“Dediquei vários textos, neste espaço, a problemas relacionados com a importância da clareza na identificação da autoria das peças jornalísticas e aos procedimentos que devem ser seguidos na assinatura das notícias. Fi-lo a partir de queixas justificadas dos leitores contra más práticas nesse domínio, geralmente detectadas na edição on line e quase sempre relacionadas com falta de respeito pelo trabalho alheio.
Entre outros, foram alvo de reclamações casos de notícias assinadas por jornalistas do PÚBLICO (ou, mais frequentemente, subscritas com a menção genérica PÚBLICO) que se limitavam a reproduzir (ou a utilizar com ligeiras adaptações) o conteúdo de despachos de agências noticiosas ou de textos originalmente publicados em outros sites informativos, ou que se limitavam a traduzir, ainda que em forma resumida, textos publicados em órgãos de comunicação estrangeiros.
A multiplicação destes casos, com uma maior vulnerabilidade a estas práticas nocivas a resultar da dinâmica própria das edições electrónicas, provocou um debate interno na redacção do PÚBLICO, motivado pela percepção de que coexistiam procedimentos diferentes, nomeadamente entre a edição impressa e a edição on line, e nem sempre respeitadores do espírito e da letra do que a este respeito estipula, e a meu ver bem, o Livro de Estilo do jornal.
Esse debate, em que participei a convite dos responsáveis editoriais, conduziu à aprovação de um conjunto de normas e recomendações para vigorarem após a recente remodelação do site do PÚBLICO, de acordo com o princípio geral de que ‘a assinatura deve reflectir a autoria do texto sem margem para dúvidas’.
São essas normas e recomendações que hoje coloco à disposição dos leitores, para que possam servir como referência face a situações que suscitem dúvidas, reproduzindo para esse efeito um documento interno que me foi remetido pela directora executiva do Público Online, Simone Duarte:
‘1. Todos os textos são assinados, independentemente da sua extensão [esta regra não se aplica às notícias breves da edição impressa].
2. [No caso da utilização de despachos de agências noticiosas] deve creditar-se inteiramente a peça à agência se ela tiver sido simplesmente transcrita ou traduzida, ainda que possa ter sido reduzida ou alvo de ligeiras adaptações ao estilo do jornal.
3. Deve ser assinada pela agência e pelo PÚBLICO quando ao(s) despacho(s) utilizado(s) se acrescentam elementos de contextualização ou esclarecimentos julgados necessários.
4. Deverá assinar com o nome quem é o verdadeiro autor de um texto e da pesquisa ou recolha de informações que o antecede (devendo, se tiver recorrido a um ou outro elemento recolhido em despachos de agência ou outros media, atribuir sempre esses créditos no texto), e isto mesmo quando o despacho de agência foi o ponto de partida para o seu trabalho.
5. Nos casos em que a contribuição informativa da agência tenha um peso relevante, propõe-se que o jornalista assine com o nome da agência (exemplo: José Silva e Lusa). (…) Se um autor contou apenas com informação de contextualização dada por outra peça assinada por um outro autor, sendo este da redacção, deve avaliar com os editores como fazer reflectir no texto essa situação.
6. A assinatura de um texto nunca deve ser apagada. Se se trata de um texto que está em evolução, a assinatura deve reflectir, da mesma forma como num texto fechado, os contributos que estão a actualizar essa peça.
7. O recurso à assinatura PÚBLICO deve ser considerado uma excepção e não a regra. Isto porque toda a redacção deve sentir-se obrigada a trabalhar por si própria as informações, mesmo quando se trate de matéria que tenha chegado primeiro como despacho de agência. A assinatura genérica PÚBLICO nunca deve ser usada para evitar a identificação do autor por ele não escrever habitualmente sobre um assunto, por haver vários jornalistas a contribuir para um texto ou por haver erros que foram corrigidos, tendo-se alterado a versão do texto. Os textos assumem-se, tal como os erros.
8. No caso de um texto baseado numa notícia publicada noutro jornal, que é de actualidade, que foi confirmada, mas cuja redacção não acrescenta uma novidade, o jornalista não deve assinar, porque não é o autor. A notícia deve ser atribuída com toda a clareza, e logo na abertura (ou mesmo na titulagem, em certos casos) ao órgão que a divulgou.
9. Nas peças integralmente elaboradas (ainda que tenham sido resumidas ou sofrido alterações formais) a partir de textos publicados em outros media, nomeadamente estrangeiros, como é comum na edição online, dever-se-á:
a) evitar o abuso de assinar o texto por um jornalista do PÚBLICO (ou simplesmente pelo PÚBLICO) se nada de relevante tiver sido acrescentado;
b) evitar o vício de não atribuir claramente a autoria da notícia ao órgão que a publicou em primeira mão, seja citando-o apenas como tendo recolhido uma ou outra informação ou declaração, seja colocando essas citações ao mesmo nível das de outras fontes, por exemplo citadas já na peça original (isto sem prejuízo de que, em muitos casos, não se deveria avançar para a publicação sem consulta, quando possível, de fontes documentais primárias ou intermédias);
c) referir não só o órgão que publicou a notícia, mas também o seu autor, nos casos em que a marca de autoria de uma peça seja especialmente relevante.
d) Nos casos em que seja feita ou autorizada a transcrição integral (ou parcial, mas com cortes devidamente assinalados) de uma peça ou de um documento colhido num órgão estrangeiro, a única marca de autoria que o PÚBLICO deve reivindicar e assumir é a do tradutor’.
Subscrevo, no essencial, estas normas e recomendações. Em alguns casos, trata-se apenas de regras convencionais, que visam harmonizar procedimentos a bem da clareza e da identidade do jornal. Outras são exigências de ordem ética e deontológica, de lealdade de processos, a que os redactores de um jornal de referência não poderão furtar-se. Poderão certamente ser aperfeiçoadas, na certeza de que as melhores práticas na assinatura de textos jornalísticos são as que melhor consigam articular valores como o respeito pela autoria, a transparência e o rigor.
Penso que se justificam, ainda assim, algumas observações que poderão contribuir para completar este esforço de regulação:
— No caso de autoria partilhada entre uma agência noticiosa e um elemento da redacção do PÚBLICO (ver ponto 5), não deverá ser indiferente a ordem de subscrição da peça publicada. Se o peso da contribuição informativa da agência for preponderante, deveria ser esta a ser referida em primeiro lugar.
— A regra de nunca ‘apagar’ uma assinatura numa notícia em actualização (ver ponto 6) não deve permitir que possa ser atribuída ao autor da primeira versão a responsabilidade por acrescentos ou alterações que tenham sido feitos sem o seu conhecimento.
— A assinatura genérica PÚBLICO, que é naturalmente entendida como responsabilizando o colectivo redactorial ou a sua direcção, deve ser restringida (ver ponto 7) a casos não só excepcionais como bem tipificados. O recurso inadequado e ainda frequente a essa fórmula — na data em que escrevo foi utilizada, por exemplo, na reprodução ligeiramente adaptada da notícia original de outro site informativo — representa uma menção enganosa quando não existe um contributo jornalístico autónomo que a justifique.”