“06/10/06
Continuam desencontradas as notícias sobre o acidente que derrubou o Boeing da Gol. A Folha, preocupada em não cometer injustiças (vide editorial ‘Desastre no vôo 1907’ e coluna ‘Sem linchamento’, ambos na página A2), dá voz ExcelAire e seus pilotos: ‘Legacy tentou falar com controle, diz empresa’. Segundo o ‘Estado’, ‘Pilotos culpam a torre e irritam Aeronáutica’. Já no ‘Globo’, ‘Caixa-preta revela que Legacy não deu retorno’. Segundo o jornal do Rio, ‘dados da caixa-preta comprovam que o jatinho não respondeu a sete tentativas de contato feitas por controladores de vôo’.
Em relação ao segundo turno eleitoral, Folha e ‘Estado’ especulam sobre o futuro do presidente do PT, Ricardo Berzoini. O ‘Globo’ continua a acompanhar o que apropriadamente chamou de ‘Duelo ético’: ‘Aliados de Garotinho aderem a Lula; Alckmin vai a ACM’. O jornal traz fotos de Lula com a turma do Rio e de Alckmin com ACM.
Folha – ‘Executiva do PT pressiona Berzoini a deixar o cargo’.
‘Estado’ – ‘Para abafar dossiê, Lula quer saída de Berzoini’.
Eleições 2006
O jornal praticamente não investiu na análise dos números que saíram das urnas no primeiro turno. O infográfico ‘O voto no Sudeste’ (pág. A6), por exemplo, merecia ter sido acompanhado por um texto analítico (não opinativo).
Nesta guerra de apoios, que ironicamente o ‘Globo’ chamou de ‘duelo ético’, o apoio do senador Antonio Carlos Magalhães a Alckmin é mais importante, sob o ponto de vista jornalístico, do que a notícia com título incompreensível para quem apenas lê os títulos: ‘Tucano constrange Alckmin ao pedir que ele dê apoio a Wagner’ (pág. A8).
Segundo a Folha, a campanha de Geraldo Alckmin não quis responder às críticas da ex-prefeita Marta Suplicy (páginas A4 e A5 da Edição SP) e o presidente do PSDB paulista não respondeu aos recados do jornal (pág. A5). O ‘Estado’, no entanto, informa que o presidente do PSDB paulista divulgou uma nota em que critica a ex-prefeita.
Sanguessugas
A Folha deveria ter mantido na Edição SP a mesma visibilidade que deu para o caso da senadora Serys Slhessarenko, do PT, na Edição Nacional, com título no alto de página (‘Para relator, senadora do PT não se envolveu com Planam’, pág. A11). Como a senadora foi objeto de várias reportagens críticas, era justo que a informação tivesse visibilidade. Na Edição SP virou uma nota no meio da página, ‘Para relator, petista [qual?] não se envolveu com a máfia [qual?]’ (pág. A12).
‘Dinheiro’
A Folha não noticiou até hoje a condenação do banqueiro Daniel Dantas, terça-feira, por uma corte da Inglaterra em ação ganha por Luís Demarco Almeida. Não cabe mais recurso. Era um assunto que o jornal cobria diariamente e agora desapareceu.
Esporte
O texto-legenda ‘Desistência’, na página D2, não informa o esporte de Ameli Mauresmo. O jornal deve imaginar que todos os leitores saibam.
Resposta
A propósito da comparação que fiz, na Crítica Interna de quarta-feira, entre os títulos do ‘Estado’ e da Folha no caso do acidente do vôo 1907, recebi, via Secretaria de Redação, o seguinte comentário de Igor Gielow, secretário de Redação da sucursal de Brasília:
‘Sobre o comentário do ombudsman sobre o caso do acidente do Boeing, que considera num estágio posterior no concorrente local, gostaria de dizer o seguinte:
a. A reportagem do Estado é rigorosamente a mesma publicada na edição de ontem da Folha, com a diferença de que resolveram comprar a conclusão (corrente entre a cúpula da FAB) de que o Legacy é o único culpado pela tragédia. Como aquela reportagem anterior mostrava, o Legacy é sim o principal fator do acidente (estava no lugar errado e com o transponder desligado), mas houve uma sucessão de erros (falhas no controle de Brasília, o problema no transponder do Legacy, todo um rosário de dúvidas sobre a ação do piloto). É bom lembrar que a conveniência da FAB é que o caso se feche só sobre o jato (tirando assim sua responsabilidade no controle de vôo), e o texto do Estado compra essa versão sem questioná-la.
