’15/05/2006
Os atentados e mortes provocados pelo PCC desde a noite de sexta-feira ofuscaram Evo Morales, Daniel Dantas, Lula, a convenção do PMDB, a Operação Sanguessuga e o Campeonato Brasileiro. A Folha traz nesta segunda-feira, como em raros momentos de sua história, uma Primeira Página monotemática, com a manchete, fotos, arte e todas as principais chamadas voltadas para a ação do PCC. Traz, ainda, a respeito dos ataques, um editorial, artigos da página A2, todo o ‘Painel do Leitor’, parte do ‘Painel’, a Entrevista de 2ª e o caderno com 16 páginas, sendo que 15 destinadas à violência em São Paulo. A gravidade dos fatos justifica toda a atenção.
As manchetes
Dos principais jornais, desde a última rodagem da edição de sábado:
Folha – ‘PCC faz mais de 150 atentados e provoca 80 motins; 74 morrem’ (2ª).
‘Estado’ – ‘PCC ataca alvos civis e queima 21 ônibus. Guerra faz 77 mortos’ (2ª).
‘Globo’ – ‘Mortos em SP já são 72 e presos se rebelam em mais dois estados’ (2ª).
Dos jornais de banca:
‘Agora’ – ‘Ataques do PCC contra a Polícia matam 7 e ferem 6’ (Sáb.), ‘Atentados do PCC matam 23 policiais’ (Dom.) e ‘Terror do PCC avança e deixa 52 mortos’ (2ª).
‘Diário de S. Paulo’ – ‘PCC comanda ataques a bases policiais e mata 5’ (sábado, mas não foi a manchete), ‘30 mortes’ (Dom.) e ‘Sob domínio do terror’ (2ª).
‘O Dia’ – ‘São Paulo: 36 policiais e 14 terroristas mortos’ (2ª).
‘Extra’ – ‘Terror paulista se espalha. Rio reforça o policiamento’ (2ª).
As chamadas nos jornais econômicos:
‘Valor’: ‘SP sofre crise de segurança e rejeita ajuda’ (2ª).
‘Gazeta Mercantil’: ‘Governo de São Paulo descarta PF no Estado’ (2ª).
Guerra urbana
A Folha, o ‘Estado’ o ‘Globo’ mudaram bastante suas edições finais de sábado, fechadas no final da noite de sexta-feira, para noticiar o início da onda de ataques desencadeada pelo PCC em São Paulo. A Folha e ‘Estado’ deram chamadas na Primeira Página (a Folha com mais destaque) e o mesmo espaço interno (as capas dos seus cadernos de cidade e mais meia página).
A Folha acertou ao publicar um caderno especial de oito páginas no domingo. Nesta segunda, manteve o destaque que a violência dos fatos exige com um novo caderno, de 16 páginas.
É compreensível que estas edições de sábado, domingo e hoje tenham tido como principais preocupações contabilizar os estragos provocados pelas ações do PCC – mortes, rebeliões, incêndios de ônibus e, agora, ataques a prédios bancários – e ouvir autoridades. Os números ainda são confusos e os leitores só terão um quadro mais preciso quando o jornal conseguir a identificação dos mortos, suas ocupações e circunstâncias das mortes.
Os relatos dos ataques acabaram ficando fragmentados e dispersos. O ideal seria uma edição que os consolidasse. O melhor relato – texto, informações e contextualização – publicado pela Folha está na edição de hoje, ‘O medo’, na contra-capa do caderno ‘Cotidiano’ (pág. C16).
Houve um esforço do jornal em buscar avaliações de especialistas, mas este é um ponto ainda falho até agora. O jornal publicou um histórico da formação do PCC na edição de domingo (‘Devedores do PCC viram ‘bin ladens’), mas ainda faltam textos de especialistas que tenham estudado o grupo, a evolução da criminalidade em São Paulo nos últimos anos e estejam atualizados sobre os objetivos e formas de ação do PCC. A maioria das pessoas ouvidas destaca aspectos pertinentes da questão da violência em São Paulo e no Brasil, mas poucas referências fazem ao caso concreto do domínio do PCC no Estado. Talvez a antropóloga Alba Zaluar não tenha razão e existam estudos aprofundados – e atualizados – sobre o crime organizado em São Paulo.
Mas o erro mais grave, na minha opinião, é a inexistência de uma análise séria, nestes três dias, da política de segurança e da política penitenciária do Estado de São Paulo nos últimos anos. O jornal fez um texto sobre a queda de investimentos do governo federal em segurança (‘Lula reduziu gastos com segurança pública’, pág. C8 da edição de hoje), e fez bem em produzi-lo, mas não analisa os erros da política estadual de segurança que levaram a esta situação dramática e sem precedentes. O jornal não pode deixar que a questão partidária contamine a sua cobertura.
Faltam, portanto, na minha opinião, dois textos de fôlego, bem fundamentados, feitos por pessoas que conheçam os assuntos, que ajudem a entender o que estamos assistindo _um sobre o que representa o PCC hoje no crime organizado em São Paulo e outro sobre o que tem sido a política de segurança do Estado.
Detalhes:
Imagino a dificuldade que a imprensa está tendo para atualizar os números dos atentados e suas conseqüências. Mas os números na Primeira Página da Folha exigiriam uma checagem melhor. A manchete da Edição SP de hoje fala em 74 mortes, mas o texto principal registra 61 mortes: 36 agentes de segurança, 2 civis e 13 mortos nas rebeliões. A soma é 51, e não 61. Quantos morreram, afinal, 51, 61 ou 74? As mesmas discrepâncias estão na Edição Nacional.
Também iniciativa rara na Folha, o ‘Painel do Leitor’ de hoje é totalmente destinado a comentários sobre os ataques do PCC. As onze cartas publicadas constituem um panorama diversificado de opiniões, embora ainda não completo. Como não há consenso em relação às causas que levaram a esta situação nem em relação às medidas necessárias, o jornal deveria continuar dando espaço para as opiniões dos seus leitores.
Não sei de onde o jornal tirou a idéia de que o governador de São Paulo está transmitindo ‘confiança e serenidade’ à população, como está no editorial de hoje ‘Noites de Bagdá’ (pág. A2).
A história de Maria, mulher de um policial baleado, está repetida nas páginas C7 (‘Famílias de policiais estão apavoradas’) e C9 (‘Policiais afirmam que não foram alertados’) da edição de hoje.
Na Edição Nacional de sábado, a arte ‘Últimos ataques contra a polícia paulista’ (C3) ignora o ataque à delegacia central de Suzano, na noite de 7 de abril, que resultou em quatro mortes, e a cilada que matou, no dia seguinte, dois policiais e o amigo de um deles numa feira também no centro de Suzano. Mesmo que o jornal considere que não tem condições de atribuir estes ataques ao PCC (como foi dito ao ombudsman em carta publicada na Crítica Interna do dia 2/5) e não tenha dado, na ocasião, a importância que o ataque e a cilada justificavam, deveria tê-los relacionado como antecedentes das ações que começaram na noite da última sexta-feira. O jornal, neste caso, está brigando com a notícia.’