“Muitas coisas saem erradas na confecção de um jornal diário, o que é um verdadeiro pesadelo para os perfeccionistas. Normalmente, os erros se espalham pelas páginas e mal são percebidos pelos leitores.
Quando acontece, porém, de 'tudo o que podia dar errado' se concentrar em uma notícia, ficam evidentes alguns problemas no processo de produção do jornal.
Foi o que houve na última edição de outubro, no texto 'Estradas ruins custam a empresas 13% da receita', que ocupou meia página de 'Mercado' (http://goo.gl/3kEA3).
O número extravagante chamou a atenção de Francisco Gomes, 48, professor de matemática da Unicamp. Ele percebeu que 13% corresponde a todo o custo logístico, composto de transporte, combustível, armazenagem, taxas aeroportuárias -não aos gastos decorrentes de problemas nas rodovias.
'Ninguém discorda de que é necessário melhorar a malha rodoviária, responsável não só pelo aumento do custo logístico mas também por acidentes. Entretanto, não é justo usar números errados nessa gloriosa campanha', disse o leitor.
A resposta da Redação foi impávida. Reiterou as informações publicadas e sublinhou que a fonte do cálculo é a Fundação Dom Cabral, descrita na reportagem como 'a maior escola de negócios do país'.
Se o título estivesse correto, as empresas brasileiras estariam com problemas seríssimos, porque perderiam mais de 10% das suas receitas por causa de buracos e acostamentos mal sinalizados.
Em contato com o autor da pesquisa, ele não apenas deu razão ao leitor como assinalou outros seis erros na reportagem de apenas 15 parágrafos. Confundiu-se transporte rodoviário com transporte de longa distância, atribuiu-se à Fundação Dom Cabral um número que não foi obtido por ela etc.
Os problemas, porém, não se resumiram às incorreções. A reportagem foi escrita com base em apenas uma fonte. Se o jornal tivesse procurado outro especialista em logística, poderia ter levantado dúvidas sobre o estudo. 'A pesquisa é bem elaborada, mas a comparação dos custos logísticos entre o Brasil e outros países é complicada', observa Sérgio Rodrigues Bio, 67, professor da FEA-USP.
O texto deveria ter dito também que a pesquisa foi feita pelo Núcleo CCR de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral. A CCR é uma das maiores concessionária de rodovias do país. Embora isso não signifique que se trate de um estudo enviesado, é sempre útil informar quem financia os pesquisadores.
É possível tirar algumas lições do pequeno descalabro publicado:
1) Ao mexer com números, não se esqueça do bom-senso;
2) Releia tudo. Dois dos sete erros teriam sido evitados se um redator tivesse percebido que dados do gráfico não coincidiam com o texto;
3) Apure mais. Não escreva com base em apenas uma fonte;
4) Sempre que possível, deixe claro quem paga a pesquisa;
E, por último, mas não menos importante:
5) Não despreze as observações dos leitores.
Estraga-prazeres
A edição de segunda-feira passada deveria ser daquelas que os corintianos teriam vontade de guardar até o papel amarelar. Só que a Folha colocou como foto principal uma do jogador Guerrero com uma enorme bandeira do Peru, sua pátria.
Foi dele o único gol da partida, mas soa como provocação destacar que o Corinthians venceu graças a um estrangeiro. A imagem principal de um evento deve traduzir o seu cerne. 'A Folha apostou no anticlímax. Quem não acompanha futebol nem deve ter entendido de que se tratava: um sujeito desconhecido empunhando a bandeira de outro país. Havia um monte de opções mais representativas da vitória', observou corretamente Mário Schapiro, 35, corintiano e professor da FGV.
Outra crítica à foto veio de um torcedor do Juventude, morador de Caxias do Sul (RS). 'Em vez de destacar o trabalho coletivo do time, o jornal focou um jogador, justamente o de outro país. Para um brasileiro, doeu', disse Helvécio Michielin, 62, porteiro de hotel, que lê o jornal regularmente, mas sempre com dois dias de atraso.
A bonita imagem ao lado ficaria bem editada em uma das páginas do caderno 'Esporte'.”