programas não é nova, mas é sempre inconclusa. Esta era uma boa oportunidade para o aprofundamento das avaliações a favor e contra os programas sociais.
23/03/2006
Folha e ‘Estado’ destacaram em suas manchetes a decisão do Supremo Tribunal Federal que mantém as regras para as eleições deste ano. O ‘Globo’ preferiu manter o foco no escândalo da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro que diz ter testemunhado a presença do ministro Palocci na casa de lobby de Brasília.
Folha – ‘STF proíbe coligações livres em 2006’.
‘Estado’ – ‘STF derrota Congresso e limita aliança eleitoral’.
‘Globo’ – ‘Caixa poderia descobrir em minutos quem violou o sigilo’. O escândalo também é a manchete do ‘Correio Braziliense’: ‘Caixa sofre pressão por todos os lados’.
Como os três jornais noticiaram o estudo do IBGE sobre os programas sociais do governo:
Folha – ‘Programas sociais deixam de fora metade dos miseráveis’.
‘Estado’ – ‘15% das casas recebem dinheiro do governo’.
‘Globo’ – ‘Programas assistenciais não acabam com a pobreza’.
O contraste maior é entre a Folha – que parece querer mais programas sociais – e o ‘Globo’ – que critica a ineficácia da política assistencialista.
Retrato do País
Com apenas uma página, a cobertura do estudo do IBGE sobre os programas sociais dos governos ficou esmagada na Edição SP (pág. A11). O jornal teve de sacrificar, com prejuízo para o leitor, diversos aspectos da pesquisa, como histórias, gráficos e repercussão. A discussão sobre a eficiência destes programas não é nova, mas é sempre inconclusa. Esta era uma boa oportunidade para o aprofundamento das avaliações a favor e contra os programas sociais.
22/03/2006
O escândalo da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa continua na manchete dos principais jornais do país. É o assunto.
Folha – ‘Presidência da CEF ordenou quebra de sigilo, afirma CPI’.
‘Estado’ – ‘PFL culpa Palocci por quebra de sigilo’.
‘Globo’ – ‘Presidente da CEF admite quebra ilegal de sigilo’.
‘Correio Braziliense’ – ‘E, na peleja de Palocci com caseiro, sobrou para gerente…’
‘Zero Hora’ – ‘Lula promete ‘punição exemplar’ para quem violou sigilo de caseiro’.
‘JB’ – ‘Governo investiga governo’.
Manchete do ‘Extra’ ressuscita o caso do acordo do Exército com o tráfico do Rio para a recuperação das armas roubadas: ‘Oficial do Exército negociou com tráfico devolução de fuzil roubado – Tenente admitiu à Justiça militar acordo com bandidos, ocorrido em 2004, na favela de Antares’.
As rebeliões nas penitenciárias de São Paulo e a foto do presos justificavam mais do que um texto-legenda na Primeira Página da Folha. Manchete do ‘Diário de S. Paulo’: ‘Onda de motins incendeia penitenciárias paulistas’. O título na capa do ‘Estado’: ‘SP enfrenta onda de rebeliões em presídios’.
‘Erramos’
A seção ‘Erramos’ de hoje comprova como a Folha está demorando a corrigir erros de informação. Dois erros fáceis de serem detectados _ Juan Pablo Montoya é piloto da McLaren, e não da Renault, e o goleiro brasileiro Dida joga no Milan, e não na Roma_ levaram mais de duas semanas para serem corrigidos.
Escândalo do ‘mensalão’
A coluna de Fernando Rodrigues (‘Indecência’, pág. A2) diz textualmente: ‘O extrato de Nildo foi entregue a um assessor de Palocci’. A reportagem sobre a violação da conta do caseiro na Caixa Econômica diz que ‘membros da CPI dos Bingos levantavam suspeitas de que esse assessor seria Marcelo Netto’.
O assessor deveria ter sido ouvido. Se foi procurado e não quis falar, isso deveria ter sido registrado, e não um genérico ‘Ontem, o Ministério da Fazenda não se manifestou sobre o assunto’. O mesmo vale para Clarice Coppetti, da CEF, citada nominalmente na nota ‘Alvo definido’, do ‘Painel’ (pág. A4).
Embora o noticiário não seja categórico, o conjunto de informações do jornal dá a entender que foram estes dois os responsáveis pela quebra do sigilo do caseiro e por sua divulgação.
A Folha já não dá mais destaque para os processos de cassação de deputados na Câmara. A apresentação dos dois casos que serão julgados hoje – pé da página A12 na Edição Nacional e uma nota com um pequeno infográfico na pág. A11 da Edição SP – mostra que o jornal relegou o assunto.
É um erro. Toda a investigação das acusações de corrupção deságuam nestes julgamentos. O leitor, que acompanhou meses do escândalo, está mal informado às vésperas de um desfecho. Amanhã, se houver alguma absolvição, ele se surpreenderá com o tom indignado do jornal.
O jornal também esconde o desfecho do processo contra o senador Eduardo Azeredo no Conselho de Ética do Senado: ‘Conselho arquiva processo contra Azeredo por utilização de caixa 2’ (pág. A12).
O ‘Estado’ acerta ao dar mais visibilidade para a situação do ministro Antonio Palocci: ‘Ministro está há 1 semana sem compromisso público’.
‘Dinheiro’
A Folha destaca em ‘Dinheiro’, com acerto, a decisão do governo Kirchner de reestatizar o serviço de água, ‘Argentina reestatiza empresa de água e esgoto’. O noticiário correlato sobre a Bolívia, no entanto, saiu em ‘Mundo’ (‘Morales promete ‘nacionalizar’ até julho’ , pág. A15) e apenas como uma nota pequena. A decisão de nacionalizar o gás natural na Bolívia afetará diretamente o Brasil. O ‘Estado’ destacou a Bolívia na Primeira Página e internamente.’