“Uma boa notícia para o ano novo: quem lê a Folha pode apostar que existe vida após a morte. Duas 'evidências' foram publicadas na primeira semana de dezembro:
>> 4/12: 'Um palestino foi morto por soldados israelenses próximo à colônia judaica de Einav, no norte da Cisjordânia. Segundo militares israelenses, o homem morto bateu em um jipe militar, que capotou. Quando os soldados tentavam sair do carro, o palestino atacou com um machado. Na ação, um israelense foi ferido com um corte do machado e outro, no acidente com o carro. O palestino foi baleado e morto na sequência. O Exército disse que vai investigar o caso';
>> 6/12: 'Anteontem à noite, na capital, dois morreram e três foram baleados por homens em uma moto no Parque Figueira Grande (zona sul). Alexandre Machado Valenciano, 19, e Fernando de Assis Oliveira, 23, foram mortos na rua. Depois, a dupla disparou contra pessoas em um bar na mesma rua. Três foram baleadas'.
Não eram contos de terror feitos a convite da 'Ilustrada'. A primeira notícia, publicada na capa de 'Mundo', tratava de um suposto ataque terrorista em Israel, mas foi redigida de tal forma que o leitor deve ter pensado que o palestino saiu de algum filme de zumbis. Mesmo morto, ele provocou um acidente de carro e atacou seus inimigos com um machado.
A sequência correta do acontecido, segundo militares israelenses, foi esta: um carro dirigido por um palestino muda de pista e bate de frente com um jipe militar israelense, provocando seu capotamento. O palestino sai do carro empunhando um machado e fere dois soldados que estavam no jipe. É morto a tiros.
No segundo caso, de 'Cotidiano', parece que bandidos mortos conseguiram balear três pessoas em um bar. No dia seguinte, a Folha recontou a história: sete amigos conversavam na rua, quando uma motocicleta, com dois homens de capacete, se aproximou. Com medo, os rapazes correram. Fernando de Assis Oliveira, 23, foi parar na frente da casa de Alexandre Machado Valenciano, 19, que voltava da aula. Os dois foram mortos pelos motoqueiros, que seguiram para um bar e feriram mais três pessoas.
De tão mal escrita, a notícia dava a impressão de que as vítimas eram os bandidos.
Os dois exemplos, extremos e anedóticos, são sintoma de um problema recorrente no jornal: a falta de clareza nos textos médios.
Várias reportagens só são compreendidas se lidas com um bloco de anotação ao lado. As ideias se perdem, a história vai e volta, os períodos são muito longos, um parágrafo não se liga ao seguinte.
Nas reportagens sobre denúncias de corrupção, há uma profusão de nomes e siglas, um monte de detalhes inúteis, mas pouca preocupação em dimensionar devidamente o ocorrido e a importância dos personagens envolvidos.
Não se trata de exigir um padrão literário em jornal. Pelo contrário, o que falta é um esforço concentrado por clareza. Diariamente, a Folha publica textos escritos às pressas e que provavelmente não foram compreendidos nem pelos redatores responsáveis por colocá-los no tamanho e titulá-los.
O repórter, mergulhado naquele assunto há tempos, acha que escreveu de forma bastante clara. O redator não faz as perguntas básicas para não parecer burro e manda para a página o que lhe caiu nas mãos.
Parece haver a idealização de um leitor perfeito, que sabe tudo sobre fundo soberano, sobre as denúncias do mensalão ou sobre o abismo fiscal americano.
Esse não é um problema novo e é difícil mensurar se a qualidade média do texto da Folha piorou (ou não) nos últimos anos. Mas, com o surgimento do noticiário on-line, espera-se que o impresso sirva de esteio da qualidade jornalística. Se é para ler 'qualquer coisa' rapidamente, fiquemos na internet, onde há fartura e gratuidade.”