Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornal dissecado, transparência forçada

Há um ano, o ombudsman do New York Times, Arthur Brisbane, sugeriu ao jornal que mantivesse um registro dos artigos que publica em diferentes formas, do papel à internet. Na época, a chefia de redação afirmou que monitorar as mudanças de edição nos artigos e criar um banco de dados para aquivar estas informações não era prioridade.

Agora, o projeto finalmente saiu… ironicamente, fora do New York Times. Um site chamado NewsDiffs captura os artigos da home do site do diário e faz um registro das múltiplas versões dos textos. O leitor pode comparar as versões, lado a lado, para ver mudanças no texto e no título – com indicações de onde as mudanças foram feitas. “É como se o Times tivesse sido virado do avesso, o trabalho interno exposto para quem quiser ver – uma espécie de transparência forçada”, diz o ombudsman.

O site foi criado em 38 horas de trabalho (com horas de sono incluídas), no Laboratório de Mídia do MIT, por dois programadores – Eric Price, aluno de ciências da computação, e Greg Price, que trabalha para a start-up Tddium – e uma jornalista – Jennifer Lee, ex-repórter do Times.

Jennifer pensava no assunto desde que viu um gráfico que mostrava as mudanças na cobertura do Times sobre um confronto entre policiais e manifestantes do movimento Occupy Wall Street na Ponte do Brooklyn. Na primeira versão da matéria, o jornal afirmava que a polícia teria “permitido” a entrada dos manifestantes da ponte, para então prendê-los. Em uma nova versão, 20 minutos depois, não havia menção ao fato de a polícia ter deixado os manifestantes entrarem na ponte; pelo contrário, era dito que eles haviam invadido a ponte por conta própria. A ideia, olhando as duas versões, era de que a “culpa” pelo confronto mudava de lado, e o Times foi bastante criticado na ocasião.

“Eu sempre fiquei intrigada sobre qual o jeito certo de manter um registro histórico das diferentes versões de um artigo”, diz Jennifer, que faz parte de um grupo global de jornalismo e tecnologia chamado Hacks/Hackers. A morte de Osama bin Laden, diz ela, é um bom exemplo da importância de se fazer um arquivo que captura as diferentes versões de uma matéria. Seria interessante, afirma, ver as mudanças entre a primeira e última menção ao assassinato do terrorista.

Processo fascinante

O NewsDiffs foi criado no meio de junho, e já inspirou outros sites. O NYTimes eXaminer, uma página que se descreve como “um antídoto” ao jornalão, usou a tecnologia do NewsDiffs para analisar e atacar a cobertura do Times do dia 20/6 sobre o pedido de Julian Assange por asilo politico ao Equador.

O site passou o dia monitorando o que entrava e saía do site do Times. Assim, dissecou a cobertura. É isso que Jennifer espera que vá acontecer de forma mais consistente no NewsDiffs. O site ainda precisa encontrar uma solução para a escolha automática de artigos onde tenham sido feitas mudanças de edição realmente interessantes. Hoje, além do site do Times – sem os blogs, por motivos técnicos –, o site também monitora artigos da CNN e do Politico.

O ombudsman diz que, até agora, nada do que viu, incluindo a cobertura sobre Assange, mostrou alguma gafe séria ou tentativa de ocultar informações importantes. Mas o processo jornalistico, afirma Brisbane, “é fascinante, levanta muitas questões para os críticos, e coloca pressão para que o Times também ofereça o registro de sua cobertura”. Para Brisbane, um arquivo com todas as versões e correções de um artigo passaria aos leitores a mensagem de que o jornal é responsável e tem compromisso com a transparência.

“Por que tantas mudanças são feitas na cobertura contínua? O que justifica uma mudança? Estas são questões que precisam de resposta, especialmente agora que as mudanças estão tão visíveis aos leitores”, diz Brisbane. Ele sugere, além do arquivo, que o jornal também publique uma declaração explicando o que é permitido ou não no processo de edição de artigos na internet.