“Uma dissertação de mestrado defendida na USP no final do ano passado põe o dedo na ferida: a imprensa foi excessivamente dura na cobertura do governo Lula?
Para responder a essa pergunta, o jornalista Eduardo Nunomura, 44, que já trabalhou na Folha, no ‘Estado’ e na ‘Veja’ e que hoje se dedica à vida acadêmica, chafurdou nos arquivos de jornais e revistas.
Decidiu estudar Folha e ‘Veja’, duas das publicações mais vendidas no país, e, para ter um parâmetro de comparação, pesquisou outros dois escândalos políticos, ocorridos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Recuou até 1998 para avaliar como foi a cobertura do ‘dossiê Cayman’, aquele documento forjado que dizia que líderes do PSDB tinham contas em paraíso fiscal, e também o ‘grampo do BNDES’, as escutas telefônicas ilegais que mostravam FHC e ministros discutindo o leilão da Telebrás, a maior privatização já feita no Brasil.
Nunomura analisou 703 entradas (reportagens, editoriais, infográficos) sobre o mensalão e 215 sobre as denúncias tucanas.
A diferença quantitativa justifica-se porque o escândalo petista foi mais longo. Na Folha, de junho a dezembro de 2005, foram publicadas 72 manchetes e 64 editoriais sobre o mensalão -em uma mesma edição de junho, saíram dois editoriais sobre o escândalo (um na capa, outro na pág. 2). O leitor ganhou praticamente uma manchete e um editorial a cada três dias.
As denúncias do governo FHC duraram menos, mas foram até mais intensas. Em 35 dias de cobertura, renderam 15 manchetes e 10 editoriais na Folha.
O escândalo tucano terminou mais rapidamente por falta de empenho da imprensa ou as denúncias eram mais robustas no mensalão? Nunomura diz que não há elementos para tirar essa dúvida.
É bom lembrar, no entanto, que o chamado ‘dossiê Cayman’, um dos objetos da dissertação, revelou-se, rapidamente, um documento absolutamente falso.
O jornalista aponta uma ‘denunciação antecipada’ na cobertura dos escândalos tucano e petista na Folha. Ele dá esse nome ao açodamento da imprensa em publicar denúncias ao primeiro sinal de suspeita, quase sempre com um viés de condenação pública.
No mensalão, Nunomura menciona como exemplo do afã condenatório o fato de a Folha ter citado o impeachment de Lula antes mesmo da oposição. Em editorial de agosto de 2005, o jornal diz que ‘a hipótese de impeachment, remota até poucos dias atrás, se afigura hoje como possibilidade palpável’.
No escândalo tucano, quando o caso já estava minguando, a Folha retomou a investigação e publicou os grampos. Em 25 maio de 1999, a manchete dizia ‘FHC tomou partido de um dos grupos no leilão da Telebrás’. Em 12 páginas, o jornal trazia os trechos mais comprometedores das conversas, sob o selo ‘Segredos do Poder’.
A conclusão do estudo é que, enquanto a ‘Veja’ deu tratamento diferente aos escândalos tucano e petista, a Folha adotou um padrão semelhante em ambos.
A revista, segundo Nunomura, tratou FHC como vítima, seja dos erros de seus auxiliares, seja da sua própria intenção de promover um bem para o país. Com Lula, a ‘Veja’ teria partido do princípio de que ele estava envolvido no mensalão.
Já a Folha foi duríssima com Lula, mas também com FHC. ‘Muito embora críticos da imprensa coloquem o jornal em franca oposição ao PT (…), em momentos críticos, a Folha opta pela lógica mercadológica em detrimento de eventuais preferências ideológicas. No dizer popular, perde o amigo, mas não a piada’, escreve Nunomura.
Ele se surpreendeu com o resultado da pesquisa. Imaginava que seria um massacre contra Lula. ‘Fui até rever os dados para ter certeza.’
A dissertação é bem-vinda para refrescar a memória daqueles que acreditam que as denúncias contra governos nasceram com a ascensão do PT ao poder. Na Folha, os antecessores de Lula e Dilma não foram tratados a pão de ló. Além de FHC, aposto que José Sarney e Fernando Collor concordariam.”