Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crítica interna


’02/05/2006


O ato do governo boliviano que nacionalizou o gás e o petróleo surpreendeu o governo brasileiro e a Folha. ‘Valor’, ‘Estado’ e ‘Globo’ já trazem na edição de hoje relatos de seus enviados especiais a La Paz.


O material publicado pela Folha está incompleto, mais uma evidência de que foi pego de surpresa: não há uma reportagem que mostre o impacto da medida na economia brasileira. Segundo a Folha, ‘o Brasil consome cerca de 32 milhões de m3 de gás por dia, sendo 26 milhões da Bolívia’. Concretamente, o que isso significa para a indústria, principalmente a paulista, para refinarias e termelétricas, para o consumo doméstico, para as frotas de veículos, principalmente de táxis? Não há um mapa que mostre a rede de gás no Brasil e sua distribuição. O noticiário se limitou ao relato da decisão de Morales e a análises, que têm mais a preocupação de avaliar o estrago na diplomacia.


É sintomático do desinteresse pela América do Sul que o jornal não tenha enviado repórter para verificar in loco a situação da siderúrgica EBX. Ficamos todos, ao longo das últimas semanas, com as duas versões antagônicas, a do governo da Bolívia e a do empresário Eike Batista. Nenhum dos grandes jornais se dispôs a tirar a limpo o que de fato aconteceu na implantação da siderúrgica.


As manchetes da Primeira Página e dos cadernos de economia de hoje:


Folha – ‘Bolívia nacionaliza gás e petróleo’ e ‘Morales invade Petrobras e nacionaliza gás’.


‘Estado’ – ‘Bolívia nacionaliza petróleo e gás; Exército ocupa Petrobras’ e ‘Bolívia nacionaliza as petrolíferas’.


‘Globo’ – ‘Bolívia nacionaliza refinarias e Petrobras pode perder US$ 1 bi’ e ‘Bolívia: o gás é nosso’.


‘Valor’ – ‘Bolívia estatiza gás e militares ocupam instalação da Petrobras’ e ‘Bolívia nacionaliza gás, ocupa instalações e eleva crise com Brasil’.


Manchetes e manchetes


Manchete da Folha de domingo, 30 de abril: ‘Queda da renda é maior entre os mais instruídos’.


Manchete da Folha de domingo, 15 de janeiro: ‘Mestrado dobra renda do trabalhador’.


Num espaço de pouco mais de três meses a Folha publica duas manchetes sobre o mesmo assunto aparentemente contraditórias. Os dois estudos têm como base o IBGE. O de janeiro, comparava os rendimentos entre 1995 e 2004; o deste domingo, entre 2002 e 2006.


E aí, como fica o leitor?


O texto de domingo deveria ter feito pelo menos uma referência ao de janeiro. A pergunta que fica é a seguinte: qual será a próxima manchete da Folha baseada em estudos a partir dos dados conhecidos do IBGE sobre renda e instrução? Resposta daqui a três meses e meio.


Questão agrária


O jornal publicou reportagens no domingo e na segunda-feira a respeito da monocultura do eucalipto, combatida por movimentos sociais como o MST, e das fábricas de celulose.


Algumas observações:


1 – As reportagens – ‘Eucalipto valoriza terras da Bahia em 267%’, ‘Cultivo foi ‘tábua de salvação’ para área, diz produtor’, ‘Preconceitos cercam a ‘árvore de direita’, todas no domingo, pág. A10, e ‘Aracruz vê ação estrangeira em invasões’, 2ª, pág. A9 – são favoráveis à cultura do eucalipto. E não houve, numa reportagem como esta, que tem como objetivo esclarecer o leitor a respeito de um tema que vem sendo tratado com radicalismos, o contraponto necessário.


2 – Foi inserido, no pé da reportagem sobre a Bahia (‘Eucalipto valoriza terras da Bahia em 267%’), o relato de uma experiência no Maranhão que não tem nexo com o texto principal. Condensado, o relato sobre o Maranhão parece incompleto e, por isso mesmo, pouco esclarecedor. Por que Coelho Neto é hoje um ‘deserto verde’? Por que a fábrica de celulose fechou? A crise da cidade tem a ver com o eucalipto? Lá já teve eucalipto?


