“Foi um pedido inesperado o que recebi há dias de um leitor devidamente identificado, a quem chamarei aqui A.B. (iniciais fictícias). Pretendia esse leitor, e vinha por meu intermédio solicitá-lo à direcção do PÚBLICO, que ‘fosse retirada da Internet’ uma peça que recolhia declarações por si prestadas ao jornal, e publicadas na edição on line há mais de um ano.
Tratava-se de um entre muitos depoimentos obtidos no âmbito de um trabalho divulgado pelo Público Online em Março de 2011, nas vésperas do que ficou conhecido como manifestação da ‘geração à rasca’. Aos inquiridos era pedido que respondessem à pergunta ‘Por que é que vou [ou não] participar no protesto?’. Dezenas desses testemunhos, pró e contra a participação nas manifestações convocadas para 12 de Março em diversas cidades, foram reproduzidos na edição impressa desse dia. Entre eles não figurava o depoimento em que A.B. explicava os motivos da sua adesão, e que não divergiam muito do padrão geral das respostas positivas: frustração pelo estado do país, pela não realização de expectativas profissionais, pela precariedade do trabalho, pela falta de emprego.
O que então disse, em resposta ao inquérito do PÚBLICO, foi publicado apenas na edição para a Internet e permanece no arquivo on line do jornal. Por que motivo quer agora que seja ‘retirado’? Terá mudado de opinião, já não se revê no que pensava há um ano? Parece não ser esse o caso. A.B. diz ter participado ‘com bastante orgulho’ nos protestos de 2011, mas alega ter entendido que o seu contributo se destinaria ‘apenas à publicação em papel’. E refere ‘o facto de tais informações aparecerem indefinidamente na Internet’, para explicar: ‘Parecem-me agora descontextualizadas sempre que se faz uma pesquisa pelo meu nome’.
Como não dá mais explicações para o seu pedido, e não põe em causa a fidelidade da transcrição do que disse ao PÚBLICO, julgo poder concluir que, por razões que entende dever guardar para si, A.B. se sente desconfortável com o facto de as suas declarações de há um ano se encontrarem acessíveis a quem quer que digite o seu nome num motor de pesquisa da Internet. Verifiquei que o seu depoimento a este jornal é o resultado que aparece a encabeçar a lista de referências no Google ao seu nome verdadeiro, indicando que é o mais lido entre os textos ali indexados.
Os responsáveis editoriais do jornal não vão anuir ao pedido de A.B., e a directora executiva do Público Online, Simone Duarte, faz notar que, ainda que retirassem o seu depoimento do arquivo da edição para a Internet, este ‘continuaria a existir no ciberespaço’. Por outras palavras: mesmo que o leitor apresentasse razões atendíveis para o seu pedido, este nunca poderia ser satisfeito com alguma eficácia sem o envolvimento das empresas que detêm motores de busca como o Google. ‘Uma vez no mundo virtual, sempre no mundo virtual. Mas no papel também é assim: uma vez no papel, para sempre no papel’, resume Simone Duarte, que recorda apenas dois precedentes de pedidos semelhantes dirigidos ao Público Online, nenhum dos quais foi atendido (‘nunca apagámos um texto’).
Por mim, sem discordar das decisões tomadas nesses casos, gostaria de chamar a atenção para duas características do jornalismo na Internet que devem ser tidas em conta na análise da legitimidade de reclamações deste tipo. Por um lado, a plasticidade própria das edições on line permite intervenções correctivas impossíveis de fazer no papel. Por outro, a fácil acessibilidade torna possível que uma qualquer peça jornalística, antes destinada a jazer esquecida numa hemeroteca, possa ganhar nova vida, às vezes anos depois, com o concurso dos motores de busca e os efeitos multiplicadores das redes sociais.
Imagine-se, por exemplo, uma notícia nociva para a reputação de uma pessoa, que à altura da publicação não levantou dúvidas, mas cujos desenvolvimentos posteriores, não acompanhados pelo jornal, conduzem a conclusões contrárias ao que se escreveu. Ou, mais simplesmente, uma informação errada que passou despercebida e que por qualquer razão renasce para uma propagação viral, meses ou anos depois, num contexto diferente. Situações como essas levantam problemas éticos que os jornais de referência devem estudar e debater, procurando fixar os melhores procedimentos para os enfrentar.
