Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dar em primeiro lugar ou dar da maneira correta?

O crítico de mídia Jack Shafer escreveu recentemente que, na era do Twitter, o público tem que estar preparado para o imprevisível: as notícias, em especial as de última hora, muito provavelmente são incorretas. Esse comentário, que fez no blog que tem na Reuters, foi provocado pelas informações equivocadas que circularam após o massacre em Newtown, estado de Connecticut. “Não espere muita coisa”, aconselhou aos consumidores de notícias. “Você não ficará decepcionado.”

A esse raciocínio, a ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan oferece, em sua coluna [23/12/12], uma resposta radical: isso não é suficiente. Ou talvez seja para algumas organizações de mídia e para alguns consumidores de informação. Mas não para o New York Times e seus leitores. Uma dessas leitoras, Gail G. Abrams, de Little Silver, Estado de Nova Jersey, escreveu o seguinte na semana passada: “o afilhado de minha filha foi uma das crianças de seis anos assassinadas em Connecticut na sexta-feira. Nós acreditávamos que o New York Times estivesse mais interessado em dar a informação corretamente do que em dá-la em primeiro lugar. Deixamos de acreditar nisso.” Posteriormente, por telefone, a Gail disse à ombudsman que tem 75 anos e é assinante do Times desde os 21. “Eu sempre disse que se o tinha lido no NYTimes, então devia ser verdade”, disse ela. “Mas essa fé que eu tinha foi quebrada no fim de semana.”

O NYTimes pode ter feito uma cobertura do massacre melhor do que muitos outros. Os principais editores disseram à ombudsman que deram ênfase ao cuidado, que eles sempre dão mais valor à precisão do que à velocidade e que corrigem os erros rapidamente. No entanto, no primeiro dia, o NYTimes publicou em seu site que o atirador era Ryan Lanza, atribuindo a informação a outras organizações de mídia. Na realidade, o atirador era o irmão, Adam Lanza.

“Certifique-se de que está tudo certo”

No dia seguinte, em seu principal artigo da primeira página, o NYTimes publicou vários fatos importantes errados, afirmando, sem citar fontes, que Lanza tivera o acesso [eletrônico] ao prédio da Escola Sandy Hook permitido pelo diretor, que “o reconheceu como filho de uma colega”. Nada disso. Ele forçou a entrada na escola vestindo uniforme de combate e carregando armas. Até agora não foi confirmado se sua mãe, Nancy Lanza, trabalhou em alguma época na escola. Também ocorreram outros erros – muitos deles decorrentes de informação errada da polícia. Em vários casos, a citação era atribuída a agentes da lei anônimos.

A ombudsman repete: a cobertura não foi suficientemente boa para o NYTimes. Esse tipo de erro é inevitável na era de hiper-competitividade das mídias sociais?

Veja aqui uma comparação imperfeita, mas instrutiva. No mês passado, na noite da eleição presidencial, o NYTimes demorou a anunciar a vitória do presidente Barack Obama. A cuidadosa Associated Press já o fizera, assim como todas as outras principais organizações jornalísticas. O Empire State Building estava banhado em luz azul, mas o NYTimes ainda segurava. Mais tarde, a ombudsman foi procurar saber o porquê: tratava-se de um processo firmemente controlado que incluía uma “decisão de cima”, a ser tomada por dois editores veteranos. Jill Abramson, a editora-executiva, daria a palavra final. Por que? Porque é melhor agir devagar e de maneira correta – principalmente devido à reputação do NYTimes de jornalismo de primeira qualidade.

O NYTimes traz uma disciplina semelhante para o trabalho investigativo. Recentemente, Kelly Couturier, produtora de uma seção de negócios online, contou à ombudsman que ficara impressionada com o conselho que ouvira de um editor de primeiro escalão para outro editor, sobre uma matéria delicada: “Cheque todos os fatos. Certifique-se de que está tudo certo.” Ela lembrava-se de ter pensado: “Isso é o NYTimes. É isso que fazemos aqui.”

Turbilhão de notícias

Práticas como essa podem rapidamente desmoronar em meio à confusão para conseguir uma matéria importante de última hora. É fácil ver o motivo. Você não tem como planejar a cobertura de uma chacina em massa. Os jornalistas têm que reagir rapidamente. Mas quando o fazem, não podem esquecer os padrões de qualidade e o rigor jornalístico. Wendy Ruderman, que ganhou um prêmio Pulitzer por uma reportagem policial quando estava em Filadélfia, foi uma dos muitos repórteres do NYTimes que participaram da matéria de Newtown. Ela disse à ombudsman que os erros a mantinham acordada de noite e, assim como o chefe de polícia, ela se sentia parcialmente responsável por eles. A raiz do problema era, pelo menos, dupla: em primeiro lugar, as autoridades estavam sob intensa pressão para dar informação sem mesmo ter certeza absoluta; e, em segundo lugar, na correria para acompanhar uma profusão de fontes de notícias, o NYTimes usou informações sem poder confirmá-las de maneira independente ou citar o nome das autoridades que as concederam.

No futuro, Wendy prefere que ninguém abrisse mão desta regra: “Não devemos publicar coisa alguma no jornal sem citar o nome da fonte responsável”. Em outras palavras, não há como confiar em agentes da lei anônimos. “Temos que ter uma pessoa ligada e uma maneira de checarmos as declarações”, disse. “E teríamos o tempo que tivéssemos que ter para fazer perguntas até termos certeza.” Isso não garantiria que erros não fossem feitos; isso não é possível. Mas agiria como prevenção e os minimizaria. “Devemos partir dos fatos básicos que definitivamente conhecemos para construir a matéria a partir da base”, disse ela. “No que se refere ao que não sabemos, podemos deixar isso claro na própria matéria.”

Fontes identificadas. Verificação.Transparência. E a disposição de abrir mão de ser o primeiro. Esse tipo de prática “faria com que demorássemos”, disse Wendy. “Mas é a nossa credibilidade que está em jogo.”

O NYTimes não pode ser arrastado para o turbilhão de notícias da era do Twitter. Tem que se diferenciar das fontes de notícias que conseguem a informação de maneira rápida, pouco sistemática e frequentemente incorreta. Esse processo tem seu encanto próprio e seu próprio objetivo útil. Mas o jornal deveria ser sua alternativa de equilíbrio em termos de autoridade e precisão. Só assim se recupera a fé de leitores como Gail – a de que se você leu no NYTimes, deve ser verdade.