b. O texto de hoje [quarta-feira] da Folha, em que a cúpula da Aeronáutica suspeita da falha técnica no jato da Embraer (o suposto mau contato), acrescenta mais detalhes sobre as hipóteses para explicar por que o transponder do avião não estava operando. Ainda assim, levanta a dúvida sobre essa versão, colocando-a no rol das coisas a serem explicadas. Não é uma tentativa de desvendar totalmente o caso _como, a meu ver precipitadamente, o Estado faz. Pode até ser que no fim das contas a culpa fique toda com o Legacy, aí o Estadão poderá dizer que acertou e às favas com a precisão. Mas, a esta altura, as informações publicadas pelo concorrente não permitem o título que cravaram’.
OK, é uma avaliação.
04/10/06
As manchetes dos principais jornais ainda se referem aos desdobramentos do resultado eleitoral. A exceção é o ‘Estado’, que deu visibilidade para o noticiário das eleições mas abriu uma manchete em seis colunas para o desastre do avião da Gol: ‘Legacy é culpado pela tragédia’. A Folha ou foi mais cautelosa ou não teve as fontes do ‘Estado’: ‘Aeronáutica suspeita de falha no Legacy em acidente’.
Em relação ao segundo turno das eleições, o alto da Edição São Paulo da Folha é inteiro para o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin: a foto (com os Garotinho), a manchete (‘Casal Garotinho vai apoiar Alckmin’) e a submanchete, uma entrevista com o tucano (‘Lula está à minha direita, afirma candidato do PSDB’). O ‘Globo’ deu uma informação a mais do que a Folha na manchete: ‘Apoio de Rosinha e Garotinho a Alckmin abre crise no Rio’. E registrou: ‘César Maia critica aproximação e diz que aliança é ‘tiro na cabeça’ do tucano’. O jornal do Rio só publicou uma foto, de Alckmin com o casal do Rio.
O ‘Estado’ é o único dos três grandes jornais que desde segunda-feira, com a definição do segundo turno, vem tendo a preocupação de editar na Primeira Página, em igualdade de condições, as fotos dos dois candidatos, Lula e Alckmin. O título eleitoral do ‘Estado’: ‘Lula escala ministros e aliados para atacar PSDB’ (na Folha, ‘Ministros tiram férias para reforçar a campanha do PT’). Segundo o ‘Estado’, ‘Serra já nomeia e interfere em decisões’.
Eleições 2006
Na memória que o jornal faz hoje a respeito da força do casal Garotinho, ‘Peemedebista sofre declínio político no Rio’ (pág. A4), é reproduzida a versão de que o ex-governador ‘tinha usado na sua pré-campanha um avião pertencente ao Comendador Arcanjo (PSDB), acusado de comandar o crime organizado em Mato Grosso’. Dois problemas:
– Se não me engano, ficou comprovado que o ex-governador alugou o avião de uma empresa que tinha autorização da Justiça para alugá-lo e ele não tinha conhecimento de que pertencia ao Comendador. Se estou certo, é um ponto importante que deve ser esclarecido. Como saiu, ficou parecendo que o ex-governador tratou diretamente com um criminoso ou teve o apoio dele.
– O Comendador Arcanjo pertence ao PSDB? Se não, está errada a indicação da sigla entre parêntesis, mesmo que ele em algum momento tenha pertencido. Se pertenceu e já não pertence mais e o jornal achou relevante destacar a informação, deveria ter escrito de outra forma – ex-PSDB ou algo parecido.
Segundo a nota de abertura do ‘Painel’ (pág. A4), surgiu ontem uma ‘nova denúncia de compra de votos ligada ao grupo comandado pelo casal’ Garotinho. Não vi a notícia da tal denúncia na Folha, apesar do casal ser a manchete da Primeira Página.