3 – A reportagem da página seguinte (A11) da Edição de domingo fortalece a idéia de que o jornal não teve preocupação com o equilíbrio da cobertura. Levantamento do jornal mostra que a ‘União repassou R$ 60 milhões a entidades pró-Lula’, entre elas o MST que contesta e combate a monocultura do eucalipto.


É importante o jornal fazer este tipo de controle dos gastos públicos. O que é ruim é publicá-lo junto com a outra reportagem sem contraditório e publicá-lo sem ter ouvido uma das entidades que se beneficiam dos repasses, a UNE. Conclusão, no dia seguinte os leitores tiveram de dividir o seu ‘Painel do Leitor’ com uma extensa carta da UNE e o seu legítimo direito de resposta.


4 – Na segunda-feira, o jornal publicou uma entrevista com o presidente da Aracruz, alvo de duas invasões do MST. O entrevistado fez uma acusação vaga – ‘Movimentos do hemisfério norte podem estar fomentando tudo isso’ – e o jornal a abrigou sem a preocupação de ouvir outros pontos de vista. Mais uma vez, apenas um dos lados teve a palavra. Era de se esperar pelo menos um pequeno texto com o MST.


Garotinho


A Folha comprou a versão da ‘Veja’ no caso do avião usado pelo candidato a candidato a presidente da República pelo PMDB, Anthony Garotinho. Como vem sendo divulgado, e a Folha reforçou na edição de ontem (‘Saiba mais – Condenado a 37 anos, Arcanjo está preso desde 2003’, pág. A8 da Edição Nacional de 2ª), fica parecendo que o ex-governador alugou o avião diretamente de João Arcanjo Ribeiro, condenado a 37 anos de prisão. Aparentemente, não foi isso que ocorreu. O avião estava legalmente disponível para aluguel, pelo que entendi. O jornal vai bem nas investigações próprias a respeito dos financiamentos recebidos por Garotinho para a sua pré-campanha, não precisa forçar a mão.


Na edição de domingo, um problema na reportagem ‘Rio deu R$ 26 milhões para firma com um funcionário’ (pág. A15): os nomes envolvidos em operações suspeitas de doação para a campanha do ex-governador não foram ouvidos. Uma das fontes da reportagem é o Ministério Público do Trabalho, que deu a informação principal que consta no título da reportagem. Será que o MP do Trabalho, que investiga o Inep, não poderia ter fornecido para o jornal a defesa feita pelos citados no processo judicial? Se não há processo nem defesa, será que o jornal não poderia tentar mais um pouco e ouvir os citados?


‘Ciência’


Título ‘engraçadinho’ de um texto-legenda na pág. A22 da Edição Nacional de 2ª sobre a ação do Greenpeace num navio de soja: ‘Pintou sojeira’.


Respostas


Recebi do editor Rogério Gentile, via Secretaria de Redação, a seguinte resposta ao item ‘Violência em São Paulo’, da Crítica Interna de 11 de abril:


‘Diferentemente do que consta na crítica de 11 de abril, não é possível atribuir hoje ao PCC a tentativa de invasão de uma delegacia na cidade de Suzano. Nenhuma autoridade policial, em off ou on, disse à Folha e à reportagem do ‘Agora’ que existe ligação ou ao menos suspeita de envolvimento da facção criminosa. Apurações paralelas da reportagem também indicam que não houve participação do PCC ou de outra organização criminal similar’.


A informação é do ‘Estado’, que cobriu o caso com bastante visibilidade. A Folha praticamente ignorou o assalto à delegacia, que resultou em quatro mortes, e o assassinato, no dia seguinte, de dois policiais e um amigo. Pelo número de mortos, pela ousadia e pela localização, o caso merecia uma boa cobertura, independentemente da participação ou não do PCC ou de qualquer outra facção.’