Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

José Queirós

“Dedi­quei vários tex­tos, neste espaço, a pro­ble­mas rela­ci­o­na­dos com a impor­tân­cia da cla­reza na iden­ti­fi­ca­ção da auto­ria das peças jor­na­lís­ti­cas e aos pro­ce­di­men­tos que devem ser segui­dos na assi­na­tura das notí­cias. Fi-lo a par­tir de quei­xas jus­ti­fi­ca­das dos lei­to­res con­tra más prá­ti­cas nesse domí­nio, geral­mente detec­ta­das na edi­ção on line e quase sem­pre rela­ci­o­na­das com falta de res­peito pelo tra­ba­lho alheio.

Entre outros, foram alvo de recla­ma­ções casos de notí­cias assi­na­das por jor­na­lis­tas do PÚBLICO (ou, mais fre­quen­te­mente, subs­cri­tas com a men­ção gené­rica PÚBLICO) que se limi­ta­vam a repro­du­zir (ou a uti­li­zar com ligei­ras adap­ta­ções) o con­teúdo de des­pa­chos de agên­cias noti­ci­o­sas ou de tex­tos ori­gi­nal­mente publi­ca­dos em outros sites infor­ma­ti­vos, ou que se limi­ta­vam a tra­du­zir, ainda que em forma resu­mida, tex­tos publi­ca­dos em órgãos de comu­ni­ca­ção estrangeiros.

A mul­ti­pli­ca­ção des­tes casos, com uma maior vul­ne­ra­bi­li­dade a estas prá­ti­cas noci­vas a resul­tar da dinâ­mica pró­pria das edi­ções elec­tró­ni­cas, pro­vo­cou um debate interno na redac­ção do PÚBLICO, moti­vado pela per­cep­ção de que coe­xis­tiam pro­ce­di­men­tos dife­ren­tes, nome­a­da­mente entre a edi­ção impressa e a edi­ção on line, e nem sem­pre res­pei­ta­do­res do espí­rito e da letra do que a este res­peito esti­pula, e a meu ver bem, o Livro de Estilo do jornal.

Esse debate, em que par­ti­ci­pei a con­vite dos res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais, con­du­ziu à apro­va­ção de um con­junto de nor­mas e reco­men­da­ções para vigo­ra­rem após a recente remo­de­la­ção do site do PÚBLICO, de acordo com o prin­cí­pio geral de que ‘a assi­na­tura deve reflec­tir a auto­ria do texto sem mar­gem para dúvidas’.

São essas nor­mas e reco­men­da­ções que hoje coloco à dis­po­si­ção dos lei­to­res, para que pos­sam ser­vir como refe­rên­cia face a situ­a­ções que sus­ci­tem dúvi­das, repro­du­zindo para esse efeito um docu­mento interno que me foi reme­tido pela direc­tora exe­cu­tiva do Público Online, Simone Duarte:

‘1. Todos os tex­tos são assi­na­dos, inde­pen­den­te­mente da sua exten­são [esta regra não se aplica às notí­cias bre­ves da edi­ção impressa].

2. [No caso da uti­li­za­ção de des­pa­chos de agên­cias noti­ci­o­sas] deve creditar-se intei­ra­mente a peça à agên­cia se ela tiver sido sim­ples­mente trans­crita ou tra­du­zida, ainda que possa ter sido redu­zida ou alvo de ligei­ras adap­ta­ções ao estilo do jornal.

3. Deve ser assi­nada pela agên­cia e pelo PÚBLICO quando ao(s) despacho(s) utilizado(s) se acres­cen­tam ele­men­tos de con­tex­tu­a­li­za­ção ou escla­re­ci­men­tos jul­ga­dos necessários.

4. Deverá assi­nar com o nome quem é o ver­da­deiro autor de um texto e da pes­quisa ou reco­lha de infor­ma­ções que o ante­cede (devendo, se tiver recor­rido a um ou outro ele­mento reco­lhido em des­pa­chos de agên­cia ou outros media, atri­buir sem­pre esses cré­di­tos no texto), e isto mesmo quando o des­pa­cho de agên­cia foi o ponto de par­tida para o seu trabalho.

5. Nos casos em que a con­tri­bui­ção infor­ma­tiva da agên­cia tenha um peso rele­vante, propõe-se que o jor­na­lista assine com o nome da agên­cia (exem­plo: José Silva e Lusa). (…) Se um autor con­tou ape­nas com infor­ma­ção de con­tex­tu­a­li­za­ção dada por outra peça assi­nada por um outro autor, sendo este da redac­ção, deve ava­liar com os edi­to­res como fazer reflec­tir no texto essa situação.

6. A assi­na­tura de um texto nunca deve ser apa­gada. Se se trata de um texto que está em evo­lu­ção, a assi­na­tura deve reflec­tir, da mesma forma como num texto fechado, os con­tri­bu­tos que estão a actu­a­li­zar essa peça.