Não entendi por que a formalização do apoio de Sérgio Cabral a Lula (‘Lula e Cabral formalizam aliança no Rio’) não teve, na Edição Nacional (a que chega ao Rio), o mesmo destaque do apoio dos Garotinho a Alckmin. A notícia de ontem da Folha foi que Sérgio Cabral estava sendo assediado por Lula e Alckmin (página Especial A6). O fechamento do acordo dos dois candidatos (Lula e Cabral) é, portanto, uma notícia nova e deveria ter tido o mesmo destaque da outra.
Aliás, o jornal deveria ter editado juntas as duas informações sobre o segundo turno no Rio. Teria sido mais fácil para o leitor entender a confusão das alianças que se formaram no Estado, suas causas e possíveis conseqüências.
Fiquei sem entender se o texto ‘Programa do PT vai tentar tirar o foco do dossiê’ (pág. A8 da Edição SP) é um texto de opinião, de análise ou informativo. O texto conclui, sem atribuir a ninguém, que ‘os petistas tentarão, em vão, tirar esse debate [ética e dossiê] da campanha’. Por que ‘em vão’? E se conseguirem?
A reportagem ‘Candidatos linha-dura não se reelegem e ‘bancada da bala’ fica enfraquecida’ (pág. A15) fez um levantamento incompleto. Um exemplo: o texto cita a saída de Josias Quintal, do Rio, mas não registra a eleição de Marcelo Itagiba e Marina Magessi. É possível que um levantamento mais cuidadoso pelos Estados acabe mostrando que houve substituições na ‘bancada’, e não necessariamente um enfraquecimento.
Acabamento
As frases destacadas na página A4 da Edição Nacional não têm nada a ver com a reportagem sobre o apoio do casal Garotinho a Alckmin. Elas são transcrições do depoimento de Jorge Lorenzetti à PF.
‘Dinheiro’
A Cia. de Bebidas Ipiranga, objeto da reportagem da capa do caderno (‘Fabricante da Coca é autuada em R$ 18 mi’) não tem presidente, porta-voz, diretor, rosto, um nome que apareça? O sujeito das aspas é sempre uma companhia sem rosto? De quem é a companhia? O jornal não acha isso estranho? Está dando para o caso o mesmo tratamento que deu para outros casos de empresas autuadas por sonegação fiscal?
Segundo o ‘Estado’ e a ‘Gazeta Mercantil’, Daniel Dantas foi condenado por corte da Inglaterra em ação ganha por Luís Demarco Almeida. Não cabe mais recurso. Não vi na Folha.
‘Cotidiano’
Como assinalei acima, a reportagem do ‘Estado’ sobre o acidente aéreo é conclusiva – ‘Legacy enganou controle aéreo e ignorou alertas pelo rádio’ –, enquanto a da Folha está num estágio anterior – ‘PF investiga se piloto do Legacy falhou’. A fonte da Folha é a Polícia Federal; a do ‘Estado’ são peritos da Aeronáutica. Mesmo a reportagem da Folha com base em fontes da Aeronáutica não é tão conclusiva: ‘Aeronáutica suspeita de defeito no Legacy’ (título da Edição SP). Na Edição Nacional, a capa foi para a Aeronáutica, mas depois mudou para a Polícia Federal.
A Folha registra, no ‘Outro lado’ publicado na capa do caderno, que ‘Empresa [do táxi aéreo] diz que pilotos são habilitados’ para conduzir o modelo Legacy 600. O ‘Estado’, no entanto, tem informações colhidas nos Estados Unidos, na agência americana de aviação, que não há registro de habilitação do piloto neste tipo de aeronave. A ver.
A Folha traduz o artigo do repórter do ‘New York Times’ (‘Foram os 30 minutos mais assustadores da minha vida’) mas não informa, como fez o ‘Estado’, que o artigo, publicado no jornal, no site do jornal e no seu blog, provocou manifestações de leitores que protestaram por entender que o relato da tragédia com o Boeing ficou em segundo plano. Segundo o jornal, muitos acharam que ele foi insensível e precipitado (por chamar os pilotos do jatinho de heróis) e a reportagem acabou retirada da primeira página do portal. Teria sido importante a Folha ter percebido e registrado esta reação.
