“O depoimento de Luiza Pastor, 56, publicado no domingo passado, destampou uma reação furiosa. Estuprada aos 19 anos, a jornalista revelou agora sua história como um testemunho contra a redução da maioridade penal: mesmo tendo sido subjugada por um menor de idade, ela defende que mudar a lei é fazer da Justiça um instrumento de vingança.
O relato de Luiza desencadeou um linchamento virtual. No site da Folha, foram postados 300 comentários, 94% com críticas e ofensas à jornalista. O colunista da ‘Veja’ Reinaldo Azevedo chamou o depoimento de ‘asqueroso’ e obteve o apoio de 982 comentários.
O leitor H.E. escreveu para a Folha contando que sua mulher vomitou ao ler o texto. ‘Ela também foi vítima de violência sexual e se indignou, porque a jornalista parece dizer que, diante das mazelas sociais, não é legítimo nem defender seu próprio corpo’, afirmou.
Tamanha revolta revela a carga emocional que envolve o debate sobre violência. Objetivamente, o que se podia criticar na edição da Folha era a introdução, muito simplista, dada ao depoimento: ‘O principal argumento dos defensores da redução da maioridade penal pode ser sintetizado em uma frase: Queria ver se fosse com você’. Pois foi com a jornalista Luiza Pastor, 56, casada e mãe de uma menina. Com apenas 19 anos, Luiza, ainda estudante da USP, foi estuprada por um garoto menor de idade. Experiência tão traumática, entretanto, não a transformou em defensora da redução da maioridade penal’.
É um desrespeito intelectual resumir os argumentos de quem defende diminuir a maioridade penal a ‘queria ver se fosse com você’. Em duas colunas publicadas no mês passado, Contardo Calligaris enumera várias razões para reduzir a idade de responsabilização criminal, sem apelar para a falácia de que só defende bandido quem nunca sofreu na carne.
Mas, tirando o problema da introdução, o depoimento publicado foi um acerto do jornal, que não percebeu de antemão o seu potencial explosivo. Não havia chamada na ‘Primeira Página’ de domingo para o relato de Luiza, mesmo sendo tão incomum.
A história da jornalista atiçou a discussão sobre maioridade penal, que está na pauta no último mês por causa de dois crimes bárbaros cometidos com a participação de menores: o assassinato do universitário Victor Hugo Deppman, 19, e o da dentista Cinthya de Souza, 46.
Nesse período, a Folha publicou seis artigos contra a proposta de baixar de 18 para 16 anos a idade em que o cidadão se torna imputável. A favor, apenas as duas colunas de Contardo Calligaris. No meio-termo, dois autores defenderam manter os 18 anos como parâmetro de criminalização, mas endurecer as penas aplicadas a menores em casos de crimes hediondos.
O ‘6 a 2’ do placar dos artigos da Folha não reflete a opinião da população. Pesquisa feita pelo Datafolha em 15 de abril revelou que 93% dos paulistanos concordam com a diminuição da maioridade penal (6% são contra e 1% não soube responder).
Quando foi publicada, a pesquisa foi alvo de críticas por ter sido feita no calor do assassinato do jovem Victor, mas os resultados anteriores mostram que o apoio à redução da maioridade penal não é circunstancial (em 2003, 83% eram a favor; em 2006, 88%).
A posição da Folha, expressa nos editoriais, não coincide totalmente nem com o que pensa a quase totalidade dos paulistanos nem com o que defende boa parte dos seus colunistas. O jornal é contra reduzir a maioridade penal para 16 anos, mas é a favor de elevar o tempo máximo de internação de jovens que cometeram crimes contra a vida –hoje, é de, no máximo, três anos.
O desafio nessa cobertura é manter o equilíbrio. É preciso dar voz aos que, inconformados com a impunidade, bradam por penas mais severas, mas também aos que acreditam que ampliar o castigo não resultará em mais segurança.
O poder da grana
A condescendência com os anunciantes desfigurou a diagramação das nobres páginas de opinião de quinta-feira passada. Empurradas e separadas por uma propaganda de serviço de telefonia móvel, as páginas A2 e A3 viraram A4 e A6. As seções ‘Tendências/Debates’ e ‘Painel do Leitor’ ficaram espelhadas com a capa de ‘Poder’, bagunçando a leitura.”