7. O recurso à assi­na­tura PÚBLICO deve ser con­si­de­rado uma excep­ção e não a regra. Isto por­que toda a redac­ção deve sentir-se obri­gada a tra­ba­lhar por si pró­pria as infor­ma­ções, mesmo quando se trate de maté­ria que tenha che­gado pri­meiro como des­pa­cho de agên­cia. A assi­na­tura gené­rica PÚBLICO nunca deve ser usada para evi­tar a iden­ti­fi­ca­ção do autor por ele não escre­ver habi­tu­al­mente sobre um assunto, por haver vários jor­na­lis­tas a con­tri­buir para um texto ou por haver erros que foram cor­ri­gi­dos, tendo-se alte­rado a ver­são do texto. Os tex­tos assumem-se, tal como os erros.

8. No caso de um texto base­ado numa notí­cia publi­cada nou­tro jor­nal, que é de actu­a­li­dade, que foi con­fir­mada, mas cuja redac­ção não acres­centa uma novi­dade, o jor­na­lista não deve assi­nar, por­que não é o autor. A notí­cia deve ser atri­buída com toda a cla­reza, e logo na aber­tura (ou mesmo na titu­la­gem, em cer­tos casos) ao órgão que a divulgou.

9. Nas peças inte­gral­mente ela­bo­ra­das (ainda que tenham sido resu­mi­das ou sofrido alte­ra­ções for­mais) a par­tir de tex­tos publi­ca­dos em outros media, nome­a­da­mente estran­gei­ros, como é comum na edi­ção online, dever-se-á:

a) evi­tar o abuso de assi­nar o texto por um jor­na­lista do PÚBLICO (ou sim­ples­mente pelo PÚBLICO) se nada de rele­vante tiver sido acrescentado;

b) evi­tar o vício de não atri­buir cla­ra­mente a auto­ria da notí­cia ao órgão que a publi­cou em pri­meira mão, seja citando-o ape­nas como tendo reco­lhido uma ou outra infor­ma­ção ou decla­ra­ção, seja colo­cando essas cita­ções ao mesmo nível das de outras fon­tes, por exem­plo cita­das já na peça ori­gi­nal (isto sem pre­juízo de que, em mui­tos casos, não se deve­ria avan­çar para a publi­ca­ção sem con­sulta, quando pos­sí­vel, de fon­tes docu­men­tais pri­má­rias ou intermédias);

c) refe­rir não só o órgão que publi­cou a notí­cia, mas tam­bém o seu autor, nos casos em que a marca de auto­ria de uma peça seja espe­ci­al­mente relevante.

d) Nos casos em que seja feita ou auto­ri­zada a trans­cri­ção inte­gral (ou par­cial, mas com cor­tes devi­da­mente assi­na­la­dos) de uma peça ou de um docu­mento colhido num órgão estran­geiro, a única marca de auto­ria que o PÚBLICO deve rei­vin­di­car e assu­mir é a do tra­du­tor’.

Subs­crevo, no essen­cial, estas nor­mas e reco­men­da­ções. Em alguns casos, trata-se ape­nas de regras con­ven­ci­o­nais, que visam har­mo­ni­zar pro­ce­di­men­tos a bem da cla­reza e da iden­ti­dade do jor­nal. Outras são exi­gên­cias de ordem ética e deon­to­ló­gica, de leal­dade de pro­ces­sos, a que os redac­to­res de um jor­nal de refe­rên­cia não pode­rão furtar-se. Pode­rão cer­ta­mente ser aper­fei­ço­a­das, na cer­teza de que as melho­res prá­ti­cas na assi­na­tura de tex­tos jor­na­lís­ti­cos são as que melhor con­si­gam arti­cu­lar valo­res como o res­peito pela auto­ria, a trans­pa­rên­cia e o rigor.

Penso que se jus­ti­fi­cam, ainda assim, algu­mas obser­va­ções que pode­rão con­tri­buir para com­ple­tar este esforço de regulação:

— No caso de auto­ria par­ti­lhada entre uma agên­cia noti­ci­osa e um ele­mento da redac­ção do PÚBLICO (ver ponto 5), não deverá ser indi­fe­rente a ordem de subs­cri­ção da peça publi­cada. Se o peso da con­tri­bui­ção infor­ma­tiva da agên­cia for pre­pon­de­rante, deve­ria ser esta a ser refe­rida em pri­meiro lugar.

— A regra de nunca ‘apa­gar’ uma assi­na­tura numa notí­cia em actu­a­li­za­ção (ver ponto 6) não deve per­mi­tir que possa ser atri­buída ao autor da pri­meira ver­são a res­pon­sa­bi­li­dade por acres­cen­tos ou alte­ra­ções que tenham sido fei­tos sem o seu conhecimento.

— A assi­na­tura gené­rica PÚBLICO, que é natu­ral­mente enten­dida como res­pon­sa­bi­li­zando o colec­tivo redac­to­rial ou a sua direc­ção, deve ser res­trin­gida (ver ponto 7) a casos não só excep­ci­o­nais como bem tipi­fi­ca­dos. O recurso ina­de­quado e ainda fre­quente a essa fór­mula — na data em que escrevo foi uti­li­zada, por exem­plo, na repro­du­ção ligei­ra­mente adap­tada da notí­cia ori­gi­nal de outro site infor­ma­tivo — repre­senta uma men­ção enga­nosa quando não existe um con­tri­buto jor­na­lís­tico autó­nomo que a justifique.”