Ter uma resenha publicada pela seção de crítica literária do New York Times é um grande prestígio para escritores, dos mais imaturos aos consagrados. Mas o processo de crítica do jornal é justo? Quem escolhe os livros que serão resenhados? Quem escolhe os críticos que irão fazê-lo? Byron Calame dedicou sua coluna de domingo [18/12/05] a destrinchar o processo de crítica de um livro no Times.
O ombudsman foi motivado por diversas mensagens que recebeu de leitores e blogueiros desde o início do mês, quando foi publicada a lista 100 Notable Books of the Year, com os melhores – segundo a seleção do jornal – livros de 2005 nos EUA. O que os leitores notaram é que, das 61 obras de não-ficção listadas, seis são de autoria de membros da equipe do Times. O CJR Daily, sítio da Columbia Journalism Review, apontou um livro escrito por um ex-editor-executivo do jornal e um por uma dupla de colaboradores regulares da revista de domingo.
Calame afirma que leitores e autores merecem um processo de seleção e crítica justo. O que pode parecer simples é, na verdade, um desafio para os editores da seção literária. ‘Lá, espera-se que críticos expressem suas opiniões; mas leitores também têm o direito de esperar que os livros sejam resenhados com base em seus méritos, e não apenas na ideologia e preferências pessoais do crítico’, resume ele.
Como o processo já é complicado antes de começar, e porque a crítica do Times exerce influência sobre o sucesso de um livro, os editores da seção tentam manter distância dos personagens da indústria literária. Mais complicações: Sam Tanenhaus, o editor, e Dwight Garner, o editor sênior, são, eles próprios, autores de livros – e ainda dividem o mesmo agente. Garner garante que os dois tratam esta relação com muito cuidado.
O processo
Pré-críticos recebem, cada um, cerca de 10 livros por semana. São eles que vão identificar livros que merecem ser resenhados e os que devem ser rejeitados. Tanenhaus supervisiona e revisa as escolhas. Há cinco anos, livros escritos por autores do Times eram automaticamente resenhados. Hoje, afirma o subeditor Robert Harris, eles passam por este mesmo processo.
Depois que um livro é escolhido, é selecionado o crítico que irá resenhá-lo. Primeiro, o pré-crítico sugere o nome de quatro ou cinco possíveis críticos para cada livro recomendado. Tanenhaus decide quem fará as críticas. Não é regra, mas a maioria das resenhas é escrita por pessoas de fora da equipe do jornal. O crítico escolhido pelo editor passa então por uma série de perguntas. O objetivo é descobrir se não há nenhum conflito de interesses entre ele e o autor do livro.
Às vezes, não há o conflito em si, mas a possibilidade dele. A escritora Kathryn Harrison, autora do livro de memórias The Kiss, foi escolhida para fazer a crítica do livro Are Men Necessary?, da colunista do Times Maureen Dowd. Em 1997, entretanto, Maureen resenhou o livro de memórias de Kathryn, sobre o caso incestuoso que teve com seu pai. Na crítica, a colunista se referiu ao livro como ‘gente estranha falando sobre gente estranha’.
Notáveis do ano
Já a lista dos livros notáveis do ano deve conter apenas obras que tenham sido resenhadas nos últimos 12 meses. A seleção começa com cerca de 400 livros que tenham entrado, ou subido, rapidamente na lista dos mais vendidos do Times ou tenham sido citados como ‘escolha do editor’. Tanenhaus, Harris e Garner escolhem os 100 livros que entrarão na lista por ‘consenso’. Eles afirmam que não dão atenção especial a livros escritos por funcionários do Times. Calame ressalta que, na lista do rival Washington Post, quatro dos 69 livros de não-ficção são de autores que trabalham para o jornalão nova-iorquino.
O ombudsman diz que o julgamento recebido por um livro, desde o começo do processo de escolha, acaba caindo no domínio da subjetividade. Ele afirma, entretanto, que acredita que Tanenhaus e sua equipe se importam genuinamente com os leitores e o mundo literário, e querem que suas escolhas tenham credibilidade. Ainda assim, a percepção de conflito de interesses na escolha dos livros que receberão resenhas e dos que entrarão na lista dos notáveis pode comprometer a transparência do processo. Talvez seja o momento de se buscar novas soluções para este problema, conclui Calame.