Para o caso de que hoje me ocupo, importa no entanto sublinhar que o pedido feito por A.B. não deve, de facto, ser atendido. Não há motivo válido para que declarações prestadas livremente a um jornal, publicadas de boa fé e correctamente transcritas sejam posteriormente ‘apagadas’. Mesmo que o seu autor nelas não se reveja um ano mais tarde (ou dez, ou vinte), fazê-lo seria atentar contra a verdade e o direito à informação. O editor de plataformas e multimédia do PÚBLICO, Sérgio Gomes, explica porquê: ‘Retirar o que foi publicado parece-me um apagamento da história (…). O contexto em que foi publicado o depoimento deste leitor está no tempo, no espaço e nos outros textos que naquela ocasião foram publicados’. Pronunciando-se ‘contra a retirada de notícias/textos online que se provem correctos e respeitadores das normas éticas e deontológicas da prática jornalística’, Sérgio Gomes acrescenta, e eu subscrevo: ‘Mesmo aqueles [textos] em que se provem erros grosseiros (nomeadamente a nível factual) devem permanecer online com as modificações que se impuserem e as notas acerca dessas modificações’.
Aqui entramos no tema, a que voltarei, das correcções a peças disponíveis nos arquivos on line dos jornais, em que se defrontam hoje duas correntes principais: a dos que defendem que a detecção de erros numa notícia arquivada deve dar lugar à sua reedição corrigida, em nome da reposição da verdade dos factos, e a dos que consideram que as peças em arquivo devem ser mantidas, em nome da sua integridade histórica, mas acompanhadas da necessária correcção. Quer o leitor que se interessa pela ética jornalística participar no debate?
Erros de facto e de forma
O amplo trabalho que este jornal dedicou no passado domingo à primeira volta das eleições presidenciais em França ficou marcado por um erro que não passou despercebido aos leitores atentos. ‘Na edição de 22 do corrente, na página 5, o PÚBLICO (…) informa que François Hollande promete 1.700 euros de salário mínimo. Na página 7, no comentário de Teresa de Sousa, quem faz esta promessa é [Jean-Luc] Mélenchon. Em que ficamos?’, pergunta o leitor Fernando Ribeiro.
Outro leitor, Carlos Queirós, nota que também no texto da jornalista Clara Barata, enviada a Paris, ‘fica claro que quem propõe o aumento do salário mínimo para 1.700 euros é Mélenchon e não Hollande’, em contradição com o que se afirma na legenda de um número destacado ao alto de uma página: ‘François Hollande diz que, se ganhar, decreta um aumento do salário mínimo para 1.700 euros’. E acrescenta uma observação pertinente: ‘Parecer-me-ia bem que numa peça em que se dá algum destaque a esta questão, viesse nalgum sítio referido o valor actual do salário mínimo em França, dado importante para, por exemplo, avaliar o real significado de uma proposta como a de Mélenchon’.
Sem dúvida. O valor actual do SMIC (o salário mínimo francês) situa-se um pouco abaixo dos 1.400 euros. Brutos. E quem propôs a subida para 1.700 foi Mélenchon, já afastado da corrida, tendo Hollande, que nela permanece, reagido no final da campanha para a primeira volta com a promessa de ‘uma pequena subida’ do SMIC (Teresa de Sousa), estimada ‘em metade da percentagem do crescimento’ económico (Clara Barata). Mais uma vez, informações correctas foram manchadas por um erro no fecho da edição, só explicável por um desleixo semelhante ao que, na última quinta-feira, tornou possível que saísse ‘cresceramram’ em vez de ‘cresceram’ num título a toda a largura da página 12. Lamentável.
A cobertura das eleições em França suscitou uma crítica de outro leitor, José Carlos Costa, pondo em causa a isenção da frase de abertura da reportagem publicada no dia 21, em que Clara Barata se refere a Mélenchon nestes termos: ‘O candidato não vai ganhar as eleições, mas é o melhor!’. Alega a jornalista: ‘ Essa frase não é uma adesão minha ao que diz o candidato, é uma forma de ilustrar o ambiente e o que me pareceu o sentimento dos seus apoiantes’. Percebe-se a intenção, que o texto confirma, mas a ‘forma’ escolhida para a transmitir não é aceitável e justifica plenamente a crítica do leitor.”