02/10/06
Como cada jornal refletiu o resultado do primeiro turno da eleição presidencial:
Folha – ‘Lula e Alckmin disputam 2º turno; Serra e Aécio são eleitos em SP e MG’.
‘Estado’ – Começou a rodar com o título ‘Disputa emocionante leva decisão para o 2º turno’, mas depois trocou por ‘Decisão no 2º turno’, com letras garrafais.
‘Globo’ – ‘Lula e Alckmin disputarão 2º turno com país dividido’.
‘Valor’ – ‘S. Paulo põe Alckmin no 2º turno e partidos já iniciaram articulações’.
‘JB’ – ‘O jogo começa agora’.
‘Gazeta Mercantil’ – ‘De virada, Alckmin consegue 2º turno’
‘Correio Braziliense’ – ‘Lula x Alckmin: mais 28 dias de guerra’.
‘O Dia’ (RJ) – ‘Voto de paulista define a eleição: 2º turno’.
O ‘Diário Catarinense’ chegou a circular com a manchete ‘Lula é reeleito e SC terá segundo turno’.
Como Lula chegou em primeiro lugar no primeiro turno, o correto, sob o ponto de vista jornalístico, seria sua foto ter mais visibilidade do que a de Alckmin, como foi editada na Edição Nacional e na capa do caderno especial ‘Eleições 2006’, e não o contrário, como ficou na Edição SP. Aliás, uma vez que o segundo turno zera a disputa, o melhor, sob o ponto de vista do equilíbrio jornalístico, teria sido editar as fotos dos dois com o mesmo destaque, lado a lado – como fizeram quase todos os jornais.
Eleições 2006
A edição de domingo foi a última oportunidade que a Folha teve para apresentar, além dos perfis dos principais candidatos à Presidência, uma avaliação do que foram os governos Lula (federal) e Alckmin (estadual) e os programas de governo. Não consigo entender a lógica jornalística que está por trás da omissão destas informações fundamentais para que o leitor possa ter a oportunidade de pensar melhor o voto. Avaliação de governo e programa de governo são serviços obrigatórios para um jornal. Não bastam os perfis, mesmo que bem escritos. O jornal abdicou, no primeiro turno que ontem se encerrou, de fazer balanços das administrações petista e tucana, de sistematizar para os leitores os principais pontos e promessas dos programas dos candidatos e de colocar as propostas ou opiniões dos candidatos sobre a agenda que o próprio jornal considera importante para o país. O mesmo vale para o governo de São Paulo.
É possível e desejável que o jornal abra espaço agora para estes aspectos da campanha no segundo turno da eleição presidencial (para o governo de SP já não há mais o que fazer). Que não se deixe levar apenas pelos interesses dos candidatos e consiga fugir do cenário que o seu próprio editor antecipa na coluna ‘País dividido’, de hoje: ‘Ilusão imaginar que a disputa agora plebiscitária irá jogar luz sobre problemas e soluções para o país. A divisão dicotômica entre o bem e o mal será radicalizada. A pauta é a do ‘pega ladrão!’ contra ‘golpistas não passarão!’’.
O jornal não precisa seguir esta pauta, acho.
As pesquisas eleitorais voltam, mais uma vez, ao centro das discussões sobre os resultados eleitorais. Os casos da Bahia, do Rio Grande do Sul, do Rio (para o Senado) e mesmo de São Paulo (crescimento de Afif) já mereciam ter tido alguma explicação do Ibope e/ou do Datafolha na edição de hoje.
Bem escolhido o personagem da ‘Entrevista da 2ª’, Renato Lessa (‘PT e PSDB despolitizam campanha eleitoral’, pág. A10), com uma visão crítica das duas candidaturas que disputarão o segundo turno.
Não vi referência na Folha, nas relações dos grandes derrotados, ao caso de Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Vôo 1907
De acordo com o ‘Globo’, ‘Falha [que levou ao choque entre dois aviões e à que queda do Boeing] teria sido no controle dos vôos’. Segundo o jornal, a causa maior do acidente teria sido a falta de comunicação entre as torres de controle de vôos de Manaus e Brasília. A ver.
Aviso
Participo amanhã do seminário ‘Mídia e Política’, organizado pela Fundação Biblioteca Nacional, no Rio. Por esta razão não haverá a Crítica Interna.”